quarta-feira, 29 de março de 2017

Cine-Teatro Avenida

Foto:josé alfredo almeida

Quantas vozes guardei dentro de mim...
Quantas de mim, eu não conheço?



Era uma vez, um rei que amava muito a sua rainha. Ela encontrava-se doente da alma. Sofria de nostalgia.

O rei era mouro e a rainha de um país do Norte, onde costumava nevar e como quase toda a gente sabe, nos lugares onde nunca cai neve, sonha-se menos.
E é o sonho que dá alento à vida.

Nada parecia resultar para alegrar a rainha.
O sábio conselheiro do rei, depois de várias tentativas em vão, lembrou-se que se plantassem várias amendoeiras, dariam flores tão brancas que criariam a ilusão de neve.

Um dia,
a rainha foi surpreendida por um cenário de uma beleza que a deixou imensamente feliz. Campos e planícies a perder de vista, alvos como a neve.
O sorriso voltou novamente ao seu rosto.
Estava curada.

E foram felizes para sempre.

A lenda das amendoeiras, ensaiada com paciência e rigor, pelas minhas professoras do ciclo preparatório.
(Recordo a Dra. Marilia e a Dra. Armanda, também o professor de música, Sr. José Armindo). Para ser representada no palco do Cine-Teatro da Régua.

Era o início da noite.
Depois das três pancadas de Molière e do subir do pano,
a peça saiu do papel, para aquele palco.
Nos cenários, nas vozes, nas canções.
Como um bailado ou um voo de pássaros, em uníssono, ao sabor das deixas, demos vida à lenda e tornámo-la real.

Depois os aplausos, o fim.
O cair do pano.
As luzes que se apagam.
Para trás (para mim), ficou o Cine-Teatro Avenida de Peso da Régua.
Essa noite, relembro-a como mágica.

Hoje, como adulta vejo esta lenda com outros olhos.
Fala de guerra e poder.
E de amor, como salvação.


Uma história real e sempre actual.


Ana de Melo

Mãos de avó

Eu e a minha avó Etelvina




Mãos de avó:
cinto de segurança
transpirando afectos.



M. Hercília Agarez

Barco na paisagem-259

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 19 de março de 2017

fim

Foto:josé alfredo almeida


"Dos quarenta aos cinquenta limpa-se a casa. Põem-se telhas onde faltam, instala-se um novo sistema sentimental, e no jardim das delícias, no passeio depois do jantar, nas madrugadas sem Deus, ouvimos uma voz que nos buzina que dali para a frente a contagem é outra."


Ruben A.

Pontes da Régua-964

Foto:josé alfredo almeida

Ser luminoso

Foto:josé alfredo almeida


É a labareda da seda sob os dedos transmitida ao corpo todo,
seda extraída ao segredo - tocar e ser tocado,
sentir em si a ligeireza do fogo, a profundeza,
e estremecer, ficar em chaga;
e com dedos e sedas manter às labaredas,
entre terror e louvor, a comburente,
combustível composição de tudo:
ser queimado vivo,
ser luminoso.


Herberto Helder

Pai, digo-te





pai, digo-te 
a minha sombra és tu 


Jorge Reis-Sá


Cicatrizes




Ainda que secos os olhos
o pensamento e as mãos 
Ainda que secas as dunas
e os beijos e os abraços
ainda que ao longe e mesmo ao perto
Ainda que os rostos envelheçam
e as horas pareçam não acabar
Ainda que os anos nos consumam
e as dores nos humedeçam
serás sempre tu, oh mar
a eterna testemunha dos amores maiores
Ainda que qualquer um de nós se afaste
e feneça ... porque assim tem de ser
ainda que de ti ninguém nada leve
serás sempre, oh mar
a eterna testemunha

Ainda que chores
tu e eu...



Dúlia Soares

sábado, 18 de março de 2017

Jóia rara




Estavamos em Julho, fechei o caderno contigo lá dentro,
nunca mais voltei a apaixonar-me. 



Al Berto 

Eternamente certo

Foto:osé alfredo almeida


Atrasei-me ou foste tu que saíste antes da hora?
A chave é um relógio eternamente certo.
As dúvidas não cabem na fechadura



Rosa Alice Branco

quinta-feira, 16 de março de 2017

Coração à vista

Foto: josé alfredo almeida 



De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças



Cecília Meireles

Há dias assim

Foto:josé alfredo almeida



Há dias assim. Dias em que não acontece nada porque estamos surdos. 
Dias em que não acontece nada porque estamos cegos. Dias em que nada saboreamos. 
Nesses dias, não acontece nada porque não o merecemos.




