sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

De volta à Flor do Adro


 Flor do Adro



O último grande incêndio na Régua aconteceu nua noite fria  Dezembro de 2008 em que  ardeu um velho prédio, onde no seu rés-do-chão estava instalado o café-salão de chá Flor do Adro. Quando  soube do incêndio já quase nada dele restava, apenas eram visivéis as ruínas. 
Ainda a horas sonolentas da  madrugada, quando me desloquei para o Largo do Cruzeiro. Já cheguei com o incêndio a devorar o telhado,  e logo  vi que nada mais havia para fazer, ou se pode salvar. Havia muito fumo e os bombeiros procediam às operações de rescaldo do incêndio. Tive de conter as minhas emoções para evitar umas lágrimas de dor e de tristeza, mas o coração deamblou no meio daqueles destroços  e fez reviver as algumas  das miunhas  memórias a passadas e vividas intensamente neste café.
A  Flor do Adro era  o meu café, o meu ponto de encontro com os meus amigos, colegas, os meus clientes e muitas amigas muito especiais.  E, naquele momento eu sentia que  era o fim de mais uma mítico café da minha terra, da  Régua,  era  o fim de um tempo, o nosso presente. E, de um momento para o outro, aquele café era o meu passado, o passado colectivo de gente anónima que tinha vivido intensamente aquele nobre espaço como fosse a sua morada de família, onde entravam e saíam como se fossem donos, tivessem a chave da porta principal, quer isso fosse no tempo das gélidas noites de inverno, dastardes primaveris e luminosas ou das noites escaldantes dos verões que abrasam a cidade com altas temperaturas, quase sempre acima dos  40º graus - que apetece  ficar pelas noites dentro - esperando por um empregado para servir  umas "cucas geladas".
Já nada seria como dantes, mesmo que se admitisse que se poderia mudar a For do Adro para outro lugar, lhe copiassem o desenho harmonioso do seu espaço revestido de madeiras de castanho e de muito boa qualidade, lhe levassem o seu dono e a sua gerência de afectos e os  melhores empregados que trabalharam no café, como o Paulo (quem nos diz a sua alcunha?), o Fernando (e a sua alcunha carinhosa, lembram-se?) e a genica de um profissional do ramo como "grande" Américo. 
Na verdade, ninguém conseguiria levar um café como este, inimitável por ser uma obra de um artista, um operário que nasceu com mãos e um notável génio para a carpintaria de madeiras preciosas e que o concebera para, não para um qualquer um cliente de passagem, mas para realizar os sonhos e os desejos dos seus melhores amigos. 
Foi na Flor do Adro, naquelas cadeiras revestidas de almofadas verdes (ou seriam almofadas azuis?ou seriam vermelhas?), sob uma luz esbatida nas muitas sombras que ali se viveram grandes emoções.... De tudo um pouco, aconteceu e não há nem mistérios que se tenha de ocultar ou não revelar, bem pelo contrário, há coisas que podem escapar às memórias mais infalíveis, mas nunca serão esquecidas.
Como aquelas onversas de negócios pequenos e chorudos, as eternas discussões de futebol, os resultados do jogo de domingo do sempre empolgante Porto-Benfica (e, às vezes,  do Sporting), aqueles comentários das épocas do velho Sport Clube da Régua; aqueles os segredos e os  mexericos do quotidiano de uma cidade mergulhada na pacatez provinciana; aquelas confissões apaixonadas e todas as juras eternas o muro que ladeia a Capela do Senhor do Cruzeiro e muitas  histórias de amor que  ali começaram com  a primeira namorada e o momento do primeiro beijo...
A Régua perdia, de um momento para o outro, o mais bonito café de todos os tempos, um inesquecível espaço de bem-estar e de convívio social, frequentado por uma geração de reguenses irreverentes, sonhadores e que aí viveram momentos felizes e eternos.
Não resisto em relembrar  aqui as memórias de um anónimo frequentador desse lugar  que, em boa verdade, nos faz crer que hoje - todos nós somos  a grande razão de ser da existência daquele café que (foi) a Flor do Adro:"Sempre que lá passarmos, vamos recordar aquele muro cheio de gente, de copo na mão, de sorriso nos lábios, onde se falava de tudo. Podem fazer parecido, igual... jamais. Que dias e noites ali passamos. Dias felizes e noites fantásticas. Nunca esquecerei esses momentos. Nunca repetirei essas alegrias e vivências. Agora, façam o que quiserem daquelas cinzas. Está lá a história de muita gente. E gente boa.”

José Alfredo Almeida

4 comentários:

  1. Lugar de saudade. Os seus fundadores e primeiros donos, emigraram para a Austrália, o Germano já falecido e a São que ainda vive em Sidney. Depois o saudoso Arnaldo já falecido. Muitos amigos, mil histórias por contar, bons momentos para recordar.

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  2. Era o meu café, apesar de estar longe, quando ia à Régua era lá que encontrava os meus amigos. Onde se reúnem agora?

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  3. Tanta história ficou marcada naquelas paredes... tão bons momentos vividos. Saudades mais que muitas.

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