sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A Escola da D. Cândida





Num dia de há 10, 20, 30 ou 40 anos, todos nós, de bata, de calções ou de totós, pela mão do Pai, da Mãe ou de Avô, entrámos pela primeira vez na Escola.
Era uma Escola diferente: estávamos todos juntos e como Professora encontrámos uma Mulher rara.
À primeira vista pareceu-nos alta e seca, talvez até um pouco rude, mas cedo percebemos que tal postura traduzia o rigor e a dedicação com que desempenhava a tarefa de nos ensinar a ler, a escrever e a contar. E nisso, houve poucos tão competentes quanto Ela.
Era também diferente no seu método de trabalho: fugindo à massificação e sem desistir da exigência. Ela olhava para cada um de nós como único e singular, com qualidades e defeitos, incentivando-o constantemente  a dar o melhor de si e motivando-o para o gosto de aprender.
Hoje reconhece-se que a Escola, mais do que ensinar matérias, deve promover o gosto e a vontade de aprender, para que cada aluno se possa ir tornando autónomo e sujeito dos seus próprios processos de aprendizagem. Aqui a Sra. D. Cândida foi profundamente inovadora. Por isso, o Toninho pode continuar a ser canhoto e o João e tantos outros puderam continuar a ter letras semelhantes a hieróglifos.
Além de aprendermos a ler, a escrever e a contar, naquela Sala fazia-se tudo e cada um podia dar largas à sua vocação:  a Susana Janeiro pôde cantar os êxitos do Festival da Canção, o João Carvalhais pôde cantar músicas malandras (como o salcicheiro, lembram-se?) e a Marta Pinheiro pôde dizer poesia.
Tínhamos um recreio enorme, com árvores e canteiros onde se podiam fazer gincanas de carrinhos, e um pátio amplo onde disputámos inúmeros campeonatos  da barra do lenço.
Aprendíamos também profundas lições de Vida. Os acontecimentos do mundo eram conversados de forma simples.
Recordo que quando a Princesa Ana de Inglaterra se casou com um escudeiro, a Sra D. Cândida - que tinha visto o Jornal da Tarde na salinha onde o Sr. Cardoso fazia sempre uma sesta - chamou à atenção para a simplicidade daquele enlace, fazendo notar que quanto mais "nobre" se é por dentro, mais simples e discreto se é por fora.Para Ela era importante que cada um de nós fosse um ser humano autêntico e nobre de carácter mas simples e sem peneiras. Aprendemos com Ela que cada um vale pelo que é e não pelo que tem ou aparenta que tem.
Por isso, a nossa Escola foi também uma Escola de Valores.Profundamente crente, Ela procurou dar-nos a conhecer um Deus que, para além dos ritos e das rezas, se revela sobretudo pelas Acções. Dessa forma apelava a que nos tornássemos pessoas boas, amigos dos outros, solidários e empenhados na construção do Bem comum. Quaisquer que sejam as nossas convicções religiosas e políticas de hoje, temos todos no passado esta marca da consciência da cidadania, do respeito pela dignidade humana e do sentido do amor ao próximo que nos foi dado pelo seu exemplo.
Hoje, em que estes Valores parecem sucumbir face ao reinado do dinheiro, do sucesso a qualquer preço e do poder, não podemos deixar de nos sentirmos privilegiados por termos tido esta formação de base. E o seu exemplo perdura já que continua  a participar activamente na vida da Paróquia e doa grande parte do seu tempo,  fazendo voluntariado no Hospital.
Estamos, pois, perante uma Senhora excepcional.
Se tivesse sido cantora ou actriz já teria sido medalhada pela cidade e se tivesse sido futebolista já teria o seu nome numa rua ou uma estátua numa qualquer rotunda. Mas foi uma professora dedicada e competente durante mais de quarenta anos e nestas coisas, cada terra elege os heróis que merece!
É impossível falar da nossa Escola sem recordar uma figura franzina, de carrapito ao alto da cabeça que sempre  acudia por nós quando o castigo era mais severo, sempre tinha uma palavra amiga para os nossos desgostos e nos tratava a todos como se  fossemos netos.
Onde quer que esteja agora, está de certeza num lugar bonito e olhando hoje para nós, no seu sotaque brasileiro e doce, a Dra. Dona Candidinha há-de estar a dizer: " estes mininos"!
Ao seu lado, a Sra D. Cândida teve sempre um companheiro excepcional. Era alto e bonito - no nosso imaginário de meninas, foi talvez, perdoe-se-me a brejeirice, o primeiro "sex symbol". Nós viámo-lo destemido e corajoso a combater os  fogos e as cheias. Sabíamos que era bombeiro e voluntário e para nós foi um bonito exemplo de dedicação e de coragem. Também esta experiência foi importante no processo de crescimento pessoal.
No entanto, devo hoje fazer uma confissão: nunca percebi como é que aquele Homem tão alto e forte, tão audaz e corajoso, tinha tanto medo, medo não, pânico, de tomar injecções!!!
Este longo e feliz casamento - apesar do desgosto de não terem tido filhos - é para nós um exemplo de como o Amor tudo pode e quando é verdadeiro chega a raiar a Eternidade.
É hora, pois, de com a simplicidade, o afecto e a autenticidade que nos ensinou, dizermos à Sra D. Cândida OBRIGADA.
Agora, em que a maioria de nós já tem filhos e se apercebe, na prática, como é difícil educar, lembramo-nos muitas vezes da Senhora que, a par dos nossos Pais, constitui para todos nós uma referência imutável de segurança, de disciplina e de afecto.
Do fundo dos nossos corações pedimos-lhe que continue assim: bonita por dentro e por fora, simples e nobre, amiga dos outros, forte e alegre. Que o Senhor que tudo pode e em quem tanto acredita, continue a abençoar a sua vida e lhe conceda tudo quanto deseja.
Mas dizer-lhe obrigada seria pouco. Como humanos que somos precisamos de símbolos. E é um símbolo que o Beto Guedes - o seu aluno mais velho -  a Joana e o Toninho - sem o esforço de quem não seria possível esta festa - vão entregar-lhe.
Que tal  lembrança deste dia fique com a Senhora como sinal de todo o nosso carinho e de toda a gratidão.


Peso da Régua, 6 de Abril de 2002
Paula Menezes Soares    

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