domingo, 29 de abril de 2018

Somos nós




Um dia, quando começa, parece igual aos outros. A mesma luz que entra pela janela, ruídos de obras e automóveis, vozes... Mas o que nesse dia me falta é outra coisa: a tua voz, a surpresa de cada instante que me dás,uma luz diferente que não vem de fora, da mesma rua e do mesmo céu, mas de dentro de ti. Assim, o que faz a mudança do mundo e das coisas não é o mundo nem as coisas: somos nós, e a relação que nos prende um ao outro - isso que, não sendo nada para fora de nós, é tudo o que temos nesta vida.

Nuno Júdice

EternamenteDouro-431

Foto:josé alfredo almeida

Eternamente Douro-430

Foto:josé alfredo almeida

Lazer

Foto:josé alfredo almeida

Somos a Primavera-18

Foto:josé alfredo almeida

sábado, 28 de abril de 2018

Manhã imensa

Foto:josé alfredo almeida

"Manhã imensa. Cá está o meu Douro, ardente e calmo. Pelas cumeadas das serras o sol deixa um debrum de fogo que de encontro ao azul unido e firme do céu parece o bordo duma cratera. As videiras agacham-se enoveladas no sol, alastrando as folhas largas a proteger os cachos como asa de ave às suas crias.
Vou por estradas e caminhos batidos dum sol ardente que tudo inunda e aquece. O silêncio é tanto que ali não habita ninguém, as horas das torres de além Douro é que estremecem a atmosfera e a buzina de algum carro largado na estada municipal.
Quero encher-me de sol e de vastidão. O sol e a vastidão são o melhor alimento da alma."

Pina de Morais

Eternamente Douro-429

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-364

Foto:josé alfredo almeida

Somos a Primavera-17

Foto:josé alfredo almeida

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Aproximei-me de ti




Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar

diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.



Nuno Júdice

Poesia das nuvens

Foto:josé alfredo almeida



Carregado pelo vento
As nuvens, os versos,
E os meus pensamentos.



Sandro Costa

Eternamente Douro-427

Foto:josé alfredo almeida

Somos a Primavera-15

Foto: josé alfredo almeida

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Aquele azul

Foto: josé alfredo almeida


"...E é tão bom não ser divina
Me cobrir de humanidade me fascina
E me aproxima do céu..."



Zélia Duncan

Eternamente Douro-426

Foto:josé alfredo almeida

Somos a Primavera-14

Foto: josé alfredo almeida

Era Abril












Era Abril.
E nos meus olhos era Primavera,
porque a Liberdade tinha nascido ali.

Caminhei como um menino,
procurei no rosto dos soldados,
campos e searas a perder de vista.

Corri a saber de ti.
O teu rosto molhado de felicidade colado ao meu.
O teu sorriso cheirava a cravos.


Ana de Melo

terça-feira, 24 de abril de 2018

Pina de Morais: Defender a pátria de olhos postos no Douro

Foto: in Viajar com...Pina de  Morais



 As almas precisam de imensidão e precisam de comungar com a terra
                                                                                                          Pina de Morais


    Pina de Morais não é só mais um escritor nascido na região transmontano-duriense. Houve muitos, há muitos, outros por aqui serão abençoados, à nascença, pelos seus dois ícones paisagísticos sempre inspiradores. Ele é um caso raro, tanto quanto conhecemos, de homem a quem a vocação e a acção militares deixaram lugar para o manuseio da pena com que registou momentos dramáticos da 1ª grande guerra, documento de roupagem literária e de sensibilidade apurada.

  Em 1889 nasceu um homem num interior norte que dele haveria de abdicar, fisicamente. A força das águas do seu amado Douro, a barreira majestosa do seu querido Marão, não tiveram forças para reterem nos seus domínios alguém a quem o destino traçara longos caminhos. "Pelo mundo em pedaços repartido", parafraseando Camões, ia, sempre que o cumprimento do dever lho concedia, até à aldeia, palmilhar caminhos infantis, reconhecer as árvores que lhe foram sombra, rever a flora variegada e pródiga, testar a sua memória, saudar com a simplicidade dos bem formados os pobres analfabetos de quem ainda se lembrava o nome. Pobres se mantinham, a vida só lhes dera de presente mais uns bons pares de anos e de fome.

