terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2014

Foto: josé alfredo almeida


Ano velho que se vai
Parta em paz
E leve consigo
Meus pesos desnecessários

Ano novo que está
em trabalho de parto
Nasça belo e claro
E ilumine  meus passos

Lou Witt

O Padre Manuel Lacerda



Padre Manuel Lacerda de Oliveira Borges




Os Bombeiros da Régua tiveram uma forte ligação à religião católica logo desde os primeiros anos da sua existência. Os bombeiros pioneiros beneficiaram da ajuda espiritual do Padre Manuel Lacerda de Oliveira Borges. Ele foi, ao que consta, o primeiro capelão dos nossos Bombeiros.
O Padre Manuel Lacerda foi também um pedagogo e, nos tempos da monarquia e primeiros anos da república, na escola particular que fundou, ensinou as primeiras letras a crianças. Enquanto viveu, os reguenses admiraram-no e não deixaram de o chorar quando Deus o chamou na flor da vida, com pouco mais de 35 anos. Sendo um homem de belas feições, o seu coração perdeu-se de amores e paixões que nunca escondeu de ninguém. De uma relação amorosa que assumiu, foi pai de uma criança que ajudou a crescer. Esse seu filho, de nome José Lacerda, imitando as pisadas do seu pai, chegou a vestir a farda de bombeiro. 
Depois da morte do sacerdote, os Bombeiros da Régua não tiveram mais ninguém que quisesse ser capelão, muito embora o saudoso Padre Carminé, figura conhecida no passado séc. XIX por ser um dotado director de orquestra, tenha andado a espalhar a fé pelo velho quartel da Chafarica. Se se terá ocupado de rezar missas por altura do aniversário da corporação ou, quando muito, pela morte de algum bombeiro, não se sabe, mas algum bem deve ter feito àqueles primeiros e generosos bombeiros.
Com a morte do Padre Lacerda, mais nenhum sacerdote encontrou vocação espiritual para pastorear as almas dos bombeiros reguenses. Mesmo que tivessem inclinação para usar, em vez da batina preta, uma farda, um capacete e uma machada para entrar com os bombeiros no inferno das chamas do fogo, por certo deve ter-lhes faltado a coragem. Ao levar a fé, o padre pode salvar alguém do pecado e até dos maus caminhos do viver em comunidade, mas nunca se pode comparar com  a missão dos nossos bombeiros que está no limite do verdadeiro altruísmo e generosidade e numa fronteira ténue entre a  vida e a morte, quando são chamados pelo toque do sino ou da sirene para salvar bens e vidas em perigo.
Nem no Quartel dos Bombeiros da Régua, nem no seu pequeno Museu há memórias vivas da passagem do Padre Manuel Lacerda. Como também não existe nenhuma lembranças da boa alma que ele foi como construtor de laços de concórdia e de fraternidade entre os concidadãos do seu tempo.Nas rotinas do dia-a-dia da Associação,que se mantém viva e activa permanentemente desde o ano de 1880, ninguém se deu ao cuidado de arquivar uma fotografia para que ali fossem, pelo menos,perpetuadas as sombras de sua presença e do seu carácter humano exemplar.
Mas, o Padre Manuel Lacerda, embora tenha sido sepultado numa campa rasa do cemitério de Canelas, não ficou esquecido como bom pastor na poeira do tempo e na memória do seu povo.E, muito sinceramente, até esperávamos que um dia ele fosse homenageado pelo bem que fez à sua terra e aos seus bombeiros.... 
