sábado, 30 de julho de 2016

Aqui te esperarei, pensando...

Foto:josé alfredo almeida


Os bancos, a sombra e a vista esperam alguém que ainda não chegou. Seremos nós? O xisto escuro da coluna que parece prolongar as lajes do chão suporta o verde-esmeralda da parreira altiva que desafia a esperança. O sol violento e cruel faz desfocar o horizonte onde se espalham casas semeadas ao acaso pelos montes. O Rio adivinha-se em sua preguiça majestosa lá em baixo, escondido desta espera cimeira, casual, ensolarada e congelada no tempo irreal pela aparente quietude de tudo em volta.
As horas passam e tu não vens. A Vida escorre, em sobressalto lento, dengoso, impossível, quero agarrar o tempo e não consigo, tenho saudades de outros lugares mas é este que me prende na sua majestade sempre presente e sempre inacessível, não consigo entender se é realidade ou sonho, os bancos puxam-me para uma espera infinda e sem sentido, mas tu virás, este sítio existe, quem me colocou aqui, este xisto e este verde são sombra das minhas memórias, do nosso desencontro, estaremos no mesmo tempo?

Um galo canta ainda noite fechada, talvez confundido pela luz nocturna à beira da qual te escrevo. Tão longe e tão perto, trago-te comigo na memória evanescente do nosso eterno desencontro. O Douro é a memória de ti e de mim, ausentes deste local e tão amorosamente presentes neste reencontro impossível mas tão certo e inevitável. És xisto negro e austero, ansioso mas arisco, sou verde-esmeralda, esperança, ligeireza alegre e suave de espera doce e sempre possível. Os bancos são o convite aberto e infinito, à nossa espera, o sol aguarda com sua carícia intensa, a sua violência meiga, a sombra promete o seu regaço acolhedor, o tempo suspendeu todos os relógios, a Vida aguarda-nos. Aqui. Sempre.                               


Julho 2016
Teresa Pizarro Beleza

Abrigo do coração

Foto:josé alfredo almeida



Não sei quantas vezes chorei
 a boneca de papelão
 que se desfez na água 
 quando lhe dei um banho. 
 Eu não sabia que podem ser tão breves
 as coisas que abrigamos no próprio coração. 




 Graça Pires        

Pontes da Régua-707

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-706

Foto:josé alfredo almeida

Barco na paisagem-162

Foto:josé alfredo almeida

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Depois conversar

Foto: josé alfredo almeida




«Quero sentar-me na sombra do banco de olhares que iluminam o torreão de xisto a medir as montanhas tatuadas de suores centenários - depois conversar com este silêncio indizível.» 



José Braga-Amaral

Pontes da Régua-705

Foto: josé alfredo almeida

Águas salgadas




É mulher, não é sereia,
não enfeitiça seu canto:
doçura em águas salgadas.



M. Hercilía Agarez

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Fazer negócio





Escreveu João de Araújo Correia sobre o comércio local que a Régua "enquanto terra de província, os seus estabelecimentos serão conhecidos pelos nomes dos seus conceituados donos."

Esta sua  afirmação remonta  a um passado que o escritor vivenciou como um cidadão atento à terra onde nasceu e, se calhar, observou mais como médico estabelecido num consultório aberto numa das ruas principais, na antiga  rua de Medreiros.

Pode dizer-se, que esse foi o comércio local ou tradicional da Régua do seu tempo. Desde então, tudo mudou por toda a parte e na cidade da Régua os pequenos e os grandes negócios evoluíram para um outro tipo de lojas modernas e mais  apelativas para os novos consumidores ávidos de tudo e de nada. 

Não posso, assim, dizer que aquela afirmação do escritor seja válida para compreender o comércio tradicional do nosso tempo.Mas, a verdade seja dita, o comércio na Régua mudou muito, numas coisas para melhor  e noutras para para pior, conforme os prismas em que quisermos olhar. As principais lojas não têm um dono, tem investidores de capitais e desconhecidos empreendedores que vendem tudo ou quase tudo em superfícies  comerciais. 

O comércio tradicional na Régua morreu. Como morreram  já os antigos donos das lojas, onde os nossos avós foram fregueses estimados, pelo atendimento personalizado de gente com rosto, um sorriso e atenção especial no preço. Como nós seres mortais, são muito raras as lojas do comércio reguense que sobreviveram ao tempo em que o nosso escritor as celebrizou nos seus escritos. Longevidade no comércio tradicional é um mérito e um sucesso que só  alguns alcançam e permanecer no ramo com mais de um século de existência revela uma capacidade extraordinária de aliciar os seus velhos e novos clientes.

