Foto: josé alfredo almeida |
"Vimo-los um dia destes, de uma das janelas abertas sobre o rio Douro na rua dos Camilos. Olhávamos distraidamente para o fundo de uma das nossas rampas, a do 1º de Dezembro, quando eles surgiram de vela desfraldada, arfando,à direita da cena, como cisnes cansados. Mas, a pouco e pouco, tomaram o quadro todo, parecendo-nos que se acomodavam para descansar.
Feliz momento esse em que os vimos, olhando para o fundo de uma das nossas rampas. Ver hoje um barco rabelo é raro. Ver dois ou três, vê-los em flotilha, é raridade de raridade. Primeiro, o comboio; depois, a camioneta - mataram o barco rabelo. Se algum ainda aparece, de vela ao vento, subindo o rio, em atitude heróica, tem o seu quê de alma penada. Alma branca, alma de gaivota, mas alma triste como a que regressa para cumprir o seu último fado.
(...)
Invoque-se a memória do Barão de Forrester, que tinha para seu uso, no rio Douro, a flor dos barcos rabelos. Pelo que se lê, em folhas da época, era um sólido barco, bem apetrechado, cómodo e luxuoso, mas, sem quebra da linha geral castiça. Coqueiro, apegada, espadela estavam no seu lugar.
Bem se sabe que não é fácil, no século XX, surgir outro Barão de Forrester. Mas, se aparecesse, que alma nova não criaria o rio Douro! O rio e o seu território criariam alma nova com a inteligência, o gosto e a vontade do navegador.
Perdoem-se estas quimeras a que ama a sua terra e vê no barco rabelo factor indispensável à beleza do rio Douro."
Abril de 1959
João de Araújo Correia
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