sábado, 31 de dezembro de 2016

Teia

Foto:josé alfredo almeida



Saltei o muro, cortei o arame, rasguei a teia. 

corri sempre contra a luz.

Soube de cor a que ritmo respirava.

Rezei, sem saber de onde vinha uma fé até ali desconhecida. 

Mergulhei no mar escuro sem lua, 

saí nu.

Segui a direcção que os meus passos me ditaram. 

Vi-te, surpreendentemente iluminada.

Bebi o teu silêncio.

Matei a minha sede no teu beijo.

Amei-te.


Ana de Melo

Pura e simplesmente

Foto: josé alfredo almeida



Ponho o ouvido à escuta de encontro ao mundo:
ouço-me para dentro... 



Herberto Helder

(Re)Conhecer a Régua-275





   Era assim a Régua, nos anos 30: um grande (único na região demarcada do Douro) centro dos negócios do Vinho do Porto.

Pontes da Régua-886

Foto: josé alfredo almeida

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Memórias partilhadas







qualquer coisa assim 

como um tempo sem fim 

como um espaço sem tempo



Mário Cesariny



Dois bons homens, dois grandes amigos, duas vidas (quase) inseperavéis que a memória de quem os conheceu ou com eles conviveu não pode esquecer.
É isto que revela esta esquecida fotografa, sem ter uma data precisa nem sequer legenda a evocar o momento e o seu tempo, guardada na caixa das velhas recordações dos meus familiares.
Eu que nela revejo as minhas memórias afectivas, quando olho o rosto destes dois homens, esta fotografia revela-me logo de imediato uma inquestionável verdade: a amizade que uniu para sempre José Bulas Cruz, médico, viticultor e proprietário da Quinta da Costa de Baixo, em Sabrosa, e o meu querido avô materno Álvaro Saraiva que ali trabalhou como caseiro durante muitos anos.
Depois nas observações mais detalhadas, é a terra xistosa revolvida e bordada de flores silvetres, parece-me que a Primavera ali está bem presente e visível com as cores e os aromas da nossa infância, onde estes homens foram fotografados pela câmera lenta de alguém, revela-me também uma outra grande verdade: o meu avô e Bulas Cruz amaram o Douro e, mais que tudo, partilharam uma grande paixão pelo cultivo da vinha e pela produção de vinhos de grande qualidade, como este que muito apreciamos e vamos brindar ao novo ano de 2017.







Cada um destes homens, visionários à sua maneira, foram dois verdadeiros lavradores do Douro e que os seus destinos se cruzaram e fizeram uma história de vida no século passado.E dessa história não é o passado que mais conta, mas a lição de que o futuro do nosso Douro - cheio de incertezas no nosso tempo - depende de nosso trabalho, da nossa paixão e sempre dos nossos sonhos. 
É isto tudo que nos revela esta velha fotografia: a grandeza e o esforço de homens raros que nos permite conhecer mais melhor pelo coração.E é pelo coração posso dizer ao meu avô que continuo fiel à sua memória que permanece presente na minha vida.Como que a guardar-lhe, no seu olhar eternamente sereno, aquele Douro do seu tempo, aquele Douro maravilhoso  em  que transformou os socalcos da quinta do amigo Bulas Cruz. 


Peso da Régua, 30 de Dezembro de 2016
José Alfredo Almeida

Pontes da Régua-885

Foto: josé alfredo almeida

Barco na paisagem-241

Foto:josé alfredo almeida

Era ainda muito cedo

Foto: josé alfredo almeida


Era ainda muito cedo
um tempo de estrelas no véu
do meu colo.

não escorriam orvalhos pela face
das manhãs
adormecidas. as horas,
caladas,
encostavam-se.

eram estranhas as luzes
em teus
olhos
no caminho dos teus
dedos.

desabotoavas-me.

rosa maria ribeiro

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Xisto

Foto:josé alfredo almeida



Vista a certa distância, a Régua encanta e prende os olhos. É contemplá-la, por exemplo do alto da Penajóia ou do alto de Loureiro. Mas vista por dentro, nada fica a dever à beleza"

Sant`Anna Dionísio




"A Régua deve a sua existência ao vinho.Antes da demarcação pombalina apenas existia o Peso, pequena localidade situada a meia encosta.Só depois da criação da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro - 1756- começou a construção da cidade."



Manuel Carvalho

Pontes da Régua-883

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-239

Foto: josé alfredo almeida

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Tuas paisagens

Foto: josé alfredo almeida



quando o tempo demora sobre teu nome,
escondo-me atrás de cada manhã 
colando ao peito as tuas paisagens.


