domingo, 27 de janeiro de 2019

Para sempre





  Gente nossa. Das nossas berças durienses. Gente de trabalho sem a qual Douro não dá vinho. Um saber de saber ser feliz com pouco. Uma modéstia de condição. De nascença. De destino. Melhores ventos soprem no tempo dos filhos a vir.

    Um homem com a sua mulher. Um senhor com a sua senhora. Em aprumo honesto. Companheiros para a vida. Partilha de fadigas, de cansaços, de despertares para novo dia de jorna. Pensamento num futuro. Ambos unidos em luta que passou de singular a plural. Porque tudo vale a pena. Porque a alma deles não é pequena.

    Um homem jovem veste, pela segunda fez, fato de juras e de promessas. Uso, só deu aos sapatos, mais apertados do que socos de calcanhar à mostra. Uma mulher jovem. A roupa do casamento, os sapatos do casamento, tudo está a bom recato. Foi de branco, claro. Pobre, mas honrada.

    Foram à vila tirar uma fotografia de casados. Memória a ficar de uma história ainda sem história. Mão feminina em ombro masculino. Ternura sobre amparo.

    O cenário é enganador. O fotógrafo, um tanto naïf, quis enquadrar os fotografados em ambiente idílico. Mas onde está o Douro que lhes dá o pão? Ah! Esse está misturado com o sangue que se lhes passeia nas veias.



M.Hercília Agarez
27de Janeiro de 2019

Pontes da Régua-1197

Foto:josé alfredo almeida

Sair da memória

Foto:josé alfredo almeida



- Abandonou-te?
- Pior ainda: esqueceu-me...


Mario Quintana

Elogio da luz

Foto:josé alfredo almeida

sábado, 26 de janeiro de 2019

Estendais

Foto:josé alfredo almeida


   Amanheceres de Janeiro. Manhãs tiritantes à beira de rio fadado para calores sufocantes. Ele está por tudo. Só lhe falta ser transformado em pista de gelo. Está sossegado. É grande de mais para isso.

   Parece uma fieira de estendais onde se dependuram lenços de despedida.
  Brancura luminosa, irradiante e radiante. Deslumbramento para olhos infantis de neve privados.


    Arrepiam-se cepas e estacas. O que não significa que não gostem de tais paramentos. A brancura é de alvas e sobrepelizes sacerdotais a caminho de altares católicos. Solenidade. Sorrisos brancos são de pouca dura. Duram enquanto duram. E mais não podem prometer.


M. Hercília Agarez
26 de Janeiro de 2019

Manhã branca

Foto:josé alfredo almeida

Eternamente Douro-837

Foto:jos+e alfredo almeida

Eternamente Douro-836

Foto:joséalfredo almeida

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Paisagem da manhã

Foto: josé alfredo almeida


Parem
eu confesso
sou poeta
cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face
parem
eu confesso
sou poeta
só meu amor é meu deus
eu sou o seu profeta.


Paulo Leminski

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Cepa sugestiva

Foto:josé alfredo almeida


     Parece um galgo em movimento elegante de caça à lebre. Esguio, focinho afiado, rabo cortado, lombo achatado. De um negro que a raça lhe permite.

    Há olhos que veem só com olhos. Outros, percepcionam imagens, lêem-nas e partem para a fantasia.

    Como os livros, a natureza pode ser lida segundo a sensibilidade de cada um: “A imaginação estabeleceu no homem uma segunda natureza”. Pascal escreveu. Quem sou eu para o contrariar?

    É cepa? Pois que seja. Pois é, de certeza certa.

    É galgo? Pois que seja galgo para quem a vê galgo.




M. Hercília Agarez
22 de Janeiro de 2019

Eternamente Douro-831

Foto:josé alfredo almeida

Tirar da vista

Foto:josé alfredo almeida

Dar nas vistas

Foto: josé alfredo almeida

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

De branco vestidas

Foto:josé alfredo almeida


    Vestidas de branco. De um branco imaculado, virgem. Assim se apresentaram as vinhas, em visual inusitado, transitório, efémero. Só a olhares madrugadores ofereceram esta imagem de um Douro diferentemente publicitado. É bom fazer a diferença.

    Não tardará muito que o sol, já radioso e radiante, liquidifique esta solidez instável, estes farrapos de gelo cristalino durante a noite pousados, com leveza de pardal, sobre chãos e árvores de um norte afeito a birras de um tempo arreliador, comprazido a mostrar o seu poder, os seus caprichos.

    Oportuna, a objectiva. Gulosa de belos durienses, disponível, atenta, viciada em adições visuais benéficas, partilhadas com generosidade. Epifania.


M. Hercilia Agarez
15 de Janeiro de 2019

Toda de branco

Foto:josé alfredo almeida






Eternamente Douro-819

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 13 de janeiro de 2019

Põe a flor azul

Desenho de Ana Margarida Almeida



Quando voltares, põe na tua voz
aquela flor azul que te ofereci.
Talvez, assim, eu julgue reencontrar-te
e os olhos se encham, outra vez.
*
Ainda tens no gesto aquele susto
que se enrolava todo nos meus dedos
e punha à nossa volta
um colar de silêncio ardendo.
*
Tudo mudou, bem sei. Naquela tília
o outono já começou;
e nas tuas palavras
algumas folhas devem ter caído.
*
Mas, se voltares, põe a flor azul,
põe o passado no gesto e na voz.
Talvez assim eu julgue reencontrar-te
e os olhos se encham. É tão fácil!



António Cabral

Chora a videira

Foto:josé alfredo almeida

sábado, 12 de janeiro de 2019

Com a devida distância...

Foto:josé alfredo almeida


    Tão curta a distância entre solidão e companhia!
    Pinheiro talvez amansado. Imponência descabida, descontextualizada. Longe do seu habitat natural. Não é ali o seu lugar. Terá fugido de convívio diário com parceiros enfezados ou a regurgitarem para saquinho de plástico? Terá querido pôr-se a salvo de sanha pirómana, assassina?
    Alguém cobiçará aquela sombra incompacta, rasgada como roupa de mendigos antigos? Não tem outros atractivos, aquele cibo de chão verde.

    Pinheiro solitário. Estugando as passadas, breve chegaria ao aconchego de calor vegetal em reunião de parentes afastados. Mas prefere olhar do seu pedestal as anoréticas vizinhas, presenças quase obrigatórias como guardiães de repousos eternos. Não no Douro. Os ciprestes, aqui, não cheiram a morte. A mosto sim, em tempo de vindima. Nas quintas onde foram eleitas, há muito, pela sua nobre postura, para servirem de recepcionistas a visitas de bom gosto que encaminham para salões solenes ou para espaços de cerimoniosas e rituais degustações de vinhos.

M. Hercília Agarez, 
12 de janeiro de 2019

Margem

Foto:josé alfredo almeida