Bénédicte Houart

Pontes da Régua-962

Foto: josé alfredo almeida

quarta-feira, 15 de março de 2017

segunda-feira, 13 de março de 2017

Dança comigo




Dança comigo nas pontas dos pés
e eleva-me ao estatuto de amada compra-me a lua e o vento
não quero mais nada
Lá no alto serei a tua música
encanto e inspiração
e aos teus sons darei alegrias imensas
Dança comigo até ao entardecer
onde já o sol se deitou e as pautas fecharam
e toca-me a música que inventei para ti


Dança comigo e eleva-me
ao melhor de ti e de mim e fica 
fica comigo parado acima da melodia que somos 


Dúlia Soares

Menino da bola




Os meninos
Que jogam à bola na minha rua
Jogam com o sol.
E os pés dos meninos
São pés de alegria e de vento 
A baliza uma nuvem tonta 
À toa 
Na luz do dia. 
E eu olho os meninos e a bola 
Que voa 
E oiço os meninos gritar go..o..lo! 
E não há perder nem ganhar 
Só perde quem os olhos dos meninos 
Não puder olhar....



Matilde Rosa Araújo

Pontes da Régua-959

Foto: josé alfredo almeida

Arte urbana-37

Foto: josé alfredo almeida

domingo, 12 de março de 2017

Lembrar

Foto:josé alfredo almeida


Hoje, o teu nome é o único silêncio que transporto
Intacto


Rui Nunes

Azulejo

Foto:josé alfredo almeida



qualquer coisa se desprendeu de mim.
alguma. coisa. se. desprendeu de mim.
mas o quê?




Frederico Mira George

Pontes da Régua-958



Foto:josé alfredo almeida

Absolutamente só

Foto: josé alfredo almeida



cruzámos nossos olhares em alguma esquina

demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos



Ruy Belo

sábado, 11 de março de 2017

Encontro com a paz

Foto:josé alfredo almeida



Desembarcou
Da barca de Caronte
À sombra de uma torga
Filha rude
Da mãe natureza
Repousa o guerreiro
Rei de um reino
De pobreza
Embalado pelo silêncio
De árvores espectrais
Dorme

A cabeça embranquecida
Encosta
Num travesseiro de livros
Vivos

Aqui  jaz
Em paz
Um cibo de Portugal
A que dá vida.


M. Hercília Agarez, Miguel Torga, A Força das Raízes, Papiro  Editora, 2007

Elogio das árvores

Foto:josé alfredo almeida


O Sr. Barroso de Moura, regente-agrícola, não errou a vocação. É homem votado à terra, que não pode ver nua. Sente-se bem dentro do seu cargo. Dedica-se à arborização, que elogia e defende como técnico devoto. Sonha com incêndios, que podem destruir, num sopro, todos aqueles pinhais, que vão revestindo as serras próximas de Vila Pouca. Serras que foram pardas, são hoje serras verdes. Não é pena que o fogo lhes queime a bela túnica num abrir e fechar de olhos? O Sr. Barroso não come nem dorme sossegado. Come com o fogo e dorme com o fogo.
(…)
O Sr. Barroso aproveitou os nossos passeios para me fazer o elogio da floresta. Não era preciso, que eu bem sei quanto vale… Cabeços e pendores escalvados são agora ricos de boas cabeleiras. O pinheiro bravo, rústico de todo, contenta-se com uma película de terra. Diz que não precisa de mais e que, embora marítimo, se vai afeiçoando às altitudes. Promete fixar terrenos pobres, e até enriquecê-los, transformando-os em humo, onde quer que o plantem.
O pinheiro silvestre, ornamental como se fosse importado para parques senhoriais; o castanheiro, o carvalho e outras espécies de elevado coturno português não deixam de se plantar onde a terra os permite. Vi carvalhos e castanheiros antes de chegar ao alto do Minheu, como caixilho de imensa rechã, onde crescia uma rica erva. (…)
Crê o Sr. Barroso que o fogo das matas é fogo posto. Digo que sim, mas, é difícil surpreender no trabalhinho os incendiários. Só a educação do povo, teimosa como a gota de água em pedra dura, o poderá amolecer no sentido de amar o arvoredo. Mas, onde se hão-de recrutar os educadores? Em mil portugueses, haverá um, por milagre, que não odeie as árvores. A maioria quer tudo amplo…


31-10-70
João de Araújo Correia in Pó Levantado

Pontes da Régua-957

Foto:josé alfredo almeida

sexta-feira, 10 de março de 2017

Triste figura





Menina de perna aberta,
Que falta de compostura!
Está aí armada em esperta
A fazer triste figura.


Já lá vão bem longe os dias
Em que não ficavam mal
As suas acrobacias
No balouço do quintal.

Agora, se quer dançar,
Faça-o acompanhada,
Arranje um belo par
E  não quererá mais nada...
  



M. Hercília Agarez

Eternamente Douro-29

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-257



 
   Douro: Caldas de Aregos

Pontes da Régua-956

Foto:josé alfredo almeida

quinta-feira, 9 de março de 2017

Dar a mão

Eu, no Jardim Alexandre Herculano


Existem muitos tipos de mãos...
depois... 
existem as tuas, 
que terminam 
em segredo...

e é nessas que as 
minhas repousam, 
numa vontade conhecida 

... de não contar 
até onde me chegam, 
até onde me abraçam
até onde me levam...

e nem quero saber!



Dúlia Soares

Pontes da Régua-955

Foto:josé alfredo almeida

Recreio

Foto:josé alfredo almeida

quarta-feira, 8 de março de 2017

Doido por ti




Existe uma ordem Universal
onde nada é deixado ao acaso?