    Em crónica de Agosto de 1943, regista um respigo de conversa:

    [...] Pareceu-me um pouco triste, o fato mais desprezível, as mãos agudas e ainda pouco enrugadas, mexendo-se mais inquietas nas dobras do pobre avental. Animei-a como soube. As minhas palavras, contra minha vontade, fizeram-lhe pior. E entre o que me respondeu destaquei esta frase, dita com tristeza, mas ainda com marcado orgulho:
     - Dei oito filhos à tropa.

    Fez os estudos primário e secundário respectivamente em Lamego e em Viseu, por obrigação, porque os ensinamentos de que a sua curiosidade estava à espera, haveriam de lhe ser ministrados por mestres outros.

    Cedo despertou nele o fascínio das armas. Apenas com dezasseis anos assentou praça como voluntário no regimento de Cavalaria de Lamego donde transita, três anos depois, para o Porto, com destino à Escola do Exército. E, em 1911, é a vez de responder a um outro chamamento da vida militar. Na Escola de Guerra de Lisboa, aumentará os seus conhecimentos bélicos nas áreas de Infantaria e de Cavalaria.

    Deve ter dado provas de aptidões na vida por que enveredou, pois é com o grau de aspirante a oficial que é  colocado em 1914 no Regimento de Infantaria 13, em Vila Real, instituição ciosa da sua história, expressa no seu lema extraído do hino e perpetuado na bandeira e na pedra de armas: "Do 13 nem um passo à rectuaguarda!", cita Pina de Morais  em AO PARAPEITO, livro traduzido para Francês com o título AU CRÉNEAU, considerado  pela crítica como o melhor livro publicado em Portugal sobre a Primeira Grande Guerra.

    Envolvido directa e indirectamente em acções militares, como a sua integração no Corpo Expedicionário Português em 1917 onde o seu heroísmo  frustrado na batalha de La Lys lhe não retirou o ânimo e a força, encontramo-lo activamente envolvido num movimento de revoltosos que pretende instaurar, no Norte, uma Monarquia contra a qual sempre se manifestou.

    Aliás, a sua indefectível adesão à causa Republicana, patente, também, na revolta do Porto contra a ditadura militar em 28 de Maio de 1926, é um desafio e uma afronta às forças estabelecidas que o demitem do exército e o levam ao exílio no Brasil, em França e em Espanha. Da sua biografia constam os cargos que exerceu ao longo da vida, morosos de enumerar.

    Em 1915 o oficial Pina de Morais passa a exercer uma actividade que lhe não concede medalhas nem galões. As páginas do semanário republicano A Democracia, publicado em Vila Real, rejubilam com a entrada de um colaborador cuja formação convive fraternalmente com o exercício da escrita. Poder-se-á dizer que marca o referido ano o início de uma carreira literária corporizada em oito publicações autónomas e num número incalculável de crónicas escritas para o Jornal de Notícias entre 1942 e 1950, entre outros. A partir daí, podemos aproximá-lo de Camões que assim se auto-define, no canto VII - "numa mão sempre a espada e noutra a pena".
    De referir que o herói de Cambres era detentor de uma intelectualidade plural e multímoda, foi companheiro ideológico de Teixeira de Pascoaes e de Leonardo Coimbra, chegou a frequentar o curso de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto, esteve ligado aos maiores movimentos culturais da época como A Renascença Portuguesa, A Águia e a Seara Nova.

    Homem de muitos saberes e de muitas solicitações intelectuais. Ou seja, Pina de Morais era um alfobre de qualidades: éticas, políticas, humanísticas, patrióticas, democráticas, republicanas, cívicas. Pô-las em prática em todas as circunstâncias em que se impunham e, como escritor, denunciou arbitrariedades, tomou a defesa dos pobres trabalhadores rurais da sua terra, preocupou-se com a problemática  sobre o papel económico do vinho do Porto, exprimiu as suas sábias  opiniões em matéria de política nacional e internacional. Um homem multifacetado, de percurso de vida invulgar e de quem, não fora a doença que o levou com 64 anos, muito mais poderia esperar-se.

