quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Segredos




O Verão 
Está quase a terminar 


Não 
O diremos a ninguém. 



 Daniel Faria

A anatomia infantil




A Infância é o sono da razão

                                                                                                                                                                                                                                  Rousseau





A beleza da nudez pura e inocente. A anatomia infantil à solta. Viagem em cavalinho de rosto cabisbaixo. Nega-se a sair do sítio. Faltam-lhe pedais e acelerador. Que importa? Corre ela atrás do tempo, a galope, vai a sítios imaginados. E se chegasse às nuvens? Ainda se não preocupa que o vento lhe desfaça os caracóis. O vestido ficou em casa, reservado para ver a Deus. Vai "num engano de alma ledo e cego". Que fortuna o deixe durar muito.
Fantasia. Ilusão. Um brincar sem perigo, ao pé da porta. À espera de ser mulher, de se preocupar com os cabelos, com as roupas. O cavalinho irá, talvez, para o sótão. A fotografia, essa, para alguma gaveta bafienta onde jazem restos de passado.




Vila Real,30 de Agosto de 2016
M. Hercília Agarez

Pontes da Régua-737

Foto:josé alfredo almeida

Azul, azul

Foto;josé alfredo almeida

31

Foto:josé alfredo almeida

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Cerâmica de Lurdes Gomes



Maria de Lurdes Pereira Gomes nasce na freguesia de Penajóia, concelho de Lamego, e vai viver para Barrô-Resende, aos 11 anos de idade.

Dedica-se integralmente à “mais difícil e mais simples de todas as artes” – a cerâmica – “mais simples por ser a mais elementar e a mais difícil por ser a mais abstracta.” “… de facto, esta forma de arte é tão fundamental, está tão intimamente ligada às necessidades mais elementares da civilização, que o génio nacional de um povo tem sempre de achar maneira de nela se exprimir”. (1)

Tendo como suporte as técnicas utilizadas desde o período do Paleolítico Superior, a artista procura sempre o impossível, onde produz uma arte requintada mesmo com matéria-prima “grosseira”.

As peças que a ceramista realiza são acompanhadas pelas técnicas de modelação: lastra, bola e columbina onde a artista recorre também a variadíssimas técnicas de decoração: como esgrafitagem (risco), escavado e colagem, e técnicas de pintura como a escova (raspar a escova e deixar salpicar o vidro); esponjado (com esponja); Ponteado (pintinhas com pincel); Pistola.


Materias usados: Argila vervelha, grés branco, vermelho e negro
Pintura: Vidro e pigmentos
Secagem e Cozedura: Depois das peças modeladas estas ficam vários dias ou semanas expostas à temperatura ambiente a fim de evaporar toda a água que é aplicada na modelação, são lixadas e depois são enfornadas e chacotadas (1ª cozedura) a 950ºC. Depois desta cozedura é que são pintadas e vão novamente ao forno a 1020ºC. E o resultado é este!



(1) Herbert Read, in Livro de cerâmica de Júlio Resende, da Associação de Estudantes do Departamento de Artes Plásticas e Design da Escola Superior de Belas Artes do Porto.

Tardes Douro

Foto: josé alfredo almeida


Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.



Eugénio de Andrade

Pontes da Régua-736

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-735

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-177

Foto:josé alfredo almeida

Arte urbana-26

Foto:josé alfredo almeida

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Entardecer no silêncio

Foto:josé alfredo almeida




"A minha vida é hoje um sítio de silêncio"



Ruy Belo

Pontes da Régua-734

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-176

Foto:josé alfredo almeida

N.ª Sr.ª dos Remédios, um lugar de culto



Perdem-se na memória os anos em que Lamego colecciona um património arquitectónico e cultura ímpar. Era uma cidade de destaque, o polo comercial mais importante do reino, fruto de uma posição geográfica privilegiada.
Lamego, um lugar onde se apuram todos os sentidos.

