Francisco
Correia – A
senhora dona Antónia dá licença?
Dona
Antónia –
Senhor Correia, ainda bem que chegou! Quero ir às Caldas do Moledo ver como vai
o movimento dos banhos!
Francisco
Correia – Mas está fresco!
Dona
Antónia –
Ora, ora… Nada disso…É verdade, ontem esqueci-me de lhe falar das obras da
Capela do Cruzeiro!... Tenho muito gosto em contribuir com uma quantia
significativa… desde que não alterem nada do que mostraram no desenho! É muito
dinheiro! Aquela capela merece ser bem recuperada! Ali estão os símbolos do
Peso e da Régua!
Francisco
Correia – Como a Senhora desejar…Quando achar conveniente, indica-me a quantia.
Dona
Antónia –
Também hei-de ajudar a igreja de Godim na recuperação do altar do Senhor da
Misericórdia (pensativa)…e
misericórdia tenha de nós!
Francisco
Correia – Na verdade, a vida não está fácil!
Dona
Antónia – Não se esqueça dos Bombeiros! Eles dão a vida pela vida dos outros...
merecem!
Francisco
Correia –
Merecem sim! O senhor Manuel Maria Magalhães ficou de passar por cá, para
cumprimentar a senhora dona Antónia e convidá-la para sócia contribuinte.
Dona
Antónia – Esse senhor Magalhães é um homem muito dinâmico, não é? Ele também não
pertence à mesa do Hospital?
Francisco
Correia – É um homem de direito, muito empenhado na evolução da Régua! O Hospital
já está a funcionar…graças aos donativos da Senhora.
Dona
Antónia – Meus, da minha família e principalmente do meu falecido marido,
Francisco Torres! Aliás, se todos pensassem como eu… Cada um, na sua terra, deveria
fazer tudo o que fosse para bem da humanidade! (mudando de tom) Está bem!...Mudemos de assunto…
(chega
uma criada)
Maria
– A senhora
dá licença? Acabou de chegar um senhor que diz ser dos Bombeiros.
Dona
Antónia – Não me diga que é ele? Só pode ser boa pessoa! Manda-o entrar, Maria.
Francisco
Correia – O
senhor Manuel Maria Magalhães!...vai ser o
comandante!
(a
empregada fá-lo entrar)
Sr.
Magalhães – Dão
licença?
Dona
Antónia –
Entre! Entre, sr. Magalhães.
(O sr.
Magalhães cumprimenta com uma curta vénia dona Antónia e F. Correia)
Dona
Antónia –
Então como vão as diligências para o arranque dessa associação de Bombeiros?!
Sr.
Magalhães –
Senhora dona Antónia, venho informá-la que os estatutos estão prontos, foram redigidos
pelo Dr. Claudino, o nosso Presidente da Câmara. E seremos, se tudo correr como
todos desejamos, dos primeiros a ter uma instituição de intervenção social, tão
necessária.
Dona
Antónia –
Fico contente…já que me visita só para me comunicar que vamos ter uma
Associação de Bombeiros! Estamos todos mais descansados!
Francisco
Correia – Senhora dona Antónia, repare no livro que o sr. Manuel Maria de
Magalhães traz!...
(Riem
um pouco…)
Sr.
Magalhães –
Senhora dona Antónia, tenho a honra de a convidar a assinar o Livro dos
Estatutos da Associação e Inscrição dos Sócios Contribuintes! A senhora será a sócia
contribuinte nº1. (passa-lhe o livro)
Dona
Antónia – Ora
muito bem, muito bem!…Sócia Contribuinte?!... não é verdade? E então vou
contribuir?...
Sr.
Magalhães – A jóia
será de 500,000 mil réis e a quota mensal 200,000 mil réis. Acha bem?
Dona
Antónia – (tosse um pouco) Ora bem! E já falaram a
outras famílias cá da Régua? Os Barretos, os Vasques?
Sr.
Magalhães – Já
foram contactados e ninguém recusou!