    Nas numerosas crónicas publicadas no Jornal de Notícias reunidas, com louvável labor, espírito de investigação e oportunidade por João Luís Sequeira, fomos descobrir uma frase incisiva e frontal com que o escritor defende o seu estilo:

    "Não gosto muito de máximas como não gosto de ideias feitas e ainda menos de frases feitas. As frases feitas são os cadáveres que bóiam na água viva da cultura viva".

    Quanto ao seu estilo passo a palavra ao seu companheiro de rio e de letras - João de Araújo Correia: "Pina de Morais, sensível à dor universal, à beleza universal, a esse pasmo que é o Universo, ama-o reflectido na terra portuguesa, polarizada na terra duriense. [...] Pina de Morais escreveu em prosa os seus versos. [...] A minha pena é uma charrua, cuja obrigação é traçar regos direitos. A de Pina de Morais é um pluma que esvoaça" (in Cartas da Montanha)
    E acrescento algumas passagens da primeira crónica de guerra AO PARAPEITO para realçar traços humanos e estilísticos do autor: a expressão de uma emotividade com que forçosamente comunga o leitor,  o poder descritivamente visualista e dramático de uma cena de despedida para um destino que não garante aos que partem, ricos e pobres, voltarem a provar, sãos como partiram, o sabor da broa da sua terra e reencherem os olhos com a magia dos seus horizontes:

    [...] Roupa pobre, os chales caídos, os lenços soltos, tranças desfeitas, abraços de mármore, lágrimas...
    E os soldados violentamente largavam estes grupos a enxugar os olhos nas mangas e no  lenço da ordem, distribuído na véspera, cheio de goma.
    As companhias iam quase feitas.
    O mar de soluços abrandava. Um grito mais lancinante cortava às vezes a parada do quartel, como um comando e os olhos que se levantavam viam tombar ferida de alma em desalinho alguma forma de mulher    [...] Na coberta cheia, todos voltados à praia e pelo cordame arriba, eu vi olhares que salvavam Lisboa, azangavam-se ate ao Douro, rondando absortos a olharem, numa despedida suprema...

        As birras do Douro zangado, a paisagem sempre bela se vista, vestida ou despida, com olhos de poeta, a azáfama dos servos da vinha, de jorna esmifrada, as pirâmides de  pipas  a ouvir as preces de arrais intrépidos, as filas de vindimadores a carregarem, às costas, descendo a escadaria, descalços, pisando xisto calcinado, tudo isto e outras realidades tem sido matéria ficcional, icónica e ensaística.

     Por isso, e pretendendo exemplificar, por um lado, a costela telúrica de Pina de Morais e a exemplaridade depurada, escorreita, concisa e precisa, do seu registo visual e cativante, escolhi dois excertos.

                                               SINTONIA VERDE

    O sol aparece de S. Domingos de Queimada, uma luz irisada e leve bate a névoa dispersa como se fora uma renda imensa. A vasta amplidão do vale que do Sul se abate, desdobra e espraia até dar leito ao rio e do Norte   sobe, galga e por fim se  equilibra nos granitos derradeiros das cristas do          Marão, tem a             frescura do amanhecer e a felicidade de todos os despertares     felizes. Em certos longes parece que a terra se espreguiça e que as formas humanas acordam e se mexem voluptuosas  e descuidadas como no primeiro dia da criação.
                                                                                             
    Mais duras e acusadoras são as palavras do cidadão atento e interventivo, sempre em luta, também, contra as míseras condições de vida de quantos, nas aldeias durienses, a tudo se sujeitavam para garantirem uma subsistência familiar colada ao limiar da pobreza:

     No Canais, o Joaquim vivia na cardenha cimeira do outeiro que dava para Nascente, tendo os flancos abertos a todos os ventos, menos ao do Norte. Durante o dia, trabalhava como um mouro, e à noite assava uma sardinha de barrica, larga, chata e rançosa, que comia assente sobre uma fatia de broa, vagarosamente, cortando o pão com uma navalha. Pão anavalhado, dizem eles, é dobrado. [...] Tinha também o trabalho de guarda e rondava quase toda a noite os vinhedos da propriedade.

