sábado, 30 de setembro de 2017

O meu Moledo-121

Foto:josé alfredo almeida

Pequenos momentos

Foto:josé alfredo almeida


A solidão é a mãe da sabedoria.



Laurence Sterne

Diz à tristeza



Diz à tristeza que os dias amam o teu sorriso 
e convence-a de que as horas que passas 
de acordo com o oblíquo dos ponteiros do tempo 
toldam a agonia. 
Diz-lhe que permanecerás fiel ao teu sorriso 

e aos segundos breves mas felizes
Diz-lhe, convence-a de que permanecerás fiel ao teu sorriso
... e ao meu.




Dúlia Soares

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O nosso rio




Era Verão.
Sujava o meu vestido de propósito, só para que enquanto secasse, eu pudesse ficar mais um pouco junto a ti. (Entretanto, a tua mãe emprestava-me um dos teus).

Havia um rio a passar perante nós. E os teus olhos sonhadores, eram como barcos que me levavam mais longe.

Era Verão, era sempre Verão…
E nós descobríamos o sentido da amizade.

Entre vinhas e quintais, entre mil brincadeiras, entre pedras “atiradas” aos rapazes, entre livros que ambas abraçávamos aos Sábados à tarde, à saída da biblioteca dos Bombeiros.
Penso que tudo o que ali vivemos, foram tempos de ouro.

Como o rio.
O nosso rio. 


Ana de Melo

O meu Moledo-120

Foto:josé alfredo almeida

Eternamente Douro-165

Foto: josé alfredo almeida 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Mãos que beijam




    Cresceu a menina que embalou bonecas e tinha medo de cães  ameaçadoramente guardadores da residência.
    Quando a Perdigueira ofereceu aos  patrões um par de filhotes, estes, passada a fase da teta, elegeram o colo da donzela como berço fofo e quente. Acertaram. Aquelas mãos de ternura macia, logo os fizeram esquecer a aspereza da língua materna.
    Em breve aqueles cachorrinhos ganharão tamanho e trocarão a passividade dos afagos, esquecerão o sabor dos mimos, partindo, à solta, por caminhos de liberdade e de aventura.
    Quem virá, então,  à procura desse colo desocupado, desse esbanjar de afectividade, da magia dessas mãos protectoras? Estará ela, triste, sozinha, nas escadas, ou será preciso subi-las e bater à porta? A abri-la, quem sabe, um coração adulto, ávido de outros afectos, umas mãos destinadas a outras carícias.

                                                                   

Vila Real, 24 de Setembro de 2017
M. Hercília Agarez

domingo, 24 de setembro de 2017

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

É Outono

Foto: josé alfredo almeida



(...)
Quando o o sol declinando até à sequência de um muro
ele despiu-se e entrou na água de um rio. Poderia ser uma deusa
porque o seu esplendor era a maravilha de uma presença
como volume sugeria a resplandecente melodia da metamorfose de um Outono



António Ramos Rosa

Pontes da Régua-1112

Foto:josé alfredo almeida

Eternamente Douro-159

Foto:josé alfredo almeida

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Vindimar com mãos de fada...





    Blusa, saia e avental de motivos geométricos, em chita da melhor qualidade. As riscas ao alto tornam a moçoila ainda mais élancée. A elegância da simplicidade. Na cabeça, em vez de chapéu de palha, feminino lenço arranjado com arte.

    Uma vindimadeira sozinha tenta a naturalidade de um ar de quem trabalha. Para a fotografia. Escolheu (escolheram), como cenário, uma vinha com uma ranchada de filhos. As folhas empalidecem mal avistam uma tesoura de poda. Em idade fértil,  espera voltar a dar ao sol, como as companheiras rivais, mas só no ano seguinte , se o tempo for de feição.

    A cesta, de rijo vime, antepassada airosa e icónica do balde de plástico, quase transborda de uvas acaloradas, esperando mudar de transporte. Dali transitarão para maior carruagem, os vindimos que suores masculinos, condutores experientes, farão desembarcar na última  estação da via sacra. E, em espaçoso espaço, em pedra, começa o fim do ciclo, evola-se o perfume a mosto embriagador, espraiando-se pelos arredores com à vontade de Setembro. Ninguém dá parte de fraco, nem tira o chapéu a Baco.