Dona
Antónia – Todos
temos a obrigação de contribuir! É urgente existir na Régua uma associação
desta natureza devidamente equipada! Já viu, se acontece algum incêndio na
altura em que há pipas e pipas de aguardente nos nossos e em outros
armazéns!...
Francisco
Correia – Lá isso é verdade, seria uma tragédia!
Sr.
Magalhães – A
sra dona Antónia disse bem, “devidamente
equipada” ! Mas esse é o maior problema! A estação de material, no Largo da
Chafarica, é um sítio já muito acanhado. A Câmara não tem grandes meios e nós
precisamos de bombas mais modernas, mangueiras, um carro de escadas, fardas…
Dona
Antónia – (olhando-o de alto a baixo) Ó sr.
Magalhães, olhe que essa sua farda fica-lhe mesmo a matar!!! (tosse)
Francisco
Correia – (comenta) Comandante é comandante!
Sr.
Magalhães – (sorri) Nós também temos um grupo
dramático, uma banda de música…preocupamo-nos em valorizar a cultura e o
divertimento!
Dona
Antónia – É
bom que as pessoas…dêem valor à cultura!
Sr.
Magalhães – A
leitura de bons livros, julgo ser da máxima importância…só que a nossa
biblioteca está reduzida a uma estante de livros…
Dona
Antónia – (tosse) Já entendi, sr. Magalhães, já entendi! Precisa de
livros…ou melhor…uma quantia para aumentar essa estante! Não é verdade? (uma criada entra a correr)
Josefina
– Minha
senhora! Há fogo…há fogo! O sino do Cruzeiro não pára de tocar…
Sr.
Magalhães – (preocupado) Quantos toques? Quantos
toques ouviu?
Josefina
– São
sete! Sete badaladas! (à
parte) ou foram oito?
Sr.
Magalhães – Ora
sete…Ameixieira…senhor dos Aflitos…peço desculpa, senhora dona Antónia, mas tenho de me apressar…não posso ser o último a chegar!
Francisco
Correia – Eu acompanho-o… (saem os dois apressadamente)
Dona
Antónia –
Acho bem… Espero que não seja em nenhuma das minhas casas…Eu tenho lá várias… (esquece)
Aqui ficou o Livro….vou assinar sem testemunhas! O que eles querem é uma
quantia sempre certinha…e mais alguma para mais umas extravagâncias… (assina e fecha o livro em seguida) Ele
cá há-de vir buscá-lo! É simpático, bem apessoado! Sim senhor!
(mudando
de tom) Ora
bem, amanhã é domingo? Pois é…amanhã é domingo…temos bodo aos pobres!
(toca
a campainha e aparece uma criada)
Chica
– A senhora
chamou?
Dona
Antónia –
Sim, Chica! Na cozinha, lembra à Maria que tenha fartura de alimentos. Quero
dar um bodo a essa gente que costuma vir assistir à missa.
Chica – Sim, minha
Senhora! O tempo tem ido tão ruim! Há muita fome por aí!
Dona
Antónia –
Então eu não sei?...Vai…vai…despacha-te! Diz ao Damásio que quero ir ao Moledo
e, na passagem, quero ir ver como vão os preparativos para a vindima na Quinta
do Santinho… (ri-se) Fica em caminho,
Chica!
Chica
– (como se já contasse) O Damásio tem a
caleche pronta, como sempre e como a senhora gosta. Mas está fresco…não vai
adoecer?
D.
Antónia –
Ora, ora…tens cada uma! Estes meus empregados! Sou alguma velha?
(saem
e a criada tem de lhe levar o agasalho de que ela faz questão de se esquecer)
Josefina
– (entra um pouco esbaforida…) Minha Senhora,
minha Senhora! (repara que já não há
ninguém na sala) Ainda bem que já não está cá! Então não é que eles já estão de volta!? Estou a ver que foi só
fumaça…. ou será que me enganei nos toques…mas eu contei…sete! Será que não
foram? Enganei-me! Ahahah… foram dar uma voltinha à Régua…ver se estava mais
direita!
Excerto da peça de teatro “A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo”
Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua
Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua
Gostei.
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