Disseste-me que não era o tempo.
Ambos sabíamos disso, no entanto, se me tivesses pedido eu largava tudo.
Mas tu, não me pediste.

Não podemos sair de uma vida, como quem fecha uma porta,
sem olhar para trás.
Disseste-me num murmúrio.

Ah, se me tivesses pedido, eu largava tudo.
Dava o corpo às balas,
morria por ti.

O pensamento é um cavalo a galope, um pássaro veloz, a correnteza rápida e transparente de um riacho. Volto tantas, tantas vezes a ti, ao nosso encontro ao fim da tarde à beira rio.
Arde-me o beijo que não demos, chama nunca extinta.

As palavras ditas, não contêm a essência do silêncio.

Numa mensagem que nunca chegou a ser enviada, ele escreveu:
Sou doido por ti.



Ana de Melo

Quero-te






Perguntas...
e eu não sei o que és
Mas sei que o aroma das
 flores é parecido 
que o vento é parecido 
que a minha música
 preferida faz lembrar-te

Que o caminhar descalça na
 areia que é só minha
 e a concha que apanho com 
ar de criança me fazem lembrar-te
Que as tulipas e os lírios que
 prefiro 
soltam imagens de notas 
florais e que se ouvem 

Perguntas... 
e por fim eu respondo 
não sei 
Mas sei que te quero
 e o tanto que quero...
 e o muito

Dúlia Soares

Pontes da Régua-954

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-256

Foto:josé alfredo almeida

terça-feira, 7 de março de 2017

“Podeis contar comigo…”




In Memoriam
Pedro Pinto (1952-2017)
2º Comandante dos BV da Régua ( 18/01/79 a 9/02/1990)



"Depois de madura reflexão, ponderando as responsabilidades que hoje assumo no pleno exercício da minha liberdade, queria expôr-vos com clareza as razões da minha determinação.
Em primeiro lugar, notamos que a nosso mundo vive obcecado em salvar o homem, e, no entanto, as guerras, as enfermidades, a poluição, alcoolismo, as drogas, as dissensões político-sociais provocam o medo da aniquilação total do ser humano e grassam pelo universo de portas franqueadas.
A razão de tudo isso, creio eu, é que o homem não reflecte suficientemente a qualidade do seu ser. Assoberbamo-nos demasiado com o ter, com os votos e com os números e esquecemo-nos de ponderar, numa estrutura de personalidade, os dons que Deus nos deu. O orgulho e a vaidade humana continuam a espezinhar e a destruir o homem, para salvar a humanidade …
Esta trágica realidade levou-me à consciência da minha própria condição humana. Ponderei os valores que meus pais, professores, amigos e esta sociedade reguense me apresentaram e organizei-os numa hierarquia que me permite sentir-me homem no meio dos homens, com brio da honestidade de ser aquilo que sou.
Depois, verifico que todo o nosso ser está voltado para fora de nós, para o universo e para os outros, numa expressão de serviço que dá a razão de qualidade de ser a nós mesmos. Entre o belo e o feio, entre verdade e a mentira, entre o amor e ódio, só é verdadeiramente livre e humano quem opta pelo belo, verdadeiro, justo e favorável ao homem ou ao serviço do homem. Ora, no meio de nós uma organização humanitária de voluntariado que tem como lema “ vida por vida” representa orgulhosamente a esperança de todos nós para um mundo melhor, onde a dignidade humana seja o primado de todo o viver.
Por isso, aceitei pertencer ao Corpo de Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, convicto da minha capacidade de ser mais humano para todos os que possam ser nesta terra mais humanos também. Tenho a certeza de que se todos morremos um pouco para os nossos interesses pessoais, os nossos orgulhos, as nossas vaidades, seremos um sinal de salvação para todos: apagaremos labaredas de um fogo real para acalentarmos tranquilidade e paz em todos os reguenses; salvaremos bens e vidas humanas revelando a gratuidade do nosso amor, para rasgarmos sorrisos nos nossos lares; promoveremos o bem sem olhar a quem, para que desabroche uma eterna chama de amor no coração de todos os homens.
Aprendendo a morrer para mim, estou certo de dar a vida aos outros com mais alegria, mais esperança, mais harmonia e Paz, e estou seguro de realizar o único e válido ideal de humanidade que a todos vós desejo, num abraço amigo que já conheceis, mas que sem vós também não faz sentido.
Por isso conto convosco, porque podeis contar comigo."



 Pedro da Conceição Ferreira Pinto

(Nota: Discurso da cerimónia de posse, proferido no Salão Nobre do Quartel Delfim Ferreira, no dia 3 de Fevereiro de 1979, perante o Presidente da Direcção Dr. Aires de Querubim de Menezes e o Comandante Carlos Cardoso. )

Podar videiras

Foto: josé alfredo almeida



Podar videiras
é como expurgar de excessos
os poemas.


M. Hercília Agarez  

Colo do Pito

Foto:josé alfredo almeida



Fraca propaganda
para o aconchego
do colo do pito!...



M- Hercília Agarez

Brancura

Foto:josé alfredo almeida

Paisagem branca

Foto:josé alfredo almeida

segunda-feira, 6 de março de 2017