    Ouvi, há tempos, um discurso do professor Adriano Moreira em que, enaltecendo, com orgulho, a sua sempre assumida origem brigantina afirmou: pode tirar-se um trasmontano de Trás-os-Montes, mas não Trás-os- Montes de um trasmontano. Original ou não, poderemos, alterando a localização geográfica, aplicar o axioma ao escritor duriense de nascimento e de coração.
                                                                       
                                                                          Pina de Morais, in Sangue Plebeu

Lamego, 21 de Abril de 2017

M. Hercília Agarez

Eternamente Douro-425

Foto:josé alfredo almeida

Somos a Primavera-13

Foto:josé alfredo almeida

Meia luz

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 22 de abril de 2018

O que nunca se esquece

Desenho de Margarida Almeida

«E se houver muitas sombras dos teus mortos, e se isso se te tornar insuportável, como por vezes acontece, olharás o rio, com seus cais e suas pontes, as árvores ribeirinhas lavando seus cabelos, o inesperado xisto redondo dos socalcos em volta, o verde quase esmeralda da vinha que desperta, as amendoeiras e as cerejeiras já em flor, como uma longa e maravilhosa renda tecida por mãos de fadas, e o esplendor lilás das glicínias de Março; olharás até a estranha beleza trágica dos mortórios da vinha do Alto Douro e depois o horizonte, o perfil soturno e magnificente do Marão, lá em cima, sempre lá em cima, e darás graças a Deus por estares viva e por teres tido - e ainda teres - toda essa gente que te quer bem à tua volta.»



Teresa Pizarro Beleza

Café da tarde

Foto: josé alfredo almeida



Delicadeza é...
Oferecer um café com poesia.



Rita Padoin

Eternamente Douro-422

Foto: josé alfredo almeida

Eternamente Douro-421

Foto:josé alfredo almeida

Aquele olhar





Limitou-se a olhar para mim. 
Aquele olhar disse-me tudo o que havia para dizer.



Charles Bukowski

sábado, 21 de abril de 2018

Mentes





Saber a verdade?
Não, não...
Era tudo mentira.



Francismar Prestes Leal

Diante do rio

Foto: josé alfredo almeida


Caí no silêncio há vários dias. Quero falar-te das horas incandescentes que antecedem a noite e não sei como fazê-lo. Às vezes penso que vou encontrar-te na rua mais improvável, que nos sentamos diante do rio e ficamos a trocar pedaços de coisas subitamente importantes: a tua solidão, por exemplo. Mas depois, virando a esquina, todas as esquinas de todos os dias, esperam-me apenas as aves que ninguém sabe de onde partiram.


Vasco Gato

Hotel Douro


Foto: josé alfredo almeida

Somos a Primavera-12

Foto: josé alfredo almeida

Eternamente Douro-420

Foto: josé alfredo almeida

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Eternamente Douro-419

Foto:josé alfredo almeida

Majestoso fotógrafo

Foto:josé alfredo almeida

Este é mais um "retrato" do meu grande e bom amigoFernando Peneiras que considero, sem qualquer favor, um dos melhores fotógrafos do nosso Douro, dotado um estilo estético único e marcado por uma genuína paixão de quem aqui nasceu, vive, conhece e ama com o coracão esta terra e estas gentes, que acaba de publicar um belo livro de "maravilhosas" fotografias (de paisagens, lugares e pessoas), com este sugestivo título: 

  "O Meu Majestoso Douro", que nos revela a paisagem do Douro - património da Humanidade como podem  ver aqui:


Hotel Douro

Foto:josé almeida 

                 Na Régua, a abrir no dia 1 de Maio: uma casa onde se olha para o céu azul do Douro. 
           

Somos a Primavera-11

Foto:josé alfredo almeida

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Nunca mais




O que passou passou. 
Jamais acenderás de novo
o lume 
do tempo que apagou. 


Ferreira Gullar

Hotel Douro

Foto:josé almeida


                   Na Régua, a abrir no dia 1 de Maio: uma casa onde o passado
           está sempre presente.

Sentado ao sol

Foto: josé alfredo almeida


Por uma só fresta
entra toda a vida
que o sol empresta

Alice Ruiz

Somos a Primavera-10

Foto:josé alfredo almeida