Vila Real, 19 de Setembro de 2017
M. Hercília Agarez

Pontes da Régua-1111

Foto:josé alfredo almeida

Eternamente Douro-158

Foto:josé alfredo almeida 

Talvez me vá embora

Foto: josé alfredo almeida


talvez me vá embora 
sem que ninguém dê por isso.

assim um pássaro
descansando do voo
num verso da noite. 

às vezes a alma gosta

(...)


 Emanuel Jorge Botelho

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Canções da rádio




O nosso Telefunken, tinha um lugar de destaque na sala, numa pequena mesa ao lado do sofá.

Era através da Rádio Alto Douro, que nos chegavam as notícias.
Todos os dias à hora do almoço recebíamos a visita dos Parodiantes de Lisboa, com a dupla imbatível Patilhas e Ventoinha.
À noite depois das notícias, as rádio-novelas de amores e desamores que me faziam sonhar. Também as novelas religiosas sobre a vida dos Santos, que para mim, que andava na catequese faziam todo o sentido.
O festival da canção, era transmitido pela rádio e quem não tinha televisão, podia assim, assistir a esse acontecimento.

Era com uma jarra a servir de microfone, que eu cantava todas as canções da rádio, que iam surgindo.
Lá em casa a minha família era super paciente, mas deviam ter-me esclarecido que para ser cantora era preciso ter voz.
Vim a saber disso mais tarde já no ciclo preparatório, quando o professor de música, ainda mais paciente do que a minha família, me disse com algum cuidado, que eu não tinha voz para cantar, devido à minha insistência.
Não desanimei no entanto.                                    

Os pássaros e os vizinhos ouviam-me a cantar "A Maria Rita" do duo Ouro Negro, a "Desfolhada" e a "Menina de olhar sereno".

Nas noites quentes de Verão muitas vezes eu ia para a rua jogar à "patela", mesmo em frente à minha casa.
As vizinhas sentavam-se em bancos à porta para se resfrescarem,
as casas de luzes apagadas por causa dos grandes mosquitos a que nós crianças, chamávamos "para-quedistas".

O rio sereno quase invisível, não fosse por vezes a lua imensa, a pratear as suas águas.

No passeio, o cão vadio de manchas castanhas e brancas, enroscado a dormir com um olho aberto.
Ali perto na rádio... 
"Teus olhos castanhos de encantos tamanhos, são pecados meus... "
Na voz de Francisco José.


Ana de Melo

Pontes da Régua-1109

Foto:josé afredo almeida

Eternamente Douro-157

Foto:josé alfredo almeida

sábado, 16 de setembro de 2017

Sonhos




        Não, menino de olhar enviesado, essa passarinha não é para a tua fisga. Por mais que tentes escondê-la no bolso, ela é "gato escondido com rabo de fora". Apesar das calças compridas ainda és uma criança. O teu olhar intimidado fixa-se, disfarçadamente, na rechonchuda loirinha, pensando:
- tens a mania que hás-de ser modelo ou manequim e começaste cedo o treino. Deves ter surripiado as poses  dos figurinos da mamã.
      Realmente, nessa altura, gordura ainda era formosura..
     A menina, decerto bem nascida, embalada por criadas de farda em berço enfolhado, passou por ti de nariz empinado, marcando a superioridade social. Desprezou-te. Esmero não rima com desalinho.

    Quem sabe se o garoto se torna um rapaz alinhado, atraente, formado em artes da sedução, e te enfrentará, olhos nos olhos, a  ti, menina tornada esbelta e sem poses artísticas, receptiva à convivialidade com rapazes que, na infância, se contentavam com exercícios de pontaria na caça a passarinhos indefesos.



Vila Real, 15 de Setembro de 2017

M. Hercília Agarez

Pontes da Régua-1106

Foto:josé alfredo almeida

(Re)Conhecer a Régua-287

Foto:Noel de Magalhães ( Arquivo do Museu do Douro)