domingo, 31 de janeiro de 2016

Sem...

Foto: josé alfredo almeida



Um céu sem sol, sem azul, sem garças. Um rio sem tom esverdeado, sem turistas embarcados. Um cais sem barcaça. Uma árvore sem vida. Um banco sem gente. Uma relva sem pegadas. Uma neblina sem compaixão. Invisível, um fotógrafo madrugador e melancólico. Sem pressa.




 30 de Janeiro de 2016
 M. Hercília Agarez


Pontes da Régua-441

Foto: josé alfredo almeida

Desembarcar

Foto:josé alfredo almeida




Alguém te espera ou em si espera 
Que enfim chegues 




 Maria Gabriela Llansol       

sábado, 30 de janeiro de 2016

A neblina do monte

Foto: josé alfredo almeida


Um dedo a bordo aponta
a neblina sentada, sustentada
sobre o topo do monte.

O céu está todo azul, com excepção
daqueles trapos brancos, como roupa
de alguém que passou por uma planta
com espinhos e não se acautelou.

É uma espécie de água altaneira,
evadida do rio,
que ora entremostra ora esconde
fragadas, pinhal, terra
arroteada.

Sim, concedo,
é muito sugestivo.

Mas, cansado de pairar
nestes transes de lirismo
que me escaldam sem me purificar,
prefiro a água propriamente dita:
água com peso,
esta boa água, sólida, palpável,
que, poupando-me a pele,
me humedece as entranhas
(para não falar dos olhos,
mas isso é outra história)

- e à flor da qual se repete
a neblina do monte.

Ou não fosse o rio um espelho
antes de rio.

A. M. Pires Cabral

Rio cheio

Foto: josé alfredo almeida

Pontes da Régua-440

Foto: josé alfredo almeida

Pontes da Régua-439

Foto:josé alfredo almeida

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Realmente diferente

Foto: josé alfredo almeida




Vou deitar-me outra vez no meu lugar e deixar o teu à tua espera. 
Vem de noite sem eu dar conta e acordar contigo ainda no teu sono
 e tocar-te e seres tu. 


 Vergílio Ferreira

Corpo da manhã

Foto: josé alfredo almeida


As paisagens da infância 
estão coloridas pela memória!


Jorge Rodini

Pontes da Régua-438

Foto:josé alfredo almeida

Selvagem

Foto: josé alfredo almeida



Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se a si mesmo como o gato.



Artur Távola

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Densa neblina

Foto:josé alfredo almeida



A certeza é fatal. O que me encanta é a incerteza. 
A neblina torna as coisas maravilhosas.


Oscar Wilde

Literatura e Medicina: Magalhães de Lemos

Foto: arquivo da Tertúlia João de Araújo Correia


Dava-nos lições magistrais e apresentava-nos doentes típicos no salão  nobre do Conde Ferreira. Também ali reunia, presidido por ele, o conselho de psiquiatria forense - exames às faculdades mentais de criminosos. Nós, para aprender, assistíamos às reuniões. Passavam, pelos nossos olhos desertores, criadas envenenadoras, uxoricidas, criminosos tais, que só o patos, bem averiguado, explicaria. Magalhães de Lemos, condoído de todos, escabichava o patos. No fim de cada sessão, nunca se esquecia de perguntar se o examinado tinha tatuagem.
- Tem alguma tatuagem, Magalhães?
Esta pergunta, no fim de cada exame, era fatal. Magalhães era o Dr. José De Magalhães, braço direito do mestre no Hospital do Conde Ferreira.
- Tem alguma tatuagem, Magalhães?
Suma importância tinha a tatuagem. Homem tutuado, homem degenerado?
(...)
Apesar de surdo, o Professor Magalhães de Lemos percebia  o mundo físico e moral. Reduzia os olhos a duas fendas chinesas para escutar. Nos exames, se o aluno, mal preparado, quisesse abusar da sua surdez, não o conseguia. As duas fendas chinesas apuravam-se como objectivas de microscópio Zeizss. O aluno, falava, falava, falava...O mestre, moita. Deixava-o falar até que lhe dizia:
-Parece-me que isso...está um pouco atrapalhado!
Cauteloso, cortês e...exclamativo! Atra-pa-lha-do!
Verbo pitoresco, vindo de Felgueiras, do torrão natal. Verbo antigo, mas ainda lustroso do roçar das leiras. Ao explicar a pelagra, chamava ao milho... milhão!
Quem visse na rua o professor Magalhães de Lemos diria: vai ali um rico. É que usava peliça, guarda-chuva de seda, barba esculpida a preceito, cachucho, conforto. Parecia brasileiro.
Rico era de bena materiais e espirituais., mas não os ostentava como parvajola. Assentavam-lhe no pêlo como luva inata. Não tinha automóvel como , hoje em dia, quem fede  com a  barriga a dar horas. E trabalhava...Morava defronte ao Hospital, no gabinete, na enfermaria e no salão nobre, iniciando os rapazes numa ciência que poucos apreciavam: a Psiquiatria.
Quanto a coração...Se, a qualquer hora da noite, entrasse em agonia um velho hóspede do manicómio, sem a mínima luz dentro do crânio, ex-homem ou homem que nunca o tivesse sido, o professor Magalhães de Lemos não arredava pé.Assistia-lhe ao trespasse até o último sopro.
Tinha o seu quê de santo o professor Magalhães de Lemos.