No ramo  das fazendas, tecidos e outras miudezas, na Régua triunfou a Casa Antão que, ao longo de tanto tempo, resistiu a todas as mudanças e a todas modas e, certamente, a muitas crises económicas e sociais. Do tempo dos antigos donos que lhe deram o nome, existência e prosperidade, pouco ou nada sabemos. Mas, pelo retrato tão preciso da realidade que o escritor nos fez das lojas do seu tempo, podemos ainda recordar as "vozes femininas esganiçadas:
-Senhor Francisquinho, um carro preto nº30. 
-Senhor Francisquinho, um tubo de retrós.
-Senhor Francisquinho, uma carta de agulhas."

Podemos ouvir,  na memória colectiva, essas vozes femininas e lembrar a figura do comerciante metido num "buraco onde passava horas infinitas à espera do "lá vem um". 

E podemos ouvir a voz de um velho comerciante do nosso tempo. A A voz de Heitor Teixeira, o conceituado dono da Casa Antão. Ele que, que hoje celebra 86 anos de vida e, por ele ser a única voz viva - e sempre activa - do comércio tradicional da Régua, que lhe dedicamos uma singela homenagem.

Gostamos de o saudar neste seu aniversário pela sua dedicação permanente a negócio de fazendas e miudezas e, além do mais, pela sua gentileza  e simpatia, que verdadeiramente o definem como um comerciante que sabe e  gosta de fazer negócio e também o distinguem como um  exemplar cidadão reguense.   

Como cliente da Casa Antão, tenho de gabar o seu dono, as virtudes do  patrão e gerente comercial e, sobretudo,  elogiar-lhe a enorme paciência de  abrir à Régua - e ao Mundo- as portas de uma loja mais que centenária, onde nenhumas das sua modas - de tecidos e fazendas -  nunca passaram de moda.


Hoje, Senhor Heitor, a Régua tem a obrigação de lhe fazer um brinde muito especial.


