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| Quartel Delfim Ferreira |
Falar das minhas memórias dos
Bombeiros Voluntários do Peso da Régua é recuar no tempo e mergulhar no mais
fundo de mim, tal é o entrosamento entre a sua história e a minha meninice.
Tive sempre uma admiração enorme
pelos "soldados da paz", por aqueles homens que, de forma solidária,
voluntária e abnegada, acorriam ao chamar da sirene para socorrer o próximo.
Das primeiras memórias que tenho é
de estar ao colo do meu pai a ver o fogo num edifício - que era cor de rosa -
ao fundo da rua do latoeiro, perto do cruzamento com a Avenida João Franco.
Dividida entre o medo e a sedução, lembro os tons avermelhados das labaredas e
a correria, entre escadas e mangueiras, daqueles homens que tentavam dominar
aquele monstro em chamas.
Recordo o entusiasmo com que o
Bairro dos Bombeiros começou a ser sonhado - o meu Pai era Presidente da
Direcção e o Sr. Cardoso era o Comandante - com o intuito de dar aos que
serviam os outros condições de habitabilidade condignas e ainda por cima perto
do Quartel.
Recordo os desfiles em dia do
aniversário, com os capacetes a reluzirem, os carros lavados e as fardas
impecáveis. A minha mãe, pouco dada a devoções de outros santos, punha sempre
uma colcha na janela, dizendo-nos que aqueles "santos" de carne e
osso mereciam tal honra e reconhecimento. Ainda hoje me saltam as lágrimas
quando vejo um desfile de Bombeiros! O Sr. Cardoso marchava à frente e ainda
recordo a figura do Sr. Claudino, em lugar de honra, nobre, solene, mas tímido:
a prova de que quem é realmente GRANDE permanece humilde!
Naquele tempo em que as mulheres
ainda viviam na sombra dos homens, acalentei, junto com as minhas irmãs, o
sonho de um dia ser Bombeira. O Sr. Cardoso, com bonomia, dizia que aquelas
tarefas não seriam próprias para meninas, mas que sempre poderíamos - quando
crescêssemos - vir a ajudar no transporte de material ou em tarefas de
arrumação. Viveu o tempo suficiente para ver as Mulheres serem bombeiras e
tropas e juízas e diplomatas, trabalhando a par com os Homens e provando as
suas capacidades! Como o mundo mudou!
Depois acompanhei outro sonho: o da
ampliação do Quartel. Obra de arquitectura notável, o Quartel encheu de orgulho
os que dirigiam e dignificou os que ali trabalhavam, propiciando melhores
condições de socorro e de operacionalidade.
No andar de cima existia uma
Biblioteca em que passei largas horas, vasculhando novos livros e entretendo-me
a viver com as personagens em cenários imaginados, num tempo em que se vivia
sem computadores e a televisão era a preto e branco. Também namorei alguma
coisa, enquanto esperava a abertura, ao cima das escadas, onde o recato e o
sossego alimentavam o enamoramento de quem tem 15 anos!
Com imensa emoção acompanhei a
realização do XXIV Congresso dos Bombeiros Portugueses. A Régua, por esses dias,
parecia uma cidade cosmopolita, e a rotina dos dias foi animada pelas
celebrações. Relembro a Missa campal, celebrada em frente ao Tribunal e o
desfile de todas as corporações: nessa altura é que foi chorar a valer!!!!
Aprendi com os Bombeiros a ser solidária,
a dar sem pedir nada em troca, a socorrer sem perguntar a quem, a respeitar
todos e cada um e a considerar todos como iguais porque no sofrimento a alma
humana não tem títulos, nem dinheiro, nem condição social!
Não posso deixar de referir, porque
essa imagem me inunda a memória e me traz uma imensa saudade, a figura do
Comandante Carlos Cardoso, que era, sobretudo, um Homem Bom. A sua figura
distinta e elegante e o seu coração de oiro são uma referência da minha vida.
Nós vivíamos na Rua da Ferreirinha.
Em linha recta, a nossa casa ficava a cem metros do quartel. Por isso, às
vezes, em noites raras de insónia, ainda julgo ouvir a sirene, rompendo o
silêncio como um grito aflitivo. Nós - quatro miúdas de idades próximas -
aproveitávamos sempre a oportunidade para nos metermos na cama dos Pais ou da
Avó, porque tínhamos medo daquele toque e íamos sempre à janela tentar
descobrir onde era o fogo. Na negrura da noite, a visão das labaredas nos
montes de Loureiro ou de Fontelas era dantesca e alimentava as primeiras
representações do Inferno que a nossa imaginação de meninas era capaz de
elaborar.
Memórias doces são as que guardo dos
Bombeiros da Régua. Terra onde nasci e onde me fiz mulher e onde gosto de
voltar para mergulhar no oiro do rio, na calma dos montes e no bordado das
vinhas.
Desejo que a terra seja capaz de
continuar a honrar os seus Bombeiros e que estes continuem a servir com a mesma
grandeza e a mesma dedicação.
Para mim fica sempre a doçura das
memórias!
Lisboa, 29 de Maio de 2012
Paula
de Menezes Soares

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