quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Onde te quis encontrar

Foto:josé alfredo almeida




Perdi-te num sonho
quando a luz me ensinava o seu esplendor,
perdi-te quando as rosas desabrochavam
nas hastes do dia,
entre flores azuis e vermelhas,
perdi-te de tanto sonhar o amor,
sonhei-te de tanto amar o sonho
onde te quis encontrar



Joana Lapa

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Um rio que não regressa

Foto:josé  alfredo almeida




"Escrevo o teu nome e um pássaro levanta-se da terra - sobre o seu voo contariam os teus olhos mil histórias que eu escutaria com o mesmo silêncio admirado com que na boca cai um beijo ou a noite atira o amor para cima das camas.

Mas o lápis rola subitamente sobre a mesa e pára a sepultar as palavras que nunca te direi - porque o rio não regressa à cidade que primeiro beijou, nem o navio ruma jamais ao porto que o viu largar."



Maria do Rosário Pedreira

O meu Moledo-183

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 24 de novembro de 2019

Passei por cá

Foto: josé alfredo almeida


Ah! se nem eu sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém a gostar de mim?




Cecília Meireles

sábado, 23 de novembro de 2019

Poesia de Outono

Foto: josé alfredo almeida




        "Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês."


Mario Quintana

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Melancolia

Foto: josé alfredo almeida


É claro que a vida é boa 
E a alegria, a única indizível emoção 
É claro que te acho linda 
Em ti bendigo o amor das coisas simples 
É claro que te amo 
E tenho tudo para ser feliz 

Mas acontece que eu sou triste...



Vinicius de Moraes

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Partem tão tristes as folhas…

Foto:josé alfredo almeida





Nunca a natureza teve uma linguagem e a filosofia outra 

 Juvenal



Passear-me-ei em caminhos durienses até que se sepultem as últimas cores outonais. Hoje assobiou-me esta árvore, chamando a minha atenção para a sua imagem fluorescente, exuberante, bizarra, em auto fruição vaidosa de um efeito girândola, em que as folhas são foguetes de lágrimas amarelas. Choram porque a ida não tem volta. Apenas uma oportunidade de vida lhes é dada. Outras virão, iguais, parecidas, nunca as mesmas. É um pouco como as águas a que dedicam os últimos suspiros. Tudo é mutável. Como escreveu Heráclito, “Nada é permanente, excepto a mudança”. Por isso, entre outros sábios pensamentos, lembra que ninguém entra uma segunda vez nas mesmas águas de um rio. Nem elas são as mesmas, porque o seu fluir não admite paragens, nem quem se re-banha é exactamente a mesma pessoa. Basta que tenha mudado de pensamento, de fácies, de ânimo. Muito temos ainda que aprender com os filósofos da antiguidade!

Que tenho eu, afinal, de tão apelativo, à minha frente? Impõe-se-me, logo, arrogantemente, um tronco ossudo, erecto, resistente, muito macho, de “antes quebrar que torcer”. Parece ter andado por ali mão de escultor, em trabalho experimental, talvez em estágio académico. Pode ter optado mais pela sugestão criativa do que pela explicitação imitativa. Terá pretendido sugerir uma esfíngica bailarina, de vestido colante e comprido, de braços elevados em desigualdade de comprimento, numa altivez egoísta, indiferente a quem parte, sem saudades de pendurezas excrescentes, inúteis, escorraçadas sem piedade após ter expirado o seu prazo de validade. A ausência de cabeça tem sentido. Anda por aí tanta gente a perdê-la!


M. Hercília Agarez
Vila Real, 21 de Novembro

domingo, 17 de novembro de 2019

Paisagem da alma

Foto: josé alfredo almeida




Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.



Fernando Pessoa

Poesia concreta

Foto:josé alfredo salmeida




O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.




Fernando Pessoa

sábado, 16 de novembro de 2019

É ainda Outono



Fotos:josé alfredo almeida





«Em criança, eu já procurava as janelas
para fugir com o olhar.»

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Joan Margarit, «Misteriosamente Feliz», Língua Morta, 2015.
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«Como as abelhas antes de uma casa ser concebida para elas, a linguagem mora em lugares esconsos, sem janelas, quartos de arrumos, divisões vazias, secretas ou fechadas, por decorar ou à espera de obras; umas vezes, em túmulos mal fechados; outras, ao fundo de escadas que temos medo de subir ou que não conseguimos descer.»
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Alda Rodrigues, «O que acontece às palavras no escuro», in https://formadevida.org/, 2019.
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É quase Inverno o que sinto nas palavras
que me faltam, esses lugares vazios onde as
sombras se empilham à espera que o instante
as deflagre, e é ainda Outono nestas janelas
sujas e abandonadas, onde outrora naufragavam
risos, sortes e misérias, como se uma casa em
ruínas pudesse ser o mar, como a cor da música
sempre reflecte nessas cortinas que já não
existem mas que ainda agora dançam.
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É ainda Outono, nas folhas que persistem
lá fora, no precipício dos amarelos que
depositam assombros onde só há o musgo
submerso do silêncio, no tom irreversível do rio
que se vislumbra e se acumula em névoas
nos contornos quebrados dos seis vidros que
se abrem de par em par. É ainda Outono e as
fugas da infância fazem-se nos rendilhados do
ferro, na espessura lenta de uma teia de aranha.
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É quase Inverno o que sinto nas palavras
que me faltam. Entre insónias, não há janelas,
nem sequer estas janelas, e a linguagem é apenas
uma vertigem a que não me entrego, um sonho
que persiste onde um homem escreve a uma
mulher, o coração parado dentro de um poema.
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[Sandra Costa, da série «Epigrafia», 16 de novembro de 2019]

Verdadeiramente Outono

Foto:josé alfredo almeida



Outono
Até as folhas que voam
Deixam saudades



Sandro Sansão da Silva Costa

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Passa o Outono

Foto:josé alfredo almeida




Vento que passas, leva-me contigo.
Sou poeira também, folha de outono.
Rês tresmalhada que não quer abrigo
No calor do redil de nenhum dono.
Leva-me, e livre deixa-me cair
No deserto de todas as lembranças,
Onde eu possa dormir
Como no limbo dormem as crianças.



Miguel Torga

Folha de Outono-32

Foto:josé alfredo almeida

Folhas de Outono-31

Foto:josé alfredo almeida