Erguem-se a voz estrídula dos sinos
num longo
baladar
E a distância brilhou, sinistramente,
Um clarão, que tingiu a luz do luar
de laivos
purpurinos.
“Fogo! Fogo!”-alguém diz com aflição.
E logo a pobre gente do lugar,
toda cheia de espanto e de canseira,
Pôs-se a correr, gritando, em direcção
da medonha
fogueira.
O incêndio crepitava
e, batido do vento, devorava
Uma pequena casa arruinada.
E, perto, uma mulher d`olhar aflito
erguia as mãos ao céu calmo e infinito
a chorar e a gemer desesperada.
Ali, em meio da fogueira, tinha
essa mulher um filho, a criancinha
mais bonita da velha povoação,
e o fogo, em seu horrível avançar,
iria dentro em breve transformar
o seu pequeno corpo num carvão.
Metia dó a pobre mãe! Mas como
Salvar-lhe o louro e cândido filhinho,
se a labareda e o
fumo,
num espantoso e horrível torvelinho,
ameaçam devorar rapidamente
quem se abeirar dessa fornalha ingente?
Podes chorar, mulher! ninguém te acode.
Chora, que és mãe; mas vê que ninguém pode
esse anjinho das chamas libertar.
Olha: em meio da tétrica fogueira
anda a morte, feroz e traiçoeira,
a acenar, a
acenar…
Mas nisto, junto ao prédio incendiado
surge um homem soberbo de valor.
A multidão ansiosa solta um brado
de espanto e
terror.
Ele caminha sempre com firmeza
e a intrepidez estóica dos heróis;
escala a casa em chamas com presteza,
escala a casa em chamas…e depois…
depois desaparece.
E a pobre mãe aflita cai de bruços
A murmurar baixinho, ente soluços,
Uma prece…
Na multidão, silêncio. Só se ouvia
um secreto rumor, que parecia
o palpitar de muitos corações…
Senhor! És pai e cheio de bondade!
estende lá do azul da imensidade
O teu olhar repleto de perdões!
E eis que em meio trágico do braseiro
surge a figura altiva do bombeiro
Trazendo ao colo o pequeno ser.
Passou…desceu…e dentro em pouco, ansioso,
depositava o fardo precioso
no regaço da pálida mulher.
Este poema está publicado no Boletim “Vida por Vida” da AHV do Peso da Régua.
Camilo Guedes Castelo Branco foi Comandante dos Bombeiros da Régua (1930-1949), mas foi também um poeta reconhecido com obra diversa em jornais e um livro publicado em vida com o título de Fraternalis Dolor. Sobre o poeta, o escritor João de Araújo Correia, no seu livro Lira Familiar, disse o seguinte: “Poeta lírico de altíssimo talento, pedem colectâneas, há muitos anos, os seus dispersos. Com eles se poderia formar um delicado ramo de flores”.

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