sábado, 31 de janeiro de 2015

Água viva

Foto: josé alfredo almeida


há fontes que nunca secam
há fontes que sabem a água
toda do mundo


daniel gonçalves


Semear

Foto: josé alfredo almeida





Mas todo o semeador
Semeia contra o presente
Semeia como vidente
A seara do futuro

Miguel Torga

Pontes da Régua-55

Foto: josé alfredo almeida

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Confissão

Foto: josé alfredo almeida


Aqui, diante de mim
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Meu confesso o bom e o mau (...)

Me confesso
possesso
de virtudes teologais,
que são três
e dos pecados mortais,
que são sete (...)

Me confesso
o dono das minhas horas(..)
Me confesso de Abel e de Caim

Me confesso de ser Homem. (...)

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim

Miguel Torga

Vejo para além

Foto: josé alfredo almeida



sei que posso escrever o último poema do mundo
se for eu o último a habitar este espaço infinito
e olho à minha volta como se me erguesse em asas
e voltasse o meu silêncio com um pôr-do-dia semibreve

daniel gonçalves



Pontes da Régua-53


Foto: josé alfredo almeida

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O meu jardim


Foto: josé alfredo almeida



podemos morrer as vezes que quisermos
e nesse esquecimento perder as nossas raízes


daniel gonçalves

"O Mestre de Nós Todos..."

Aquilino Ribeiro

                                            "Araújo Correia é dentro de fronteiras o mais universal dos escritores"


"João de Araújo Correia, a pedido dos seus camaradas desce do Peso da Régua e vem de longada por aí abaixo tocar dois dedos de palestra, bater no nosso copo com o seu copo, ver como medrou e se arrebicou esta velha matrona de Lisboa? Venha, amigo e senhor, novelista dos primeiros e pensador dos melhores pensamentos. Ao mesmo tempo que distrai a vista de mago do espectáculo ingente da sua terra, com a serpe torva do Douro a correr ao fundo das bancadas verdes das vinhas, e das multidões de três províncias, de facies levantino, que se abastecem nessa nova Sarmacanda, ouvirá para reconforto - o reconforto necessário a todos os corações que têm batido apaixonadamente pelas nobres causas, desde as do homem algemado ao seu drama biológico, às da arte que se reduzem, afinal, à dor, insatisfação, intoxicação psíquica, entrega demoníaca - como os camaradas sinceros o estimam e admiram. Eles dir-lhe-ão que tem uma pena impressionista, admirável, para descrever as formigas humanas do seu rincão, agitando-se,girando,distribuindo-se aos quatro horizontes do formigueiro, e não mentem desta feita; que dispõe para tanto de um poder observador,comparável apenas àquele olhos dos flamengos, que não perdia a "pitada"nem o menor gesto substantivo e útil à representação, e também falam certo; que uma fada ignota lhe entregou um prisma de filósofo sem estagirismo, em que se reflectem os ludríbrios da vida, e terão acertado com um dos tópicos secretos da sua arte; que possui a língua com todos os seus recursos notórios e herméticos, no que ninguém o excede, e todos os que o leram terão reconhecido. Sim, bem sabe, e se o não sabe objectivamente, sente-o, que são, estas as suas qualidades primas de escritor. Regionalista? Podia haver disso com medula própria, neste quintal a que um avião de jacto dá volta numa hora? Araújo Correia é dentro de fronteiras o mais universal dos escritores.
Não é o mestre da Régua, como se dizia na pintura, no obscuro século de Quinhentos, o mestre de Ferreirim, ou de Linhares. Mas o mestre de nós todos, que andamos há cinquenta anos a lavrar nesta ingrata e improba seara branca do papel almaço; mestre dos que vieram no intermezo da arte literária com três dimensões para a arte literária sem gramática, sem sintaxe, sem bom senso, sem pés nem cabeça; e mestre para aqueles que terão de libertar-se da acrobacia insustentável e queiram construir obra séria e duradoura.
Venha a Lisboa, Araújo Correia, tocar, com meia dúzia de camaradas, que o apreciam deveram, o seu copo, se não cheio de vinho genuíno que das janelas da sua casa vê crescer nos arretos titânicos da Beira-Douro, cheio deste vinho do dia, a que se não dá um estalo de língua regalado, mas suspeitoso, feito porventura a martelo como tudo o mais, arte, palavra, verdade, em despeito dos belos rótulos das garrafas e dos bem empalhados garrafões. Mas as nossas almas, à face da sua, serão verdadeiras."