Ex-Libris.
Escala o Monte de Santo Estêvão uma imponente escadaria banhada por uma avenida de lagos habitados pelas quatro estações do ano. Erguidas ao céu em zig-zag, as escadas arrecadam, nos seus 686 degraus, a musicalidade do martelo e cinzel que os canteiros imprimiam com todo engenho e arte. Lavravam laboriosamente uma obra, do provável risco de Nicolau Nasoni ou da inspiração do seu cunho artístico, tendo em comparação a fidelidade do seu estilo.
A escadaria é travada por pátios ricamente decorados e ladeados por um frondoso pulmão verde engordado por várias espécies autóctones. Ao longo da caminhada, os peregrinos pousam o olhar de incentivo na fé, em pátios como o de “Nossa senhora de Lurdes” com capela de porta coroada por um brasão do bispo edificador, D. Manuel Vasconcelos. Em frente, a “Fonte da Sereia” acoplada pela escultura de um tritão montado num golfinho. Noutros patamares, a “Fonte de Pelicano”, a “Sagrada Família”… tudo lavrado na sumptuosidade da pedra nortenha.
Próximo da Igreja, ergue-se destemido um fantástico quadro escultórico, o “Pátio dos Réis”, habitado por dezoito estátuas nos seus pedestais correspondentes aos réis bíblicos. Estes, aproveitando os seus poderes, ordenam aos mouros que acartem toda a pedra manualmente. Ergue-se no centro, como símbolo do trabalho, a admirável “Fonte dos Gigantes” através de um obelisco que se eleva às alturas, uma verticalidade suportada nos ombros de homens que jorram água pela boca. O pátio é ladeado por pórticos do mais sublime encantamento. Todos os elementos combinam no gosto de uma arquitectura sustentado pelo uso de colunas, frisos, frontões, arcos, curvas, contra-curvas, capelas e nichos, sem esquecer os amistosos painéis de azulejos azul e branco cuja temática revela episódios religiosos sublinhando, mais uma vez, o Barroco em todo o seu esplendor.
O mesmo terreiro, no passado (séc. XIV), foi geografia da “Ermida de Santo Estêvão” que, depois de demolida, dá lugar a uma outra em honra da “Nª Sª dos Remédios” também demolida para mais tarde erguer, num espaço estratégico, uma Igreja definitiva em honra da actual Padroeira. Ao encimar a caminhada, o monumento encontra o seu ponto de fuga coroado pelo actual Santuário num terreiro amplo e divino sublinhado pela imponente, bela e requintada Cruz Monolítica. No mesmo recinto, ainda há lugar para uma harmoniosa fonte com o risco de Nicolau Nasoni, esculpida sob o granito da região e datada de 1738. A jóia de Lamego data o início da construção em 1777 dando-se por concluída já em pleno séc. XX. No entanto, o projecto soube guardar, na sua imponência, o gosto requintado e rebuscado de um estilo que afirma a existência do Barroco em Portugal.

27-08-2016

 Lurdes  Gomes

Postal de verão-36

Foto: josé alfredo almeida

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Mirando nas águas tranquilas

Foto:josé alfredo almeida

"No meio do magnifico e gracioso panorama, que por todos os lados nos cerca ao trespassar a megestosa ponte, ao principio distrahida e incerta pela multiplicidade de objectos, acabava por se fixar na elegante e galharda povoacção da Regoa, que assentada ma margem direita e reclinada sobre uma viçosa colina se está mirando nas aguas tranquilas, que o Douro aqui lhe offereece."


Visconde de Vila-Maior in "Douro Ilustrado-1876"

Pontes da Régua-730

Foto:josé alfredo almeida

Cartaz cultural - DUQUESA





            Com entrada livre e gratuita, a ver e a ouvir,  já nesta próxima 6ªfeira, dia 26 de Agosto, pela 21.30 horas, no Teatrinho da Régua, a música de Duquesa*   