E, por isso, quando sobre ele fizemos uma pequena nota a dar conhecimento da sua existência e da sua importância  na sociedade reguense, não sabíamos se lhe íamos encontrar os  rastos do caminho que, muito cedo,  o levaram daqui até aos confins do outro mundo. Enganámos-nos e, quase a terminar o ano de 2013, os seus descendentes ainda vivos e de boa saúde vieram ao nosso encontro. Uma sua neta, filha do José Lacerda, ao ler na internet uma nossa evocação do distinto capelão dos bombeiros, telefonou-nos, comovida pelo nosso gesto, indicando-nos os dados pessoais que dele nos faltavam. Ao mesmo tempo, acrescentava outros que nos alimentavam uma esperança de traçar o esboço de uma ligeira biografia e revelar uma pequena parte do curto percurso terreno deste sacerdote. Essa neta deu-nos a preciosa informação de que a outra irmã guardava do distinto padre uma fotografia muito antiga, que teria sido tirada ainda muito jovem. Dirigimo-nos ao marido da irmã, comerciante de roupas com uma pequena loja  na Rua dos Camilos que, depois de uma  simples conversa, nos trouxe a fotografia do sacerdote emoldurada num bonito quadro de madeira para fazer nos estúdios da Foto-Baía uma reprodução digital dessa imagem. Não demorou muito tempo que o retrato do capelão seguisse para o Quartel dos Bombeiros da Régua, para ficar exposto na galeria de figuras memoráveis.  
Muitos anos depois, bem se pode dizer com um sorriso que o ditoso capelão estava de regresso à companhia dos homens do seu e nosso tempo, para se juntar àqueles que mais se sacrificaram por constituir na Régua um corpo de bombeiros voluntários, como é o caso dos Cdtes Manuel Maria de Magalhães, Afonso Soares, Joaquim de Sousa Pinto, dos bombeiros José Ruço e Riço, alguns dos tantos que, lá no infinito, andarão mortificados com algum incêndio que deixaram cá na terra por apagar.
Com o retrato do Padre Manuel Lacerda, a actual geração de bombeiros pode conhecer, finalmente, os traços e a fisionomia do seu primeiro capelão e, sobretudo, avaliar com mais atenção o seu exemplo de humanidade.Foi graças a esta inesperada e preciosa colaboração que o nosso sacerdote, lá do outro mundo, regressou ao nosso mundo, desta vez pelos caminhos do mundo virtual!
Quem tinha recordado o Padre Manuel Lacerda, num tom respeitoso e de elogio póstumo, quase como se o estivesse a venerar, foi o escritor João de Araújo Correia, que, numa crónica publicada no jornal Vida por Vida, de Novembro de 1957, sob o título "Recordações de Barro - Os Bombeiros", traçou o carácter da sua alma desta maneira:
“Perdi a ocasião de ver os bombeiros formados quando morreu o Padre Manuel Lacerda. Passou à minha porta o acompanhamento, a caminho do Cruzeiro, mas não o vi. Se passou de manhã, estaria eu ainda na cama ou andaria para o quintal, onde era vivo e morto nas horas forras das primeiras letras -tinha eu sete anos.
Quem me descreveu o enterro foi minha irmã mais velha, imediata de minha mãe na minha iniciação em espectáculos novos. Disse-me como tinha sido, mas só o fixei, de mo dizer muitas vezes, que o Borrajo levava a bandeira e ia a chorar.
O Padre Manuel Lacerda. Foi, de todos, o mais benquisto dos reguenses. Morreu de repente, enlutando num pronto a Régua toda. Lembro-me de o ver conversar com pai. Que fisionomia! Era uma espécie de coração visto por fora para melhor se adorar. Meu pai, que não era homem de muitas lágrimas, nunca o recordou, pela vida fora, com os olhos absolutamente secos.
Não se pode dizer que o Padre Manuel Lacerda, como padre, tenha sido talhado pelo figurino que os cânones exigem. Mas, como homem, foi um santo homem, um homem alegre, que não podia ver pessoas mal dispostas nem arrenegadas umas com as outras. Onde soubesse que havia desavindos, fazia uma festa, promovia um banquete, fosse lá o que fosse, para os congregar. Deixou, na Régua, essa tradição benigna.
O Padre Manuel Lacerda foi capelão dos bombeiros. Por isso o acompanharam, de bandeira enlutada, no último passeio. O Borrajo, porta-estandarte, ia a chorar…