Aquilino Ribeiro    

Pontes da Régua-52


Foto: josé alfredo almeida

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Estou deste lado

                                                                     Foto: josé alfredo almeida





estou deste lado e deste lado te tenho visto crescer
ora turva ora mágica
a tua estatura se fazendo do brilho com que o teu rosto
se imaginou dentro de mim


daniel gonçalves

Montes de luz

Foto: josé alfredo almeida





que eu estou cego e já não vejo para além
da luz inicial da paixão


daniel gonçalves


Pontes da Régua-51

Foto: josé alfredo almeida 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Contos Bárbaros:O Douro de corpo e alma




Nasci numa casa branca,
Sempre caiada, antes da Vindima
Por mestre Lima, o caiador.
Deitava para o prado,
Que sustentava o gado
De um lavrador.
Não tinha grande horizonte...
Mas, tinha um quintal
Capaz de fornecer
Mesa real
(...)
Quando nasci, na alva de Janeiro,
Uma bruxa, que andava no telhado,
Veio ter com minha mãe
E deu-lhe este recado:
Vai ser um desgraçado,
Porque nasceu com alma de poeta
(...)

                                                                                     João de Araújo Correia in Lira Familiar  


Não nasceu poeta, nasceu com alma de poeta. Porque a poesia não é só versos e é tão vulgar encontrar versos sem poesia como poesia na prosa. Tal acontece com Araújo Correia. Se querem vislumbrar a sua alma de poeta, procurem-na nas suas crónicas, nos seus contos. Ela está lá, basta ter nos olhos sensibilidade para a descobrir.
O médico-escritor, mau grado as colaborações em jornais e revistas, autonomizou-se um tanto tardiamente. Durou quarenta e dois anos a sua actividade de escrita, iniciada em 1938 e terminada em 1980, cinco anos antes da derradeira subida a Canelas, sua aldeia natal. Ele próprio explica o facto:"Escondi a minha vocação como se fosse vergonha. Perdi tempo, sem ser Proust mais capaz de o recuperar".
Por outro lado tem nítida noção de que no nosso país os escritores são olhados de esguelha, incompreendidos, desrespeitados. Sobre esse estatuto reflecte na crónica "Pina de Morais" inserta na colectânea CARTAS DA MONTANHA. Escreve:"O escritor em Portugal, é como o serrano que teima em plantar vinha no alto de uma serra. Obedece à vocação literária como o serrano obedece à mania de ver enchapelado de parras e desfeito em vinho um picoto gelado.(...) Cala-te, escritor! À parte o perigo que é mostrares a alma, obra de Deus, às meninas dos olhos do teu semelhante, ninguém se compadece do mal interior que te obriga a escrever. Cobre-se de sorrisos e de coroas o corpo escalavrado do tuberculoso. O escritor, doente raro, que aceitaria os sorrisos e repudiaria as coroas, negam-lhe em vida a bem-querença e dão-lhe coroas mal o apanham morto. Coroas artificiais..."
Apesar desta visão pessimista, João de Araújo Correia não para de escrever. A sua obra conta cerca de quarenta títulos, numa continuidade regular em que vaza a sua paixão pela sua região duriense povoada das gentes que lhe protagonizam a ficção e pela língua portuguesa, qual senhora em que não admite que lhe toquem nem com uma flor...