João de Araújo Correia in  "Revista do Norte"

Pontes da Régua-437

Foto:josé alfredo almeida

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O inverno do nosso descontentamento*

Foto: josé alfredo almeida 




Todos nós, gentes e bichos, rios e mares, montanhas e planícies, temos os nossos descontentamentos inverniços. Porque Inverno  é chuva,  e vento, e frio, e tempestades. Porque o cinzento de céus enlutados entranha em nós a sua tristeza.
Também está desassossegado este baloiço: moderno, colorido, apelativo. Plantado em parque ribeirinho, sempre receoso de visitas indesejadas de um Douro senhor das suas águas. Está à espera. De quê? De quem? De dias soalheiros, luminosos, de crianças encafuadas em locais escolares ou familiares. Está, pois, desassossegado. Repito. Falta-lhe a chilreada peguilhenta de meninas e meninos ainda não escravizados por jogos de consola que os consolam. Infância=baloiços. Associação de um ontem, de um hoje (ainda). E num amanhã? Passarão ao estatuto de peças museológicas?


* Título de um romance de John SteinbecK, Prémio Nobel da Literatura em 1962




Vila Real, 25 de Janeiro de 2016
M. Hercília Agarez 

Pontes da Régua-435

Foto: josé alfredo almeida

Manhã de neblina-2

Foto: josé alfredo ameida

Manhã de neblina

Foto: josé alfredo almeida

domingo, 24 de janeiro de 2016

Ambiguidade

Foto: josé alfredo almeida



Escapou ao poder desfigurador da neblina, mas tornou-se um equívoco. Um vulto erecto e majestoso domina, sobranceiro, as alturas. Parece um deus-gigante a que oliveiras (?) em procissão alinhada, prestam culto.
Ou será um cipreste, essa espécie funérea feita sentinela fiel de quintas do Douro, à entrada das quais se perfila ao lado de irmã gémea?
Nada disso. Quando a névoa se dissipar, surgirá esse ícone publicitário de uma antiga marca de vinho fino. Mantém-se no cimo agreste, imune a ventos e tempestades. Protege-se das intempéries com uma capa. Que não reparte, como o fez S. Martinho.
Assume o papel de sinalética:

Aqui é o Douro
paraíso do vinho e do suor;
paraíso dos montes sobre os montes;
paraíso esverdeado de oliveiras;
paraíso álacre das vindimas
António Cabral dixit.


24 de Janeiro de 2016
M. Hercília Agarez

Coisas eternas

Foto: josé alfredo almeida




As únicas coisas eternas são as nuvens.




Mario Quintana

Pontes da Régua-432

Foto:josé alfredo almeida

Lamego, cidade verde





Entre espaldas de granito, Lamego é uma cidade verde, feita de quietude e de silêncio. Tem milhares de almas. Esse formigueiro porém… nem se vê nem se ouve trabalhar. Dentro de oficinas escusas, os sapateiros batem a sola com marteladas surdas. Dos rossios e das ruas largas, dos becos e calçadas medievais, não sobe um pregão. Sobem torres, ergue-se um castelo que diz: escutai. Então o silêncio desdobra-se na mudez religiosa dos bosques, no fresco mutismo das almuínhas, na descrição dos seres animados. As senhoras passam e só se distinguem das estátuas pelos olhos doces. Os homens cruzam a sombra um dos outros como se pisassem tapetes de veludo. Os rebanhos da Beira atravessam Lamego calados. Se um cavalo de cigano tropeia nos lajedos… acordo ecos lendários. Se um automóvel grasna, é escárnio, é a risada de gaio que risca o céu no tempo farto. À noite, Lamego tolera o gemido duma guitarra.
Lamego dilui, ioniza os ruídos, convida moradores e forasteiros ao labor recôndito do espírito. Um berro em Lamego é uma blasfémia. O mocinho que vende as folhas nas as apregoa. Oferece-as na palma da mão a quem as quiser ler. É distinto de todos os garotos do mundo.
A raça, em cidades, conhece-se pelo toque das figurinhas de barro que constituem o povo. Lamego tem moças de servir esbeltas. É uma cidade fina, tem requintes de porcelana lúcida.
Lamego! Este nome soa a remoto, sabe a pergaminho e a doce de convento. Cheira a pecado. Diz-se e fica a boca rude e deliciosa.
Lamego é uma cidade verde. É verde cerrado das matas, o verde buliçoso e translúcido dos álamos, o verde encadeado dos soitos, o verde fosco dos cálices das rosas.
Lamego é a cidade em que a terra se casa com a pedra harmoniosamente. Um festão de pâmpanos abraço o cunhal duma morada. Um velho espreita da janela os víridos renovos… Lamego ergue edifícios e cultiva flores com mãos de anéis. Em Maio, os terços de rezar transforma-os em grinaldas. Cingem as árvores cordões mordidos de corolas. É uma cidade em que o rústico se afidalgou sem repúdio do primitivo. E como na terra tudo é lento, desde o laborar das seivas ao ascender das seivas, o medir da fita ao balcão lamecense é sossegado como o comer e o benzer do lavrador.
Lamego! Terra escura. A sua luminosidade é toda interior. As braseiras do lar nunca se apagam. Brilham os rases no Museu, cintilam os olhos das mulheres na fonte.
Dizem que Lamego é avara. Será. O beirão sopesa o valor do graeiro que sementa. Embora. Lamego é gentil com os hóspedes, é carinhosa com os seus doentes. Trata-os num hospital airoso como um ninho, enternecedor como um berço embalado por uma avó. Onde há burgo liberal que faça o mesmo?