Não chorou apenas aquele bombeiro, também ele já na Eternidade, a fazer companhia ao Padre Manuel Lacerda. Choram todos os reguenses pela alma do bom capelão dos Bombeiros da Régua, acreditando que lá na imensa Eternidade, onde andará a espalhar mensagens celestiais de concórdia, os espera com um bondoso sorriso para partilhar a vida espiritual em mais um grande e festivo banquete.

José Alfredo Almeida

Segue o teu destino

Foto: josé alfredo almeida



Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Fernando Pessoa

Seguir o Destino

Foto: José Alfredo Almeida



De dia corro com os meus medos
à noite passeio com os meus sonhos

Nicolas Behr

2013

Foto: josé alfredo almeida

"A vida não começa quando se nasce, a vida começa quando se ama."
Pablo Neruda

Voo dos passáros

Foto: josé alfredo almeida


Há em certas palavras
um bulir de folhas.
Não as abandonorás
como se fosses vento
ou ave e não tivesses
aí um ramo para cantar.

António Cabral

Foto: josé alfredo almeida


Só uma quadra, esta erva,
a cor matinal, sinal
de alguém que se foi embora
e nunca deixa de estar.

António Cabral 

Ao vento

Foto: josé alfredo almeida



A minha filha perguntou-me 

o que era para a vida inteira 
e eu disse-lhe que era para sempre. 

Naturalmente, menti, 
mas também os conceitos de infinito 
são diferentes: é que ela perguntou depois 
o que era para sempre 
e eu não podia falar-lhe em universos 
paralelos, em conjunções e disjunções 
de espaço e tempo, 
nem sequer em morte. 

A vida inteira é até morrer,
mas eu sabia ser inevitável a questão 
seguinte: o que é morrer? 

Por isso respondi que para sempre 
era assim largo, abri muito os braços,
distraí-a com o jogo que ficara a meio.

(No fim do jogo todo, 
disse-me que amanhã 
queria estar comigo para a vida inteira) 

Ana Luísa Amaral

Passado - A cheia de 1962


A Cheia de 1962

Triste Moledo

Foto: josé alfredo almeida


"Vai uma pessoa às Caldas do Moledo e fica desolada. Aquilo que ali se vê ou não vê é mais sinal de desamparo do que sinal de miséria.
(...)
Há sempre concorrência de banhistas nas Caldas do Moledo. Banhistas de idas e voltas, porque moram perto, devem ser tratados com o mínimo dos mimos. Gente fiel à eficácia dos banhos, mantém o fervor indispensável ao ressurgimento da estância. A essa boa gente se deverá o regresso do Moledo aos tempos áureos.
Moledo, triste Moledo...Tornarás um dia a ser alegre?"

Julho de 1965


João de Araújo Correia in "Pátria Pequena" 

Pesca lentamente

Foto: josé alfredo almeida


Pesca lentamente e, quando iça um peixe,deixa-o
algum tempo suspenso no anzol, a cantar-lhe
nos olhos e nas mãos, para ouvir de antigos
barqueiros as baladas que permanecem
nas águas mais fundas. O que lhe merece
especial atenção é a crista da fraga
quase encostada à outra margem. Enterra
a cana de pesca no areal e põe-se  
a olhá-la demoradamente, desenhando-a
por fim.

António Cabral

Pequenos nadas



Foto: josé alfredo almeida



A vida é feita de nadas
De grandes serras paradas

À espera de movimento

De searas onduladas pelo vento,

De casas, de moradias caídas e com sinais,
De ninhos que outrora havia nos beirais;
De poeiras,
de sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha
Meu pai erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.


Miguel Torga

Uma ponte para o Céu

Foto:  josé alfredo almeida

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Esta bica de água

Foto: José Alfredo Almeida



Esta bica de água ainda
é pedra no firmamento.
Só tu, manhã, é que sabes
a pedra que eu acrescento

António Cabral

Ponte

Foto: josé alfredo almeida

De onde sopra o vento

Foto: josé alfredo almeida


"As aves são a nossa perspectiva.Por elas ficamos a saber de onde sopra o vento das coisas, onde ele é mais audível. Antecipam-nos quando as mãos não chegam aos ramos ou entontecem na bruma das superfícies. Uma ordem de anjos que por aqui ficasse ao alcance do olhar."

António Cabral

Mar



Foto: José Alfredo Almeida


Um a um não esquecerei os motivos por que vim...
          

Abrir os olhos

Foto: josé alfredo almeida

Deitada na encosta, recostada na água,
Aí está ela, sedutora de almas,
Vestida de mostos
salteada de lantejoulas de história,
ergue-se da água a princesa
com laivos de ocre urbanidade.
- Terra à vista, amarras ao cais