 José Alfredo Almeida

Barco na paisagem-161

Foto:josé alfredo almeida

Pontes da Régua-702

Foto: josé alfredo almeida

Pontes da Régua-701

Foto:josé  alfredo almeida

terça-feira, 26 de julho de 2016

Como se faz uma estrela




Meu avô era homem metódico. Se eu saísse a ele...Eu sou desarranjado. Meu avô era todo simetria, compasso, ordem.Não gostava de árvores, porque as árvores, infelizmente - infelizmente para o meu avô, não  eram como ele queria: feitas à régua, sobre papel, com troncos quadriláteros e igual número de ramos à direita e à mesma esquerda. Toleravas as pereira educadas contra os muros - como feitio de candelabros. Soltas no campo, desgostavam o meu avô. Fechava as janelas, e entretinha-se, dentro de casa, a construir um mundo geométrico. Cismava em tocar velhos quadros, tornando-os impecáveis de recticidade, quando sucedeu o episódio que vou narrar.
Os garotos da minha rua lançavam ao ar estrelas de papel - era na Primavera. Cada estrela, feita de jornal velho, tinha um rabo comprido, de guita, com farrapos amarrados de espaço a espaço até à ponta. A esses farrapos chamavam charutos.
Coisa grotesca, uma estrela! Coisa grotesca antes de subir. Vista no chão, era um horror. Via-se-lhe o grude às pastas, o grude de sapateiro com que a tinha grudado o dono do aborto - um garotinho. Uma estrela, vista no chão, era um mostrengo. Vista no ar, o nome o dizia, era uma estrela.
O ar da Primavera, muito buliçoso, sacudido de brisas e ensaboado de sol, lavava-a lá lá em cima, tirava-lhe as imperfeições do grude, dava-lhe o aspecto de jóia mergulhada em água clara. Uma beleza...
Os rapazes da minha rua tinham jeito e mais que jeito para a fazer subir. Tinham habilidade. Pegulhos de sete anos deitavam uma, das pequeninas, na ponta da unha. Matulões compridos como castinceiros arrumavam a sua às alturas e aí a sustinham com olímpico orgulho.O céu da minha terra, naquelas tardes primaveris, era um lago azul picado de estrelas.
Eu e os meus irmãos víamos  isto, esta competição de astros de papel, e resolvemos fazer também a nossa estrela para a tirarmos ao vento do nosso quintal. Pegámos em jornais velhos, em canas, em farrapos, em grude e em barbantes.A estrela ficou pronta em menos de um credo.
Íamos deitá-la para o quintal quando o nosso avô, abrindo a janela do quarto onde construía o mundo geométrico, nos chamou aos berros.
-Luís! Francisco! André! Sancho! Que é isso?
-É uma estrela, avô!
-Uma estrela? Isso não é estrela. Vós não sabeis fazer uma estrela. Vinde cá!
Subimos. E levámos a estrela. Meu avô - o nosso avô -, encarando nela, fez uma careta como se sentisse uma dor súbita. A picada de uma víbora não o teria  transtornado tanto. 
-Então isso é uma estrela? Feita sem compasso? Pesada, com papel de jornal...que horror!
Deitai isso fora. Eu é que vos vou ensinar a fazer uma estrela.
Deu-nos dinheiro para papel de seda. Fomos comprá-los à tenda da esquina. Quando regressámos, vimos o nosso inclinado sobre uma grande mesa, a olhar para um compasso. À direita, vimos uma régua. À esquerda, um compasso e uma navalha aberta muito afiada.
-Em primeiro lugar, precisamos de preparar as canas.
-Servem as da estrela velha, lembrámos.
-Não!
Fomos a um canavial por elas. Quando as trouxemos, o meu avô mirou-as e remiro-as desconfiado. Nenhuma lhe parecia direita, bem sã. Escolheu duas -as que lhe pareceram sofríveis. e pôs-se à obra. Estonou-as, limpou-as e puliu-as  a preceito. Ficaram lisas e brilhantes como a folha da navalha, mas, gastou nesse empenho mais tempo do que nós a fazer de cabo de rabo a estrela velha.
Meu avô adorava os trabalhos niquentos, chineses -as miniaturas que exigem mão pequenina animada de paciente fervor. Se o trabalho fosse fácil como a construção de um barco de papel, eriçava-o de dificuldades miúdas como areia para lograr a boa ventura de as vencer. O ideal do meu avô, em artes mecânicas, seria a construção de um relógio de pulso com a sombra do buraco de uma agulha.
Depois de limpas as canas, meu avô abriu-as ao meio e desbastou-as até as reduzir a talas tão finas, que um cirurgião do céu as aplicaria em fracturas de anjos.
-Isso não sobe, avô!, exclamou o meu irmão Sancho, que era atrevido.
-Cale-se! Você não sabe fazer uma estrela. No fim se verá se sobe ou não sobe, Senhor Sancho...
Continuou na exímia tarefa. Cruzou as canas, uniu-as com fios de seda, fez uma espécie de teia de aranha tão subtil, que ficou satisfeito.
-Ide passear agora. Amanhã continuaremos.
Era quase noite quando saímos do quarto do avô - cada um de nós com a sua ideia a respeito dele e da resolução que tomara de nos fazer uma estrela. 
-Não sobe, repetiu o meu irmão Sancho, que, além de atrevido, era casmurro.
No dia seguinte, lá estávamos no quarto do avô.
-Agora, vamos pôr o papel.
Fixou como goma arábica muito loira. Depois, mereceu-lhe especial cuidado o órgão estrelar a que chamava compasso: três pilares de guita convergentes no ponto em que viria a unir-se o fio da estrela.
-O compasso é o coração da estrela. Se for mal feito...
Mal feito? Meu avô era incapaz de uma imperfeição. O compasso ficou um brinco. O rabo, não se fala. Parece que o pesou  numa balança de boticário. De leve, agitou-se no quarto do avô, quis sair pela janela fora agarrado à estrela.
-Que linda!, exclamámos todos excepto o Sancho, que não olhava a belezas. Era também utilitário.
-Que linda!, repetíamos.
Bem linda! Podia-se pôr numa vitrina de modas, entre blusas de senhoras e frascos de perfume. Pesava uma onça e parecia dizer: deixai-me voar!
Fomos deitá-la para o quintal. Não subiu, como Sacho previra. Não subiu...A maravilha estelar afocinhou. As demais estrelas, feitas de papel de jornal, brincavam lá em cima, às turras e saracoteios, rindo-se dela, coitada! A pobre jazia no chão. Mestre Sancho, vitorioso, ria-se mais do que as estrelas de jornal e grude. Ria-se já amarelo como burguês consumado.
-Eu sempre disse que não subia.
E não subiu. Faltava-lhe o barbante, o grude e o génio do rapazio da minha rua.


João de Araújo Correia in "Terra Ingrata"

Os meus avós

os meus avós: Álvaro e Etelvina 


Volto sempre  à casa 
dos meus avós
E, com medo de me perder,
sigo sempre o mesmo caminho
Que me ensinaram na infância

É fim de tarde
de verão
Está aberta a janela.
De onde eu via o rio.
o céu riscado de estrelas
E uma  lua
que fazia poemas no meu pensamento.
Há também  roupa a secar.
Devem ser os  calções de uma criança
(e a fisga tinha-a escondido)
que foram meus
naqueles dias de imenso calor.