 João Costa

Pontes da Régua-881

Foto: josé alfredo almeida

domingo, 25 de dezembro de 2016

História de um presépio



Chama-se Bárbara a cliente mais nova da minha cliníca particular.Tem agora cinco anos, saudavéis desde a primeira hora. Se a incluo na lista dos meus doentes afeiçoados é porque vou lá a casa por tudo e por nada, ao toque de aflitivos telefonemas. Quando chego, a porta está escancarada e a mãe de olhos esbugalhados não sabe o que fazer às mãos. O pai, ou já anda de um lado para o outro, ou chega, pouco depois, pressuroso como um bombeiro.
Encontro a pequenita sempre fardada de doente - barrete na cabeça e saco de água quente aos pés, mesmo no verão...Para sossegar os pais, e não vá o diabo ser tendeiro, faço sempre um exame tão meticuloso quanto a minha paciência o consente. Pergunto mil coisas, palpo a barriga, vejo a garganta...Os minutos mais angustiantes do exame são os do termómetro, solenemente espetado no rabito da menina. Nada...A Bárbara nunca tem nada que mereça tanta correria. Para salvar os pais da encavacadela, receito umas gotas ou uns supositórios inocentes, depois de uns segundos de profunda reflexão.
A Bárbara é uma criança inteligentíssima e nada mimalha, apesar de ser o "menino Jesus onde te porei" de toda a família. Há muito se apercebeu do exagero dos pais a respeito da sua saúde e da subtil ironia com que a observo. Muito discretamente, vamos trocando sorrisos de ansioso silêncio.
Nada diverte mais a minha doentinha, depois do exame, que o meu interesse pela saúde das suas bonecas...Pernas partidas, manchas horrorosas pelo corpo, grandes peladas, olhos vazados...Fica encantada quando aconselho a ida a especialistas a que ponho nomes estapafúrdios.
-Esta de tem de ir ao Dr. Fagundes Rocócó...Só ele a pode salvar!
O Natal da Bárbara é o mais ruidoso e luminoso de todas as crianças que conheço. Filha única e sobrinha única, não há brinquedo que não lhe entre em casa. A árvore de Natal fica sempre horrorosa de tanto brinquedo pendurado. É claro que eu não tenho mais que gabar, só para lhe ver os olhitos azuis brilhantes de satisfação.
Milagrosamente, este Natal não foi preciso salvar a Bárbara de nenhuma trabuzanada.Mas ontem, dia 4 de Janeiro, telefonou-me ela própria em tom de segredo.
- Sou...sou a Bárbara!...
-Olá Bárbara! Estás boa?
-Estou...
-Este ano não vi tua árvore de Natal!...ficou bonita?
-Não fiz árvore...fiz presépio! Está muito lindo...gostava que o viesse ver...
-Vou vê-lo, logo que possa. Juro! Um beijinho...
-Dois...
-Linda! Adeus...até logo.
Lá fui pelo fim da tarde. A Bárbara, que estivera de atalaia, levou-me pela mão desde a porta da rua. Não calculam a dificuldade que tive para não me rir. São José e Nossa Senhora mal se viam no meio de tanta bicharada: dois burros, três vacas, uma zebra, um galo, dois macacos pendurados, um leão, um porco e um jacaré! Tudo em redor de quatro bonecos, um deles preto, deitados no sítio do Menino Jesus.
- Está muito bonito, Bárbara. Mas olha que a Nossa Senhora só teve um menino - disse eu, tentando salvar o principal.
-Sabe lá!
Não havia nada a fazer. Saí de lá convencido de que cada criança tem o seu presépio.


Camilo de Araújo Correia  in  "Histórias do Fim do Ano" 

Dezembro

´Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-880

Foto:josé alfredo almeida

Postal do verão-50

Foto:josé alfredo almeida

sábado, 24 de dezembro de 2016

Sempre Natal

Foto:josé alfredo almeida



       Descalço venho dos confins da infância,
          E a minha infância ainda não morreu...
          Em face e atrás de mim ainda há distância.
          Ó Menino Jesus da minha infância,
          Tudo o que tenho (e nada tenho!) é Teu!


Pedro Homem de Melo

Os Desenhos de Ana Margarida-13

Desenho de Ana Margarida Almeida

Eternamente Douro-8

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-879

Foto:josé alfredo almeida

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Pura poesia

Foto:josé alfredo almeisa




Deus de vez em quando me tira a poesia. 
Olho para uma pedra e vejo uma pedra


Adélia Prado

Uma árvore de Natal

Foto:josé  alfredo almeida



...me consola, moço.
Fala uma frase, feita com o meu nome,
Para que ardam os crisântemos
E eu tenha um feliz Natal!...

Adélia Prado

Postal do verão-49

Foto: josé alfredo almeida



Espero-te
janela aberta
rumor de água e silêncio.
Vem
Antes que caia a luz



Maria Aurora Carvalho Homem

Pontes da Régua-878

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-877



Foto:josé alfredo almeida

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Eternamente Douro-7

Foto:josé alfredo almeida




"Dos 250 mil hectares da região (Demarcada do Douro), apenas 37 800 estão legalmente ocupados com vinha.(...) São mais de 250 milhões de cepas, distribuídas por 132 mil parcelas podendo produzir anualmente 260 mil pipas de vinho, mais de 140 milhões de litros."


Manual de Carvalho im "Ilha de Xisto"

Pontes da Régua-874

Foto:josé alfredo lmeida

Postal do rio

Foto:josé alfredo almeida

Postal do verão-48

Foto:josé alfredo almeida

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Sem-abrigo

Foto:josé alfredo almeida




Pardal. Não rivaliza no canto com o rouxinol dos poetas. Nem com o pintassilgo na policromia da plumagem. É o "patinho feio" da passarada miúda. Austera, a sua roupa de tons tristes. Segue os nossos caminhos. Gosta de pisar chãos. Se o campo lhe dá sementes, oferece-lhe a cidade, discretamente, migalhas sobrantes. Não migra. Enfrenta estoicamente chuvas e ventos e neves  e frios. No Inverno é um sem-abrigo. Adeus poisos protectores de árvores despidas pelo Outono.
           
                        Pardais. Plumagem taciturna,
                        cinzento em céus de Inverno:
                        lições de sobrevivência. *

* in As Asas da Libelhinha




Vila Real,  18 de Dezembro de 2016
M. Hercília Agarez

Vénias ao rio

Foto:josé alfredo almeida



Não chegue o dia
em que eu não tenha
nada para aprender.



M. Hercília Agarez