José Braga-Amaral

Livro sobre João de Araújo Correia - cronista das gentes do Douro




 Prefácio

"Manuel Joaquim Martins de Freitas aventura-se, neste seu ensaio, a palmilhar minuciosamente os caminhos de reflexão de João de Araújo Coreia, vertida nas suas crónicas, saídas em livro e em jornais, em torno da realidade cultural duriense, com ênfase para a memória, identidade e património. Trata-se  de um percurso que pretende expôr, naquilo que foi o desiderato de uma vida, "o empenhamento do cidadão João de Araújo Correia na salvaguarda do património cultural que (...) ele já entendia como recurso estratégico ou meio de desenvolvimento da região do Douro"; entende também o ensaísta que o seu labor reverterá em favor, pelos durienses, do seu património e preservação da memória cultural da região do Douro.
(...)
Manuel Joaquim Martins de Freitas intervém, com este estudo, na história do Douro ao fazer conhecer melhor o "historiador do Douro", como denomina João de Araújo Correia. E este é-o, verdadeiramente, como o comprova o autor do ensaio, porque é das gentes do Douro que as suas crónicas dão nota, dos problemas e história da vinha e tudo o que lhe está associado - figuras históricas como D. Antónia ou o barão Forrester, os vareiros e galegos que vieram de longe para o Douro, os objetos  associados ao cultivo da vinha, a doença da filoxera e os mortórios, as cantigas, património edificado, etc., tudo constituindo um extenso e valioso património cultural e material que só a criação de um museu do Douro, por que sempre lutou e que só de forma incipiente viu nascer, poderia preservar.
Por estas razões - e poder-se-ia dizer que felizmente - o estudo apresentado por  Manuel Freitas repõe justiça à acção desenvolvida por João de Araújo Correia, nem sempre apreciada com a importância que merece."

Fernando Alberto Torres Moreira

Beleza do Marão

Foto: josé alfredo almeida

Serra, seio de pedra
Onde mamei  a infância.
Amor de mãe, que medra
Quando medra a distância.

Dura severidade
Tapetada de acenos
Às ilusões da idade
E aos deslizes pequenos.

Velha raiz segura
À universal certeza
De um gesto de ternura
E um pouco de beleza

Miguel Torga

O Douro social




"O Vinho do Porto é um caso de insucesso há 300 anos. 
O sector tem salários baixos, não melhorou a vida de quem trabalha e não redistribui riqueza." 


Miguel Champalimud 

Ruínas

Foto: José Alfredo Almeida


"Desta casa em ruínas sopra um vento oculto que te faria voar contra a árvore, se fosses luz ."

 António Cabral

Janela de luz

Foto: josé alfredo almeida

E se a luz não estivesse dentro das pedras, que seria das palavras, quando caem das árvores e endurecem?  
António Cabral

Evasão

Foto: josé alfredo almeida



Não me tireis, por isso o sol bem-vindo
Do meu dia que nunca tinha vindo
Que Deus fez breve e que não volta mais!

Manuel Vaz de Carvalho

Segredos

Foto: josé alfredo almeida


O que isto é, viver!
Abrir os olhos, ver,
E ser o nevoeiro que se vê!
Nevoeiro ao nascer,
Nevoeiro ao morrer,
E um destino na mão que se não lê...

Miguel Torga

domingo, 29 de dezembro de 2013

Marão à vista

Foto: josé alfredo almeida


"Conheço o Marão desde que me conheço. Mas, não só o conheço como o adoro. Tive-o sempre na conta de divindade telúrica. Não posso contemplá-lo sem me extasiar.
Quase me lembra o dia em que o  vi pela primeira vez. Deve ter sido quando saí de casa, ao colo ou pela mão de uma criada, para ir a Poiares - benzer, na igreja, o meu primeiro ramo.
Essa visão deve ter deixado marcas no meu subconsciente. Assim o creio sempre que me apetecer, mais uma vez, ir de Canelas a Poiares.Trânsito de quilómetros, se tanto, é uma viagem de mil léguas, ao cetrás, na minha imaginação. Regresso aos primeiros alvores da minha vida, a toda a minha infância. Vivo-a  ou revivo-a nesse pequeno percurso.
(...)
Diz o povo que o Marão não dá palha nem grão. A mim, que o tenho percorrido a palmos, nunca me faltou com ensinamentos nem com inspirações. Tem-me dado a comer pão de espírito aos alqueires."

João de Araújo Correia

Rio no teu olhar

Foto: josé alfredo almeida



Através do teu coração passou um barco
Que não pára de seguir sem ti o seu caminho


"Navegações", Sophia de Mello Breyner Andresen

Montes de Loureiro

Foto: josé alfredo almeida


Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Fernando Pessoa

O Santo de Loureiro

Foto: josé alfredo almeida



"Naquela casa quadrangular, caiada, vista de esquina, viveu Heitorzinho, célebre penitente que o conceito popular santificou.Visitam-lhe ainda a campa algumas almas simples, ávidas de refrigério."


