domingo, 31 de dezembro de 2017

Absolutamente só

Foto:josé alfredo almeida



Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados, 
que eu nem sei 
se fiquei mesmo só.



João Guimarães Rosa

Deixa-me sorrir




Infância é magia.
Tudo é fantasia...
A vida, contagia.




Francismar Prestes Leal

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Passeio das nuvens

Foto: josé alfredo almeida



silêncio
o passeio das nuvens
e mais nenhum pio



Alonso Alvarez

Eternamente Douro-269

Foto:josé alfredo almeida

Limpo palavras





Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
A palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
Enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
Precisam de ser limpas e acariciadas:
A palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
É preciso raspar-lhe a sujidade dos dias
E do mau uso.
Muitas chegam doentes,
Outras simplesmente gastas, estafadas,
Dobradas pelo peso das coisas
Que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
E é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo, voltam os olhos para a luz
E vão para longe,
Leves palavras voadoras
Sem nada que as prenda à terra,
Outra vez nascidas pela minha mão:
A palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
E lavadas como seixos do rio:
A palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
De mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
A palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.





Álvaro Magalhães

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?





Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares, já lá estavas 
naquele preciso sítio combinado 
onde chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses

se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente. 
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza 
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?




Ruy Belo

Perdido na paisagem

Foto:josé alfredo almeida

Hoje estou tão distante...
Clicando nas poesias, sem as ler.
Vagando, vendo sem ver...




Francismar Prestes Leal

(Re)Conhecer a Régua-293


Pontes da Régua-1146

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 24 de dezembro de 2017

Noite de Natal

Foto: josé alfredo almeida




"A noite de Natal festejava-se à mesa, comendo o bacalhau, a couve troncha e as rabanadas. Depois de ceia, afogada em vinho grosso e vinho fino, toca para a cozinha… Diante do lume aceso, conversavam os novos, pasmavam os velhos e jogavam o rapa as criancinhas. Jogavam-no a pinhões ou a confeitos, consoante a humildade ou a soberba dos pais."



João de Araújo Correia in Horas Mortas

É Natal






"Natal.
E, só pelo facto de o ser,
o mundo parece outro."



Miguel Torga

Apenas um olhar

Foto:josé alfredo almeida


Entre o olhar suspeitoso da tia
E o olhar confiante do cão
O menino inventava a poesia...



Mario Quintana

Apenas Douro

Foto: josé alfredo almeida




"Tem montes que não deixam de crescer,

Videiras que ninguém pode contar,

Oliveiras que vivem a rezar

E um rio que não para de correr."





João de Araújo Correia

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Ocaso ou acaso?

Foto:josé alfredo almeida


Fecham portas
E se abrem janelas...
Nelas, um belo pôr-do-sol...



Francismar Prestes Leal

Atentos à paisagem

Foto: josé alfredo almeida


"Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade
E é como se agora este pobre, este único, este efêmero instante do mundo
Estivesse pintado numa tela,
Sempre..."



Mario Quintana

Pontes da Régua-1142

Foto:josé alfredo almeida

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A infância




Havia tempo, todo o tempo 

de viver a infância.

Havia caminhos longos

para percorrer a infância.

Havia uma pressa de chegar

ao fim da infância

para ficar do tamanho das pessoas

que já tinham perdido a infância.

A aspereza do saibro dos caminhos

ficou guardada nos joelhos da infância.

A bicicleta ajudou a encurtar 

a estrada da infância.

As uvas amadureciam e perfumavam

os sabores da infância.


É preciso crescer, envelhecer, para poder contar 

o que nunca aconteceu na infância.



Licínia Quitério

Pontes da Régua-1140

Foto:josé alfredo almeida

Paisagem do rio

Foto: josé alfredo almeida

Eternamente Douro-265

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 17 de dezembro de 2017

Sem assinatura


Foto: josé alfredo almeida

Sem régua nem esquadro
sem transferidor
sem paleta arco-íris
sem pincéis
nem godés
sem diluentes nem trapos
sem banco nem cavalete
sem estirador
sem estojo de pintura:
óleo, guache, aguarela.

Ângulos agudos e rectos
linhas horizontais
verticais
sombra e luz
claro e escuro
cor de xisto musgoso
de negro de cepas nuas
de folhas lixo
arames incolores
em linhas paralelas
rigor.



                                                                                  
Vila Real, 17 de dezembro
M. Hercília Agarez

Eternamente Douro-264

Foto:josé alfredo almeida

Nada para ver

Foto:josé afredo almeida