João de Araújo Correia facilita aos estudiosos da sua obra a tarefa de lhe coscuvilharem a vida, à cata de episódios que salvem a sua biografia da linearidade e simplicidade que ela encerrou por opção.Na realidade, o que mais interessa conhecer da existência de um escritor além dos locais de nascimento, de estudos, do exercício de actividades? Não é indiferente, por exemplo, ter-se nascido e vivido junto ao Douro ou do Guadiana, do Marão ou da Serra da Estrela. Porque o meio imiscui-se no homem, molda-o, determina-lhe temperamento e os gostos, marca-o para todo o sempre, segura-lhe as raízes.
De Canelas do Douro para a Régua, umas saltadas a Vila Real para fazer exames ou percorrer, com o pai, uma cidade que o extasiava, estudos no Porto, na Escola Académica e na Faculdade de Medicina, interrompidos por doença tratada com os ares salubres da aldeia natal. De novo o Porto, de novo a Régua, a sua "Pátria Pequena" aconchegada, airosa, com vistas privilegiadas para os dois ícones coreográficos - serras majestosas recortadas num céu que beijam e o rio corpulento e másculo, senhor do seu nariz, rumorejante e ameaçador primeiro, menino calmo e bem comportado, depois.
No Porto fez amizades, respeitou pedagogos, admirou pintores e escultores, avistou Junqueiro, leu e escreveu. Mergulhou nos clássicos que nunca abandonaria, dará sequência à avidez que o levou a Camilo, apenas com sete ou oito anos. Dos Mistérios de Fafe partirá para tantos outros que dele farão um eminente camilianista, como pode ver-se na sua obra Uma Sombra Picada de Bexigas.
No campo profissional desdenhou grandes centros urbanos, locais de uma dita civilização e de tertúlias  e preferiu, conscientemente, vestir a pele daquele João Semana dinisiano que o levaria a deslocar-se, de burro, e depois de carro, às aldeias mais recônditas e cujos habitantes não sobejava dinheiro para extras com a saúde. Habituo-se. Trabalhou no seu consultório de onde a sua vista, de férias por breves minutos, se alambazava de socalcos e de água, de barcos rabelos e de árvores, de Doiro e de Marão. Era o seu eremitério, uma das palavras  mais vezes empregues quando se fala do autor de Sem Método. Assim o baptizou ele, aí saboreou os prazeres da leitura e da escrita, do convívio familiar, da visita de admiradores e, claro, de se sentir útil àqueles que se entregavam nas suas mãos clínicas.
Trabalhava de dia no consultório e escrevia de madrugada, daí o título Horas Mortas, escolhido para uma colectânea de crónicas. E daí, também, o facto de nunca se ter aventurado a ir, no campo da ficção narrativa, além da novela. Se a tal não o impede a falta de génio, trava-o a falta de tempo para empreender uma aventura literária que poderia pôr em risco a sua dedicação ao exercício da medicina. Ficou-se, assim, pelo cultivo da crónica e do conto, ambas as modalidades a uma experiência de vida enquanto cidadão atento e crítico, de estendido dedo acusador a injustiças e arbitrariedades. Na realidade como na ficção, exerceu o seu magistério. Intelectualmente bem apetrechado, arguto conhecedor da psicologia do seu povo, cabia-lhe a missão de o educar, de o moralizar, de lhe apontar os defeitos e de lhe exaltar  as virtudes. É ele, esse povo anónimo, de unhas enterroadas e tez curtida pelo sol, labutador até ao limite das forças, tantas vezes explorado, sem instintos reivindicadores, o herói, mais vezes do que o anti-herói, o protagonista de histórias verosímeis, palpitantes de vida, de movimento, de dramatismo.
Com estreia de escritor datada de 1938, com o Sem Método - Notas Sertanejas, João de Araújo Correia publica, no ano seguinte, a sua primeira obra de ficção Contos Bárbaros, agora, de novo, reeditados. Não deu ouvidos a quem lhe contrariou o título, por demasiado agressivo, talvez. Manteve-o e deu a explicação: "Os contos que aí ficam são bárbaros. Contra a vontade de alguns amigos meus, dei-lhes esse título, porque, em minha consciência, não descobri outro mais próprio, escreveu em "Nota Explicativa". E no prefácio à segunda edição: "Refundir os Contos Bárbaros seria uma barbaridade. Saíram tão de dentro, tão espontâneos e tão fluentes da alma do autor que seria criminosa a tentativa de os civilizar. São bárbaros por natureza. (...) São ficções próprias da terra onde nasci e donde me provém o cerne de escritor."
São conhecidas as opiniões dos escritores de maior vulto, contemporâneos do nosso autor. sobre a sua arte de narrar, sobre o realismo e a força sugestiva das suas efabulações, sobre a mestria da concisão, o desprezo do acidental, do acessório, de divagações e considerações, da falta de unidade das intrigas. Parcimonioso em descrições, o contista agarra instantâneos, à maneira dos impressionistas, sugere mais do que descreve. Por isso, como escreve João Bigotte Chorão, De todos os géneros literários, o conto é o que mais se aproxima da poesia. O que ele procura captar não é a vida, mas um instante da vida.
Citemos David-Mourão Ferreira:

