"Na Régua, parte baixa ou ribeirinha da actual vila do Peso da Régua, não há ruas muito antigas.
Ainda hoje se chama Rua Nova à do Marquês de Pombal. É provável que as suas casas tenham sucedido à construção, em 1790, dos armazéns da hoje chamada Companhia Velha - Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro.
Mais velha que a Rua Nova deve ser a Rua Direita, que veio a chamar-se das Vareiras e, mais tarde, Rua Custódio José Vieira. Mas, antes de haver a Rua Direita, deve ter existido, como lugar povoado, o do Parreiral, na hoje Avenida de João Franco.
Parreiral, Rua Direita e Rua Nova foram moradia de comerciantes vareiros, entregues ao negócio de sardinha e sal.
Da Rua Direita devem ter irradiado para a actual Rua da Ferreirinha, então chamada da Ameixoeira ou Ameixieira. É crível que a tenham edificado para se elevarem do sal e sardinha à mercearia geral de secos e molhados. Sangue vareiro, ao balcão, abundou na Rua da Ferreirinha até há pouco tempo.
Antes da fundação da Casa do Douro, sofreu a Rua da Ferreirinha grande crise comercial. Ia degenerando em Rua Morta. Hoje, é rua de grande vida. Mal suporta o trânsito de veículos e peões.
Rua muito nova, diziam os nossos pais, era a Rua dos Camilos, que então se chamava da Bandeira. Diziam eles que lhe tinham assistido ao nascimento, em terrenos que então pertenciam à Casa da Bandeirinha, do Porto.
Até há pouco tempo, quase todas as casas da Rua dos Camilos pagavam foro à Bandeirinha.
Na Rua da Bandeira se estabeleceram, com ricos armazéns, prósperos negociantes de vinhos, quase todos oriundos da Galiza.
Pergunto agora que mal ou que bem fizeram os Camilos para merecerem o nome nas esquinas da Rua da Bandeira. É de supor que não tenham feito nada, que se tenham limitado a ser caciques.
Mais valia, penso eu, ter-se mantido o nome de Rua da Bandeira. Sempre lembraria uma casa de grandes tradições, sacrificada com um assassínio no tempo dos Franceses."
João de Araújo Correia in jornal O Arrais, de 27 de Janeiro de 1981
Minha nota (muito) pessoal:
Quem foram estes Camilos, que o escritor apelida de caciques, isto é, de notáveis pessoas que, no seu tempo, tiveram grande influência na política e na sociedade reguense?
Esta pergunta fizeram-ma dois alunos do 8º ano de escolaridade da Escola Secundária Dr. João de Araújo, os quais vieram ao meu escritório com o propósito de me pedir umas informações seguras que os ajudasse a desvendar a identidade dos Senhores Camilos, os tais caciques que deram o nome à Rua dos Camilos.
Como não tinha uma resposta pronta que permitisse desvendar tão obscuras personalidades, socorri-me da História da Vila e Concelho do Peso da Régua, de José Afonso de Oliveira Soares.Depois de muito o folhear, encontrei umas muito ligeiras referências à existência de um Camilo de Macedo e de um Camilo de Macedo Júnior, ao que cremos ser pai e filho.
Sendo a informação do historiador muito escassa, apenas ficamos a saber que, no ano de 1856, um Camilo, ter sido um político local, certamente militante do partido regenerador. Este Camilo, se mais não foi, pelo menos, distinguiu-se como vereador num executivo da Câmara Municipal do Peso da Régua. Por sua vez, o Camilo Júnior foi um dos mesários ou conselheiros que fizeram parte da administração do Hospital D. Luz I, inaugurado no dia 16 de Novembro 1873.
Sei bem que a pequenez dos meus conhecimentos - bem como a erudição incompleta do livro de Afonso Soares - desiludiu estes dois pequenos cidadãos reguenses, ávidos de saber para desfazerem um monte de interrogações e dúvidas sobre o passado da cidade onde nasceram, vivem, estudam, brincam e sonham ser alguém. E, sobretudo, que sentiram que ambos falhámos - mais eu que o historiador - a traçar um retrato mais detalhado dos seus antepassados e que, hoje, são meramente umas personagens misteriosas, apenas com o seu nome e glória inscritas numa esquina de uma rua, como que ainda presas às suas vidas, e de todos nós reguenses, por um fio da eternidade.
Mas, do pouco que a história da nossa terra guarda e nos lega, estes pequenos estudantes já aprenderam que o conhecimento da história lhes pode dar um chão mais sólido. Ao despedirem- se de mim, o seu olhar atento e a luzir de curiosidade dizia-me que tinham também aprendido que a lição mais importante, e talvez a mais difícil para as suas vidas, será o de compreenderem alguns dos principais dramas sociais e humanos nas incertezas do tempo presente e do seu futuro. O que é uma disciplina ou uma matéria que a escola não lhes ensina e que nem sempre vem escrita em nenhum dos seus livros!
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