Foto: José Alfredo Almeida
"Conheço o Marão desde que me conheço. Nasci diante do seu
vulto, quero que a sua presença me acompanhe até ao fim. Para o ver,
saio de casa e meto-me a caminho. A poucos passos do Peso, bairro alto
da vila em que trabalho, já o descortino.
Sobressai, vestido de azul, das vinhas que o cercam. Esbate-se à luz
diurna. Mas, à tardinha, a sua cumeada é um nítido desenho. É a figura
de um morto colossal, guerreiro de alta estirpe, talvez o rei da
montanha reclinado no seu último sono. Tem, sobre o ventre, o escudo da
última batalha.
Desde pequeno que me habituei a venerar o Marão –
quer me pareça um guerreiro, quer um cetáceo ou uma safira. Diante dele,
sou contemplativo. Na luta pela vida, muitas vezes me empece o vinco
desse devaneio, dolência adquirida ao sair do berço. Dói-me,
poeticamente, o aro de montanhas que o Marão domina sem palavras para
ser obedecido. Não posso ouvir dizer que é feio… É crível que o seu
núcleo seja espectral. Mas, as terras que lhe dançam em redor, que
lindas são! Será feia a Campeã? Será hediondo o alto de Quintela? Será
horroroso o vergel chamado Sedielos? Sem se falar agora de Candemil e
outros povoados alegres, que vão descendo, na liteira de Camilo, em
busca de Amarante. São claridades cercadas de arvoredo novo."
João de Araújo Correia, in "Horas Mortas"

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