João de Araújo Correia, mestre na arte de narrar, a muitos títulos se singulariza nas letras contemporâneas: pela pureza e comunicabilidade do seu estilo, a variedade dos assuntos, a flagrância das personagens, e a capacidade - tão rara em contistas portugueses - de se "despersonalizar", assumindo a individualidade de imaginários narradores, que do seu mundo voluntariamente descrito nos oferecem múltiplas, inesperadas e saborosas perspectivas.

O autor, assumindo ou não o estatuto de narrador, adapta a linguagem a cada um e faz desfilar diante de nós figuras humanas, predominantemente rurais, personificando vícios e virtudes, o bem e o mal, personagens criadas pelo efabulador a partir da realidade circundante observada com olhar clínico e a tal alma de poeta. Vê-se o fervilhar da vida em aldeias então densamente povoadas, parecendo-nos assistir a curtas-metragens, ouvir o linguajar das gentes analfabetas, os gritos de dor, o som dos trovões, as discussões exaltadas. Parece-nos ver o brilho da lua e das estrelas, as igrejas e capelas, as assimetrias sociais corporizadas nos solares e nas cardenhas, nas vestes de cetim e de serrobeco remendado.
Esta colectânea é exemplo do que fica dito. Constituída por vinte e seis contos, alguns aproximando-se, pela sua brevidade, das inglesas short storis, todos dedicados  a pessoas que decerteza mereciam este gesto de cortesia, têm como espaço as aldeias durienses e situam-se em tempos de mulas, de almocreves, de feiras mensais, de brasileiros torna-viagem, de solares e fidalgos, de barões e baronesas, de caminhos hostis aos caminhantes.
Trata-se de histórias da vida humana, na sua complexidade física e anímica, protagonizadas por homens e mulheres que do sublime caem no grotesco, do crime no castigo, mais trágicas do que cómicas, plasmadas na dureza de um espaço de trabalho e de suor que contrasta com mordomias e riquezas, com ambições e desilusões. Lições de vida e lições de morte, esta sempre a espreitar, ameaçadora, a tornar-se mais condenação que redenção. Mereceria morrer o neto do Tio Chapeleiro ao aproximar-se gulosamente, vindo do Brasil, da saudosa figueira dos figos de pau? E o avô, mereceria, no seu zelo sem limite, confundir o rapaz com um ladrão? E a velha das Panelas, tão suja  e tão feia que metia medo à miunçalha, terá pecado tanto que merecesse tal fim?
Se a morte é um dos temais mais versados nesta obra, outros merecem a atenção do seu autor. À cabeça vem o seu bem conhecido amor pela natureza vegetal que o faz assistir ao abate de uma árvore como se de homens se tratasse. É um tema recorrente nas suas crónicas, marca presença nos seus contos. Leia-se "A Mimosa do Carrapatelo", o seu nascimento, a sua vida esplendorosa, manto de cor aromática a sobressair, pela sua envergadura, entre colegas raquíticas que substituíram espécies imponentes. O Dr. Queirós de "Por Causa de um Beijo" foi infeliz nos amores. Foi assassinado. Feliz, no entanto, terá sido no meio das suas vinhas onde se refugiava para ler, sobretudo naquela manhã primaveril em que contemplou quase em êxtase, a sua cerejeira mais temporã que as da Penajóia. As cerejas bicais, carnudas e suculentas, que lembravam rubis em dedos trémulos de mulher friorenta, sugeriam-lhe a carne feminina que lhe era negada.
De referir a more por amor bem diferente da das "meninas" da poesia trovadoresca que se queixavam: "moyro d`amor que me deu meu amado". Por amor morrem, por exemplo, D.Pedro,  "O mestre-escola dos Dízimos", Rosa de "História de uma doente" e o tio João de Abade de "A morte do pai". Morre para a vida material o engenheiro que, por uma desilusão amorosa, se faz padre e se torna misantropo, em "O Vestido de Branco". Miguel, do conto homónimo, em vez de morrer, mata e enlouquece na prisão.
A este propósito consideramos interessante analisar, embora de fugida, como trata as mulheres, nos seus contos, o escritor reguense. Alguns deles trazem-nos ao pensamento a conhecida expressão "a carne é fraca" e o título de um romance de Camilo - O que fazem mulheres. De uma maneira muito simplista poderemos dizer que as solteiras são levianas, aventureiras e atiradiças, têm sangue de mais nas guelras gulosas como a Rosa de "História de uma Doente"; as casadas são mal amadas,desprezadas, vêem-se rejeitadas pelos maridos que as substituem por amantes interesseiras ("O Tio Patuleia"); as viúvas são beatas, como em "Cabeçada", mas não se contentam como o amor a Cristo...
Da galeria masculina gostaríamos de salientar os casos que mais nos impressionaram: "O Enforcado" e o comendador de "Conto de Natal". É o primeiro o paradigma do pequeno lavrador duriense que vive da venda dos produtos das suas terriolas e que as ama e defende como se de mas se tratasse. Um ano de crise na lavoura, provocada por moléstia devastadora, pôs fim a messes de trabalho. Não foi só ele a vítima, só que dela se apercebeu primeiro por não ter outra fonte e rendimento para sustentar mulher e filhos. Firmou a primeira letra e a condição de devedor depressa o arrastou para o acto tresloucado. Clarimundo, que com dinheiro comprou uma comenda, tornou-se avarento a ponto de não querer casar-se para não ter de sustentar família. Figura desumana, não assume os filhos que tem com a governanta, um em cada ano, entregues à parteira para lhes dar sumiço. Ao ouvir o padre a apresentar um Menino Jesus verdadeiro, abandonado na igreja e orientando o sermão para situações idênticas, levanta-se, identifica-se como pai da criança e pede para casar com a mãe dela. Conto edificante, este, contraria a tendência do autor para os fins dramáticos característicos de outros contistas.
Outras figuras masculinas bem delineadas e ainda não referidas são o Dr. Hermenegildo, médico de uma aldeola que descarrega o ódio por esse espaço de trabalho numa pobre doente que corre atrás da sua fama (conto homónimo), o mendigo "meio mágico" que plantou uma mimosa junto da casa onde recebia esmola e caldo, o padre femeeiro e dono de boa biblioteca onde pontificavam, segundo as beatas, os "livros do demo" ("Os livros do Diabo"), o alcunhado de Católico, amigo dos santos de que era devoto e que o ajudaram a percorrer sem custo a caminhada entre a pobreza e a riqueza, entre a condição de almocreve e a de comerciante, inimigo dos homens, mas regenerado com a morte da mulher, e muitos outros.
Não desvendamos mais. Esperamos que a nossa intervenção tenha sido motivadora da leitura deste livro, classificado com quatro estrelas em notícia do Público, que aqui está presente, com farda nova, graças aos esforços conjugados entre a família  do escritor, a direcção da Tertúlia e o editor Dr. Baptista Lopes. No ano em que se comemora as bodas de diamante...