Uma voz nítida ouve-se
nas sombras daquele caminho 
Parece-me que a estou a ouvir
É a minha avó a chamar-me:

-"Rapaz anda merendar!"
A mesa está posta
a toalha de quadrados vermelhos
 uma caneca de  água fresca
cachos de uvas moscatel
fatias de pão de centeio
E o que eu mais gostava
um bolo de laranja
que era  receita especial
da minha avó Etelvina

Volto sempre à casa 
 dos meus avós
Sentados à volta daquela mesa posta
com a minha merenda
Gostava de  ouvir a minha avó
E não  consigo.

Como gostava daquele tempo!
Tudo ali passou, num instante
Apenas me resta
levar também a última fatia
daquele bolo de laranja.

Desculpem...esta nostalgia
 não vou fazer mais poesia.
-Vou é merendar a casa
dos meus avós.


josé  alfredo almeida    

Passagem

Foto:josé alfredo almeida






A beleza ideal 
está na simplicidade calma e serena.


Johann Goethe

Pontes da Régua-700

Foto:josé alfredo almeida

domingo, 24 de julho de 2016

Durius Durus

Foto: josé alfredo almeida 


Paisagem que se avista na estrada de Cambres para a Régua, julho de 2016




"Vejo sobre ela a sombra giganteia
Da mão que lhe deu forma sem igual.
Erguendo, entre a água e o céu, uma epopeia"



João de Araújo Correia

E os homens fizeram o vinho...

Foto josé alfredo almeida 

"E os homens fizeram o vinho...
Galgaram montes, quebraram rochas, fizeram a terra, levantaram muros, seleccionaram castas, plantaram videiras."


António Barreto

Pontes da Régua-698

Foto: josé alfredo almeida

sábado, 23 de julho de 2016

Pontes da Régua-697

Foto:josé alfredo almeida

Preciso de ti





                                                                                   Dedicado ao comandante-poeta  Manuel Maria de Magalhães (1880-1892)



Anda pois, comigo vem,
Prometto-te, linda flor
De a ti, e mais ninguém
Dedicar o meu amor.

Manuel Maria de Magalhães




Eu sei que estás só.
E eu,
já nem durmo a pensar em ti.
Assim, tão sozinha neste mundo hostil.

Sabes que te amo.
Vem viver comigo.
Escolhe a cidade, a rua o lugar para iluminares com a tua luz...

Sem ti
não há Sol,
nem o Inverno finda.
Ah, como te amo!

Enquanto não vens,
eu sonho acordado.
Por vezes, um vento, um aroma doce, até uma música...
Me levam a ti.
É tudo tão forte, este sentimento.

Por favor, vem.
Preciso de ti.



Ana de Melo

Subitamente

Foto:josé alfredo almeida


Tudo me prende à terra 
onde me dei: 
o rio subitamente 
adolescente, 
a luz tropeçando 
nas esquinas, 
as areias onde ardi 
impaciente. 

Tudo me prende do mesmo 
triste amor 
que há em saber que a vida
 pouco dura, 
e nela ponho a esperança e
 o calor 
de uns dedos com restos de
 ternura. 

Dizem que há outros céus e 
outras luas 
e outros olhos densos de 
alegria,
 mas eu sou destas casas, 
destas ruas, 
deste amor a 
escorrer melancolia. 


Eugénio de Andrade

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O Douro...de camarote

Foto:josé alfredo almeida


    Primeiro os pobres fizeram o Douro vinhateiro. Vieram mesmo galegos para a construção dos socalcos. Ferros, pás, enxadas. Suor e lágrimas. Esforços sobre-humanos. E do informe nasceram degraus. Da terra brotaram as videiras. Generosas e obedientes, enchem-se de frutos. Que, como já no tempo dos romanos, se desfazem em sumo embriagador.

    Douro hoje. A beleza no superlativo. A conjugação perfeita dos elementos: a terra, em geios traçados à revelia de régua e esquadro, o rio submisso, na sua missão de transportes outros. Dos rabelos de arrais amarrotados aos comandantes brancos de barcos panorâmicos.

    O Douro do turismo. Dos pobres aos ricos. Dos cardenhos dos fazedores de uma região única às quintas e hotéis de charme. Requinte e luxo para gozar um belo ver, um bom comer e um, ainda melhor, beber.

    A mesa não esperava a visita do fotógrafo. Um cálice do fino deveria esperar o feliz usufruidor de tão apetecível assento...



Vila Real, 21 de Julho de 2016
M. Hercília Agarez

Vejo o Douro

Foto: josé alfredo almeida

Pontes da Régua-696

Foto: josé alfredo almeida

domingo, 17 de julho de 2016

Barco na paisagem-156

Foto:josé alfredo almeida


"A calma do rio amansado...
numa manhã de verão que se revela nas cores do rio, num barco que passa e no silêncio de uma paisagem única de socalcos, onde se faz o melhor vinho do Mundo."

Pontes da Régua-688

Foto:josé alfredo almeida