A nossa serra

Foto: josé Alfredo Almeida

"Não precisamos de sair do nosso concelho para avistar o Marão em sua cristalina formosura. De Poiares, é uma safira engastada num aro de montanhas. Aqui de cima, do Fial, lembra um pano rico, adaptado à estátua dormente de um colosso. Chegados a Mouramorta, idos de Loureiro, caímos em êxtase diante do seu vulto. Sobre as ubérrimas chãs de Sedielos, caem a prumo ravinas agressivas e misteriosas. Casa-se a graça com a severidade num silêncio augusto. A alma suspende-se, voa como águia naquele espaço audacioso e tranquilo.

O Marão é a nossa serra. É a muralha que nos separa do mundo, fazendo de nós um mundo à parte. Separa o transmontano do minhoto como se dividisse a violência da amenidade. Tempera o nosso carácter, sublima o nosso vinho, dá ao nosso clima altitudes do céu e profundidades de abismo. É ele o nosso autor - bons ou maus como somos.

Devemos querer-lhe, porque é o nosso monte e porque, em boa verdade, nenhum haverá  mais belo do que ele.

É injusto que nós, reguenses, tão mal o apreciemos, tão pouco o frequentemos. Se parte do seu território é território nosso, custa a crer que nem o olho do proprietário nos convide a uma visita. Olhamos de longe e de esconso para ele como quem desperdiça metade da pupila, em hora feriada, com um traste bonito, mas inútil. Ficou-nos de crianças este prolóquio: não dá palha nem grão.

Mas, nem só de palha e de grão vive o homem...

O Marão, à parte a sua riqueza intrínseca, pouco explorada, é um filão de tesouros espirituais. É um eldourado para o poeta, o artista e o estudioso.

(...)

O Marão é um enjeitado.Principalmente por nós, reguenses...Nem sequer ali vamos em Julho, ver nascer o sol e levar um ramo de cravos à Senhora da Serra no seu dia, entre romeiros da mais perfumada romagem da terra portuguesa."

João de Araújo Correia in "Pátria Pequena"

PS- Foi no dia 1 de Janeiro de 1899 nasceu que João de Araújo Correia nasceu, pelo que se completam hoje 115 anos após o seu nascimento.