Peso da Régua, 23 de Janeiro de 2015

M. Hercília Agarez

Cidade escondida

Foto: josé alfredo almeida

Cidade azul

Foto: josé alfredo almeida


domingo, 25 de janeiro de 2015

Orgia cromática

Foto: josé alfredo almeida



  Régua, 25 de Janeiro, às 18.45 horas

(Tenho esta imensa sorte, de avistar da minha janela assim um magnífico  pôr do sol...)



Torga

Foto: josé alfredo almeida



Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...


Miguel Torga

Na terra onde nasci há um só poeta

Foto: josé alfredo almeida


Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!


Miguel Torga

sábado, 24 de janeiro de 2015

Podemos ser felizes

Foto: josé alfredo almeida



"Deparou-se-nos há dias (..) uma árvore feliz. Foi um acontecimento! Árvore feliz é coisa rara como homem feliz (...) Ficaríamos a contemplá-la até ao fim do mundo se ninguém nos dissesse:  vamos, que são horas."


João de Araújo Coreia

Pontes da Régua-50

Foto: josé alfredo almeida

Dar uma volta

Foto: josé alaftedo almeida

Ler João de Araújo Correia-56



 



                           João de Araújo Correia in "Revista do Norte"

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Perfeição do silêncio

Foto: josé alfredo almeida



"não pude resistir à perfeição do silêncio."