João de Araújo Correia in"Três Meses de Inferno"

sábado, 28 de dezembro de 2013

A Cheia de 1962

Foto Baía

"Quando me solicitaram que escrevesse sobre os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e a sua ação aquando das cheias, rapidamente me ocorreu as inúmeras vezes em que, em conferências ou palestras, ao ser abordado o tema das cheias, surgia como diapositivo da apresentação, uma imagem dessa localidade, com as marcas assinaladas em prédios referentes às cheias de 1909 e 1962. A minha memória retém, também, imagens de visita à região por alturas das cheias de 2001.
Naquelas apresentações seguiam-se os conceitos - a distinção de cheia e de inundação, caudal, bacia hidrográfica, período de retorno, tempo de concentração, pico de cheia -, ou a influência da forma dos vales e da dimensão das bacias nas cheias. E, também, as práticas e técnicas culturais agrícolas e florestais adequadas ao aumento do tempo de concentração e as infraestruturas mais utilizadas na regularização do caudal do rio.
Numa pausa, transporto-me, pela memória, no tempo e no espaço, para a região do Douro, que tenho tido a oportunidade de conhecer. Sinto a força e intensidade do rio, das fragas e das gentes que tenazmente, com as suas mãos, moldaram uma paisagem de beleza ímpar e justamente classificada pela UNESCO como Património Mundial.
Trabalho duro, com progressos e retrocessos, em que se evidencia sabedoria. Periodicamente assolada pelas cheias, além da força para se construir e reconstruir, sobressai a humildade de se terem reconhecido os naturais erros, de os corrigir, tendo-se criado, progressivamente, uma estrutura mais resiliente e preparada para a adversidade.
Mas, assim como a natureza nos dá essa notável capacidade de evoluir errando (se o mecanismo da dor não existisse, não seríamos hoje o que somos), também faz com que o tempo traga o esquecimento. Hoje, muitos jovens, nunca vivenciaram o tipo de cheias a que os seus pais, avós e a memória do povo aludem, não tendo, por isso, interiorizado, pela experiência, as atitudes e comportamentos para fazer face à adversidade.
Regresso à conferência onde se vão abordar programas informáticos de monitorização do caudal, sistemas de aviso e alerta, a cooperação entre as entidades portuguesas e também espanholas, através de acordos bilaterais, para a gestão dos rios internacionais. Se tudo funcionasse bem, aparentemente, não se repetiriam os efeitos de uma qualquer grande cheia. De fato, há uns anos que não se verificam situações semelhantes àquelas que propiciaram as imagens a que inicialmente me referi.
Com a tranquilidade possível que as soluções tecnológicas nos transmitem, sei que, com períodos de retorno possivelmente maiores, é muito provável que ocorram novas grandes cheias no Douro.
Para essas circunstâncias, é necessário que os cidadãos de Peso da Régua e da região duriense ribeirinha estejam preparados, com comportamentos e atitudes adequadas, quer face à ocorrência, quer à sua prevenção.
Se bem que essa preparação possa ser efetuada por muitas instituições, desde a escola à universidade, passando pela comunicação social e outras, é indiscutível a relevância que os bombeiros poderão ter na mesma, para além da sua inestimável capacidade e prontidão nessas emergências."


Major-General  Arnaldo Cruz
Ex-Presidente da Autoridade Nacional da Protecção Civil

Café Aquário

Foto: josé alfredo almeida



sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa

que tudo o que soubesse não o saberia.

Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.

Manuel António Pina

Alguém

Foto: José Alfredo Almeida

sob este rio real
o rio que me arrasta, de palavras,
corre dentro de mim ou fora de mim?
O que pensa? Estou lá, ou está lá alguém?

Manuel António Pina

Museu do Douro-13

Foto: josé alfredo almeida

Casas brancas

Foto: josé alfredo almeida



Vão rareando, no meu país vinhateiro, as casas de pedra e cal. As que existiam, envergonhando-se de ser velhas, trataram de se vestir à moderna, substituíram o antigo reboco, alvo de neve, por argamassa no trinque, pintada de cor estapafúrdia.
Casa  de paredes grossas, frescas no Verão duriense, tão cálido, e tépidas no Inverno, tão frio entre nós, cedem o passo  a casas de paredes finas como papel de seda - trespassadas de calor e frio, neste nosso clima de rigores extremos.
Casas de poiais de alvenaria, do lado de dentro de cada janela, foram amputadas, à voz dos mestres de obras, desses bons assentos, que dispensavam cadeiras.
Do lado de fora de cada janela,  às duas bandas saíam da parede mísulas de pedra, onde podiam assentar, para cravos e jardineiras, vasos rústicos improvisados.
(...)
Casas brancas, de pedra e cal, enxameavam no Douro. Riam, como dentes alvos de neve, por entre a folhagem que tapeta os nossos declives. Hoje, borradas de várias cores, não sobressaem. Morrem...