*"Duquesa apresenta-se agora em disco homónimo editado pela NOS Discos. Seis canções. Nada mais que seis canções, mas que guardam em si uma promessa imensa: temos aqui um compositor e cantor pop de corpo inteiro e, rodado “Duquesa” uma e outra vez, ficamos deliciados com o poder de concisão e com o bom gosto da produção - e antecipamos um futuro muitíssimo radioso quando nos deparamos com essa Ice creamde baixo gingão e refrão capaz de deixar Ray Davies e Mac DeMarco pelo beicinho. Duquesa, então. A história de um acaso feliz. Mas vamos por partes. Primeiro a obra.
“As canções surgem da mesma maneira que em Glockenwise. Estou sentado em casa com a guitarra, começa a surgir uma melodia e parto daí. Há um grande lapso temporal entre as várias canções [de Duquesa]. A True, por exemplo, já surgiu há um ano e meio”. Nuno podia tê-las vertido para a sua banda, mas havia nelas algo que pedia outra abordagem. “[Nos Glockenwise] perderiam a sonoridade inocente, mais limpa e juvenil que têm. Ou melhor, seria ainda juvenil, mas de uma forma completamente diferente”. Reunida meia dúzia de canções, mostrou-as a João Brandão, dos Estúdios Sá da Bandeira, no Porto, e ficou decidido que não havia tempo a perder.
Rodeado por músicos como Cláudio Tavares, baterista de serviço, André Simão, homem do baixo ou João Rafael Martins, Rafa, guitarrista dos Glockenwise que surgiu para aconselhar o companheiro de banda, Duquesa começou a ganhar corpo com o espírito animado por várias manifestações de bem-vindo classicismo pop. Diz ele: “Quando há uma pianada à McCartney, ela surge porque a música pedia isso e porque me fartei de o ouvir”. Acrescenta: “curiosamente não há muito [George] Harrison e pensei que ia haver mais, até porque o All Things Must Pass já perdeu a cor nas minhas mãos”. Recorda: “o reverb [o eco aplicado à sua voz] é um efeito totalmente clássico que confere uma qualidade celestial, uma ideia de grandeza e uma aura diferente à música” – assim o ouvimos em “Duquesa”.
Como resultado ouvimos canções solares e de coração aberto perante as maravilhas simples da vida - depois, o talento para agarrar uma melodia com voz dolente, guitarra certeira e o tal piano à McCartney torna as maravilhas simples em algo grandioso (eis a magia da pop). “Escrever canções é tão fácil quanto desafiante”, diz. “Tão fácil porque as melodias que te surgem na cabeça parecem imediatamente catchy, mas encontrar depois soluções para as concretizar é muito mais difícil”. Essa parte corresponde ao labor criativo. A outra, a identidade desta música, essa parece pré-definida.
Duquesa é Nuno Rodrigues e é Nuno Rodrigues que encontramos nestas canções. “Sou fã da honestidade crua e de falar de coisas mundanas, quotidianas. Antes achava que isso era mais especial do que é. No fundo, é só um recurso, como o é música ou literatura mais fora do normal – que eu também gosto de ouvir e de ler”. Também é assim nos Glockenwise, assinala. Com uma diferença. “Nos Glockenwise tento encontrar mais lugares comuns e falo daquilo que experienciámos juntos. Aqui é muito mais pessoal. De qualquer modo, as pessoas podem identificar-se porque a experiência humana é na verdade muito limitada e toda a gente gosta de viver essas coisas simples que são passear ou namorar”. Sim, todos gostamos. E, sim, não é difícil identificarmo-nos com a gentileza eléctrica desta música – Douchebag, por exemplo, tem uma aura intemporal e podia ter sido escrita por um Buddy Holly em modo auto-depreciativo.
Não é difícil identificarmo-nos com esta música, repetimos, mesmo sendo o disco atravessado por uma marcada autobiografia. Termina com Abade Nation, ode à freguesia de Abade do Neiva (“uma imensidão de verde, reduto rural onde nasceu Duquesa”), e tem a antecedê-la Boy, um instrumental ao piano que tem aquele título porque quando Nuno Rodrigues se preparava para gravar a sua voz, chegou um telefonema a anunciar o nascimento do primeiro sobrinho. Foram-se as vozes - e a canção “ficou assim, recém-nascida”.
Sabemos de onde veio Duquesa, não sabíamos é que dele nasceria música assim. Mas… Duquesa? Ele? A contradição de género é explicada por várias razões. Por ser um título nobiliáquico e Nuno Rodrigues, apesar “de ser de uma família totalmente republicana”, partilha com a avó “o gosto pela fofoca monárquica”: “como os duques são o título mais alto a seguir à realeza, achei que não merecia menos. Como sou um rapaz esguio e andrógino, Duquesa não fica mal”. Além disso, o nome no feminino protege. “Evita que gozem comigo. Se fosse Duque, podiam fazer a piada ‘olha, lá vem a Duquesa’. Assim já sou Duquesa. Ganhei”. Ganhou. Pelo nome, provavelmente. Pela música, com toda a certeza." 
in jornal Público

