terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Cónego




Ouvi falar deste romance de Pires Cabral, com rasgados encómios, num encontro promovido pelo Grémio Literário Vila-Realense. Fiquei com curiosidade e meti-me à leitura.
Abençoada hora em que iniciei a leitura, porque foi página atrás de página de prazer. Naquela expectativa inicial de leitor, propus-me adivinhar o fio da trama romanesca: o celibato clerical. Uma dúzia de páginas viradas, nem tanto talvez, e a bússola, dando um forte esticão, revela outro norte: a singela, mas inquietante busca da verdade.
Um jovem sacerdote ouve falar, de todos os quadrantes, do cónego Ochoa, a uns com simpatia, com admiração até, a outros com vitupério e desprezo. A figura do cónego apaixona-o, entusiasma-se com a descoberta da sua figura autêntica. Quanto mais ouve a respeito do cónego mais cresce a sua curiosidade sobre essa figura, que a uns exalta e a outros amesquinha. A vida porém, troca-lhe as voltas. Os testemunhos que lhe chegam não encaixam uns nos outros, alguns até se repelem. A curiosidade sobre a personalidade do cónego transforma-se em paixão pelos passos da verdade. A pessoa do cónego passa a pretexto de descoberta da verdade. Se os testemunhos não coincidem, se até se contradizem, quem falará verdade? Quem falará mentira? Ou dirão todos a verdade? Ou será mentira o que uns e outros dizem? O que é a verdade? Onde está a verdade? No meio de todas estas interrogações, o personagem principal, disfarçado de narrador em primeira pessoa, acaba por desistir do seu propósito inicial de encontrar a verdade, constatando, que a sua pesquisa o põe diante de dúvidas cada vez mais numerosas.
A linguagem, uma linguagem solta, simples, fluida, cristalina, salpicada de muita tipicidade regional.
Um romance quase policial, que não chega a sê-lo. Antes um romance, na sua simplicidade, profundamente existencial. A Verdade apaixona toda a gente. Principalmente num tempo em que encontramos a mentira por todo o canto, sentimos a falta da verdade, amedronta-nos o cairel do abismo de que a sociedade se está a aproximar criando a desconfiança entre as pessoas pela substituição da verdade pela mentira.
Haverá mais? Julgo bem que sim. Qual será a dimensão autobiográfica semeada pelas trezentas e dezoito páginas? Um tema altamente polémico o da presença de traços autobiográficos numa obra de arte. Parece-me incontestável a sua presença em múltiplos passos da obra em apreço. Deixemos, no entanto, essa questão reservada à intimidade do autor, apesar de nos acompanhar a certeza de que numa obra de arte o autor expõe-se, ou fala, mais de si do que de qualquer personagem do enredo dramático. Não é Lobo Antunes que diz:”eu estou nos meus livros”? Mais do que contar histórias, pelo meio das muitas histórias, o autor vai contando a sua própria história aos bocadinhos.
Não sei se é pelo facto de a busca da verdade também nos tocar a nós, se é pelo facto de nos encontrarmos mais perto do autor que este livro nos encanta da primeira à última palavra. 

Damas da Silva

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