João de Araújo Correia

Anúncios do comércio reguense-1



Ir à História da Régua



Ir à história a Régua não é título para aconselhar um livro de memórias ou sobre o passado da nossa terra, hoje cidade.

Ir à História da Régua é antes uma pequena viagem pelas ruas da cidade entre a nossa estação do presente e a estação  dos nossos antepassados, a do passado mais recente, isto é, aquele que abrange todo o  período do séc. XIX, quando a Régua fez uma  grande urbe  e se tornou no mais importante importante centro comercial e de negócios de vinhos de toda a região duriense.

Ir à História da Régua ....é poder sair da actual Rua da Ferreirinha, da Biblioteca Municipal e voltar à Ameixoeira e ao  Palacete Costa Pinto,  a residência familiar de uma importante família reguense.

Mas, a Régua pouco ou nada sabe do Dr. Manuel Costa Pinto que no seu concelho foi um  líder carismático do Partido Progressista, distinto advogado que,  ainda no tempo da Monarquia, se destacou como Presidente de Câmara  Municipal da Régua.

Mais tarde, com o casamento da sua filha com um jovem médico de outra grande família reguense, a dos Barretos, também eles ligados politicamente aos progressistas, que tinha um próspero comércio, o edifício continuou a ser uma residência familiar e passou a ser conhecido, até ao nosso tempo,  por o  Palacete dos Barretos.

Hoje, este  belo edifício é uma casa pública e  da cultura reguense - aqui fica a nossa Biblioteca Municipal 

José Alfredo Almeida

O meu Moledo-16

Foto. josé alfredo almeida


"Quando, há tempos, ouvi dizer que se iam  restaurar e dinamizar as Caldas do Moledo, fiquei de olhos piscos, na velha expressão da dúvida. Mas, há dias, vindo do Porto, dei conta de uns inequívocos movimentos preparatórios das obras. Abriram-se-me os olhos de crédito e satisfação. Cheguei à Régua com dois sorrisos, o meu e o do meu pai. João de Araújo Correia teve especial carinho pelas Caldas do Moledo. Sobre elas escreve crónicas de receio na sua decadência e de crença na sua vitalidade. Eu próprio herdei esse carinho. Nunca lá passo sem olhar para a casa onde nasceu o meu avô Correia e sem recordar tempos áureos a que ainda pude assistir."

Camilo de Araújo Correia  

Banhar os pés

Foto: josé alfredo almeida

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A Menina do Rio




O rio da minha infância
É sempre meu companheiro.
Não há tempo nem distância
Que façam dele estrangeiro.

Nele está o meu começo
Entre montes feitos vinha.
Sempre que a ele regresso
Já não me sinto sozinha.

As pontes que o atravessam
Miram-se, vaidosas, nas águas.
Por elas barcos navegam
Em gincana com as fráguas.

Juntos seguimos os dois
Rumo a uma foz distante.
A dele, no mar murmurante,
A minha, no sem depois.


Ana Ribeiro

Raios de Sol

Foto: josé alfredo almeida

Vidas difíceis - O Douro 250 anos depois...





"Douro, Um vinhedo milenar. O "país vinhateiro", como lhe chamavam, outrora os ingleses. Uma paisagem monumental onde se confundem a natureza e a história. Uma cultura transmitida de geração em geração para criar vinhos de excelência. Poucas regiões ostentam uma identidade tão vincada. Uma vocação e um destino. Da  terra e dos homens.
(...) 
Por tudo isso, a celebração dos 250 anos da Região Demarcada do Douro só terá verdadeiramente sentido se assinalar, mais do que uma efémera evocação do passado, um compromisso para o futuro. Se for capaz de sensibilizar e mobilizar as forças vivas da região e os poderes públicos para se empenharem na criação de condições que assegurem a preservação do património e a sua transformação num valor de recurso que se reflicta no desenvolvimento efectivo e equilibrado do território regional e na melhoria das condições de vida das populações.
(...)
E, sobretudo, é preciso entender que uma paisagem cultural viva não existe sem as pessoas. São estas que lhe dão conteúdo e significado."