Verão sem fim





Salino o ar.
Salino e húmido
O vento.
Searas de espuma
invadem, violentas,
as areias.
Só o voo,
Grácil, das gaivotas
A esfolhar-se,
Alado, sobre as ondas,
Remete aos azuis
Do verão
- para sempre perdidos.



Luísa Dacosta

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Óculos, para quê?




    Já me disseram para ir à Bila ao doutor dos olhos, mas nem para a carreira tenho dinheiro. Remedeio-me com o que vejo. Inda acerto com o cu da agulha para fazer umas conetas ou botar uns remendos nos fataixos. Inda enxergo para aparar as batatas para o caldo.  Pouco mais faço. Pouco mais tenho para ver. De desgrácias estou servida.
    O meu home era um fraca-chichas, nem para me fazer um filho serviu. Tinha má colada e gostava de estroinear. Quando recebia a jorna, ia direito a venda do Geribás e enchia as ventas de vinho. Rais o partissem! Não poupou um migallho, catancho! Foi-se pelo S. Miguel com um infarto que o levou em menos de um ámen. Por mor disso botei estes manachos pretos, para não dar escândula, que o engarilho faz-me menos falta que apresigo na ceia.




Nota: este texto contém termos populares durienses usados por João de Araújo Correia.



Vila Real, 23 de Agosto de 2016
M. Hercília Agarez

Pontes da Régua-729

Foto: josé alfredo almeida

Pontes da Régua-728

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-172

Foto:josé alfredo almeida

Postal do verão-34

Foto:josé alfredo almeida



mar não tem desenho
o vento não deixa
o tamanho...

Guimarães Rosa

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Espreguiçadeira

Foto:josé alfredo almeida


O Verão, em Trás-os-Montes, é sinónimo de Inferno. Cá no Douro porém, no fundo dos caldeirões que apuram o vinho, o Inferno refina. Pêro Botelho redobra de malícia. Ferve e referve coisas e pessoas.
Com este calor, o fígado entumece, o apetite foge, o cérebro dormita. Parece que o mundo das ideias, das lembranças, o divertido mundo do conhecimento, parou dentro do crânio. Não se lê uma linha, não se escreve palavra nem cogita assunto. Golilhas de ferro em brasa, movidas por diabinhos, algemam os pulsos.
Toda a gente se sente morrer banhada em suor. (…)
Onde se devia estar bem, nesta hora enjoativa, era em solar ou convento de paredes grossas, com árvores em volta e água a humedecer a terra sem quebranto. Quem dera uma árvore nestes montes, onde a vinha mirra! Seria disputada a soco pelos escalorados. Eles põem-se nus, mas as moscas ferram-lhes, fazendo chagas. Bebem água, sorvem cerveja, mas a barriga incha-lhes, o olhar rola-lhes mortiço.
Nos campos, ceifa-se ao luar. Na vinha, só de manhã se redra. De tarde, o homem da lavoura apenas se aventura em horta onde haja poço. À noite, caça o pulguedo até cair exausto. (…)
Nestas vilórias, à noite, nas arboretas municipais, não bole folha. Debaixo delas, em inóspitos bancos, homens e senhoras, doentes de calor, parece que se odeiam. Não conversam nem riem. Fazem horas.
O Douro é uma estufa. Dentro dela, a vide é flor exigente. Dá uma gota de vinho em troca de um suor ou uma vida. Quem escorropicha no fundo de um cristal, essa gota de néctar, celebra um sacrifício. 