João de Araújo Correia

sábado, 23 de janeiro de 2016

Temos nuvens

Foto:josé alfredo almeida

Régua hoje, às 8.00 horas


as nuvens, meu irmão,
são leviandades
da criação

Millôr Fernandes

Escrever versos

Foto:josé alfredo almeida




Vou escrever três versos:
Um para ti
Outro para mim
E outro para o resto de nossos dias...




Carmen Muñoz.

Pontes da Régua-431

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-430

Foto:josé alfredo almeida

Arte urbana-18

Foto:josé alfredo almeida

Top model

Foto:josé alfredo almeida


                                                                       
                                                                                                                              dedicada à Kitty  

En sus ojos hay silencio del azul del cielo y es por ese azul que ella contempla. Contempla todo lo imperceptible, todo lo que es invisible, como la brisa que acaricia mi cabeza. Son sus pasos delicada seda, una sábana de espuma que la casa envuelve, porque a su paso el suelo se torna nube, como si pisara por un manto de fina y dorada arena. De noche se sienta al filo de la luna y sobre ella escucha profundos sonidos, como el fluir de la sangre que por las venas corre y la dulzura del agua del lejano río. Tras la ventana se siente princesa, en este castillo que es suyo y es mío, un ángel blanco que perfuma los espacios y elegante musa que llena el vacío.

Carmen Muñoz.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Ruínas

Foto:josé alfredo almeida

As ruínas rasgam os céus
E o pôr-do-Sol da terra.
Rasgam as folhas de outono
O orvalho da noite
E o frio do inverno gelado.
Dos muros destruídos
Levantam-se novos ventos
E entre o silêncio de suas pedras
Há uma voz que grita
A esperança de um novo tempo.
E se fechasse os olhos
Eu queria ser poeta,
Porque o poeta tudo sonha
E das ruínas de muros
Levanta a sua fortaleza.


Carmen Muñoz.

Régua a cores

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-428

Foto:josé alfredo almeida

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

o passeio do benjamim

Caldas do Moledo, 1963


vai de carrinho
o benjamim
pelo caminho
desocupado
só para si
bem agarrado
por mãos crianças
por mãos adultas
tira o chapéu
incomodado
respira ar
abençoado
já tem idade
p'ra caminhar
mas a mãezinha
quer prolongar
berço e colo
quer agarrar
o seu pimpolho
bem protegido
p'ra seu consolo
p'ra seu sossego
.....................................
homem menino
relembra hoje
tempo fugido
tempo inocente
apetecido.



M. Hercília Agarez

Pontes da Régua-427

Foto:josé alfredo almeida

Memória


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Retrato




                17/01: neste dia do 21º aniversário do último suspiro de Miguel  Torga, deixo-vos este desabafo de um homem que partiu na convicção de não ser compreendido.





O meu perfil é duro como o perfil do mundo.
Quem adivinha nele a graça da poesia?
Pedra talhada a pico e sofrimento,
É um muro hostil à volta do pomar.
Lá dentro há frutos, há frescura, há quanto
Faz um poema doce e desejado;
Mas quem passa na rua
Nem sequer sonha que do outro lado
A paisagem da vida continua.



Miguel Torga

Prateado

Foto:josé alfredo almeida

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.
Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.

José Ary dos Santos

Pontes da Régua-426

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-425

Foto:josé alfredo almeida

Dona da bola

Foto: josé alfredo almeida

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Sonata nocturna






una flor
no lejos de la noche
mi cuerpo mudo
se abre
a la delicada urgencia del rocío


Alejandra Pizarnik