Gaspar Martins Pereira 
Professor da FLUP

Memórias de um craque




À memória Eurico Patrício, que foi um notável jogador da equipa principal  do Sport Clube da Régua. Ele que,  no seu tempo, era um verdadeiro craque da bola!
Também será recordado por nós como um cidadão exemplar,  que fez o bem, em especial aos Bombeiros da Régua,  que o consideram  um amigo para sempre e um generoso Benemérito. Com um sentido elevado de cidadania activa pela terra onde sempre viveu até morrer, ele destacou-se como vereador num dos primeiros executivos da Câmara Municipal do Peso da Régua. Mas ficou mais conhecido por ser um bom e exigente professor do ensino primário de várias  gerações de reguenses. Morreu no hospital de Vila Real e o seu corpo ficou sepultado no cemitério de Poiares. 
Ao professor Eurico Patrício, como era  carinhosamente tratado por todos, a Régua deve mostrar a sua  gratidão e, quanto antes, para que não seja esquecido, uma sentida HOMENAGEM!

Moldura do tempo

Foto. José Alfredo Almeida


ser um rio de águas lentas
sólidas e sonolentas
tão devagarosas
que escapam da moldura do tempo

Mia Couto

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Regressar a casa

Foto: josé alfredo almeida


regressar a casa
despir o véu da rua
subir os outros

degrau a degrau
deixá-los
no cimo dos dias

ali
imóveis, pintados
sem doerem

e ir à procura das palavras
das fiéis palavras
que nos esperam

que nos esperaram sempre
com um vinho forte na mão
uma droga

ou um sonho
ou apenas
um sonho

ou então um cavalo
um louco cavalo
uma máquina iluminada

de fugir
de ir
pelo gume mais aceso das montanhas

e voltar
pela maré serena
dos rios

gil t. sousa

O Padre Amaro

Foto:josé alfredo almeida

"Há quem diga que o Padre Amaro, produto de Leiria, é o melhor livro de Eça de Queirós. Assim o proclamam os especialistas em génese literária. Afirmam que o Amaro foi o único livro que Eça de Queirós trouxe no ventre. Salvo seja....
Fosse como fosse, aqui se deplora que o bom Manuel de Boaventura não tenha difundido, que não difundiu, as notas coligidas em Leiria sobre Eça de Queirós, que por ali passou, pela cidade do Lis e de Rodrigues Lobo, como administrador do concelho - no tempo em que havia administradores do concelho.
O espírito de bisbilhotice tem desculpa quando se trate de vultos literários como Eça de Queirós. Permite espreitar o cérebro de autores, ver como neles se gerou uma grande obra. É útil ao sábio, que lhe permite mais sabedoria, e ao ignorante, curioso do fenómeno literário. Sempre lhe dá umas luzes...."
           2-6-73

           João de Araújo Correia in "Pontos Finais"

Entre as nuvens

Foto: josé alfredo almeida

Hoje

Foto: josé alfredo almeida

O rio fora das margens

Foto. josé alfredo almeida

Aqui sentado

Foto: josé alfredo almeida

Aqui sentado.
Enquanto o sol pestaneja nos charcos que ontem
quebraram a eterna simetria do pátio
onde todos os dias ao entardecer
fazíamos ginástica uniformizados,
azul e branco, entre quarenta
meninos sufocados nos seus gritos,
nos seus anseios para cada um ser
o mais hábil, mais veloz, mais forte,
para ser o mais inutilmente livre.
Aqui sentado.
Enquanto sofrias a chuva
por não ser bastante para inundar as caves
e arrastar consigo
o cavalo de arções, as barras, as paralelas
que nunca puderam sustentar-me
e apagar a sua memória, que ninguém
soubesse alguma vez que existiam
tais artefactos de tortura inocente.
Aqui sentado.
Enquanto rezavas – sem saber a quem.
Tu já não acreditavas, mas sim, era necessário
acreditar no inferno – e sentias
galopes de formigas correr pelo teu ventre
e rias, sem qualquer vontade, das piadas de algum companheiro
e esperavas.
Aqui sentado.
Enquanto observas a gente que passa
o sol pestaneja nos charcos
e já não importa. É festa
neste entardecer.

marc granell 

Tarde de Inverno-3


Foto: josé alfredo almeida