João de Araújo Correia, in "Très Meses de Inferno"

Pontes da Régua-727

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-171

Foto:josé alfredo almeida

Lua imaginada


Foto:josé alfredo almeida


Imagina hoje à noite a gente se perder
Imagina hoje à noite a lua se apagar



Chico Buarque

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Paisagem dos deuses

Foto:josé alfredo almeida


" O duriense, o de gema, é monoteísta. 
Só adora a videira"




João de Araújo Correia

Tardes de verão

Foto:josé alfredo almeida


Larga a minha mão 
Solta as unhas do meu coração 
Que ele está apressado 
E desanda a bater desvairado 
Quando entra o verão. 


Chico Buarque

Pontes da Régua-726

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-170

Foto:josé alfredo almeida

Dois clubes literários





"É pena, que só há, em Portugal, dois clubes literários. Conclui-se que nunca houve por cá, nem antes nem depois do Eça e do Camilo, outros escritores dignos de bandeira. Por comodidade, preguiça mental, ignorância aceite como benção, filiamo-nos em Camilo ou Eça de Queirós. E, por amor à disciplina e ao estatuto, juramos, a pés juntos, pelo nosso homem."


                                                                                                                          João de Araújo Correia 



"Nunca chegou a ser possível ter João de Araújo Correia fisicamente presente nas Jornadas Camilianas. Em 1984 e 1985, o escritor estava já enfermo e demasiado débil para se deslocar a Vila Real; em 1986, tinha falecido.

Mas, felizmente, pudemos tê-lo sempre  presente em espírito. Nas 1ª e 2ª Jornadas, distribuímos textos seus, escritos a propósito para a ocasião; na terceira edição, descerrámos uma placa na sua casa da Régua e ouvimos comovida evocação por João Bigotte Chorão, que aliás apresentara às Jornadas uma comunicação sobre o camilianismo de Araújo Correia.

De novo e, 1987 o queremos ter entre nós. E não achámos maneira mais adequada do que divulgar este texto, magnifico de um modo de observação de comportamento típico do Homo lusitanicus, que tende a ver tudo - desde a política à literatura - com as mesmíssimas lentes com que vê o futebol."


4ª Jornadas Camilianas
Vila Real, 23 a 25 de Julho de 1987

domingo, 21 de agosto de 2016

Subi àquele monte

Foto: josé alfredo almeida



Subi àquele monte, porque mal o conhecia. De todos os que me rodeiam, foi o último que devassei com a minha curiosidade. Levei comigo o meu velho binóculo e a minha máquina de tirar retratos, coisa fina e ainda nova.(...)
No último domingo, subi àquele monte, que me namora e acena, do outro lado do rio, desde a minha meninice.(....)
Subi por entre vinhas e, às tantas, escoltado por filas de eucaliptos, desgrenhada bizarria de  quem viu no eucalipto uma bica de dinheiro. Toca a andar...
Castanheiros, pequenos milherais e alguns prados, com vacas a pastar, só os vi depois de uma altitude em que não há uma cepa. Há uma vides que se estendem, como pestanas, por cima dos lameiros.(...)
Metemos a prumo por caminho estreito e ruim de vencer. Não tinha terra, que lha teriam comido as enxurradas. Tivemos de pisar aqui e além, as raízes de velhos castanheiros. Mas, que frescura não fui ali encontrar...Esqueci o mês de Julho, que costuma escandecer as fragas e vinhedos de toda a minha comarca. 
Desembocámos, de súbito, num teso árido, onde agonizavam oliveiras velhas, saudosas da terra quente. Se fossem mais novas, dir-se-ia que dançavam, como bruxas malfazejas, em redor de uma capela, que já não era capela. Eram paredes nuas e calcinadas."


João de Araújo Correia

Pontes da Régua-725

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-169

Foto:josé alfredo almeida

Postal do verão-33

Foto: josé alfredo almeida