   Antonio Gamoneda

Ler João de Araújo Correia-55




                        
                       João de Araújo Correia in "Separata de Elísio de Moura - Vida e Obra - Testemunhos, Coimbra-1978"

Pontes da Régua-49

Foto: josé alfredo almeida



Não quero nada do acaso, senão a brisa na face.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Não acordar o silêncio

Foto: josé alfredo almeida


Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.


Albano Martins

Pontes da Régua-48

Foto: josé alfredo almeida

GEIA-1




Geia
Revista nº1,Dezembro de 2009 
Tertúlia João de Araújo Correia




"João de Araújo Correia, embora avesso ele próprio a montras e à exposição de vaidades, merece  que tudo se faça para o projecta para além de um universo confinado de amigos e de admiradores de sempre.
Merece-o como pessoa em si mesma, nas suas facetas de profissionalidade, humanidade e labor criativo, tendo-se mostrado um homem singularmente funcionalizado a princípios  valores, exemplar no pensamento e na acção.
Merece-o, ainda mais, a sua obra literária, pela genialidade dos contos e pela assertividade sempre actual das suas crónicas, pela essencialidade da palavra e pela densidade humanista do enredo, do conteúdo e da mensagem.
(...)
Esta Revista, no primeiro número (...) pretende ser a continuidade da onda que há-de levar João de Araújo Correia a outros mares, a distâncias tantas, que é como quem diz ao convívio fértil, afectivo e próximo de quantos esperam o encontro com o escritor, no universo múltiplo e deslumbrante da sua obra." 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Difícil fotografar o silêncio




Régua, 19 de Maio de 1929


Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski ? seu criador. Fotografei
a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.


Manoel de Barros

(Re)Conhecer a Régua-200






    Seminário de Godim, 1957

Convite da Tertúlia João de Araújo Correia






Balada da neve-2

Foto: josé alfredo almeida

Balada da neve

Foto: josé alfredo almeida

Lugares de Miguel Torga

Foto: josé alfredo almeida

   

"A intimidade desta vida de aldeia é um espectáculo ao mesmo tempo repugnante e maravilhoso. Estrume da cabeça aos pés. Entre o porco e o dono não há destrinça. Mas, ao cabo, esta animalidade toda, de tão natural, acaba por ser pura e limpa como a bosta de boi."

Miguel Torga

domingo, 18 de janeiro de 2015

Lembrar Miguel Torga





Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
se desaprende...
A vida compra e vende
a perdição.
Alheado e feliz,
brinca no mundo da imaginação,
que nenhum outro mundo contradiz!
Brinca instintivamente
como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
e à volta do seu pasmo alvar
de cabra-cega tonta,
a saltar e a correr,
desafronta
o adulto que hás-de ser!


Miguel Torga

A vida é uma coisa imensa...



 Lembrar o escritor e o poeta Miguel Torga, 
 recordar o homem telúrico da terra duriense e  transmontana, 
 evocar toda a sua vida e, sobretudo, os  seus ideais humanistas, 
 hoje que passam 20 anos depois da  sua morte.





Baco ama as encostas

Foto: josé alfredo almeida



Janeiro/2015
Um  dos mais belos lugares do nosso Douro a revisitar: Cidadelhe 

Pontes da Régua-45

Foto: josé alfredo almeida

sábado, 17 de janeiro de 2015

Ao longe o mar

Foto: josé alfredo almeida



Quando avistei
Ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar

Quando avistei
Ao longe o mar
Sem querer deixei-me
Ali ficar

Madredeus

No mar

Foto: josé alfredo almeida



nos olhos
está o amor


mário-henrique leiria

Se te encontrasse na paisagem

Foto: josé alfredo almeida

Se te encontrasse, agora, na paisagem
nocturna dos fantasmas da cidade,
contava-te dos nossos pobres versos
no teu rasto de sombra e claridade.

Contava-te do frio que há em medir
a distância entre as mãos e as estrelas,
com lágrimas de pedra nos sapatos
e um cansaço impossível de escondê-las.

Contava-te — sei lá! — desta rotina
de embalarmos a morte nas paredes,
de tecermos o destino nas valetas...

Duma história de luas e de esquinas,
com retratos e flores da madrugada
a boiarem na água das sarjetas.

Dinis Machado

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015