Foto: josé alfredo almeida |
"Para os arqueólogos, a Régua é povoação antiquíssima. Data, pelo menos da denominação romana que lhe deu o nome - Villa Regula. Mas, a Régua que hoje se estende à margem direita do Douro, no sopé da colina a que chamam Peso, é povoado tão novo, que se lhe pode assinalar, como a qualquer de nós, o dia do nascimento. Veio ao mundo a 31 de Agosto de 1756 - data da fundação da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro. Este acto do Marquês de Pombal e, em 1790, a construção dos armazéns da Companhia deram origem à Régua actual. Se outra ou outra existira, em remotas eras, jaz soterrada. Se outra ou outras, por assim dizer, no mesmo lugar demoraram - tinham fenecido. A última, de que há alguma notícia, despovoara-se no começo do século XVIII - provavelmente devido a uma das tremendas crises periódicas da lavoura duriense.
O Marquês de Pombal, criando a Companhia, remédio económico de ocasião, criou a Régua do nosso tempo. Atraiu o lavrador, liberto do mau comércio, a uma casa benigna como compradora ou orientadora.Junto dessa casa, levantaram-se as primeiras tendas, tabernas, alquilarias, mercearias, depósitos de sal e de sardinha.
O rio era o veículo do vinho para a barra do Porto e, do Porto para cima, o recoveiro de mercadoria úteis ao vinicultor. A Régua, que fora um deserto, fez-se ancoradouro de toscas naus de levar e trazer material e passageiros.
Estabeleceu-se, à beira-rio, um empório comercial. A Régua, porta aberta para duas províncias, Trás-os-Montes e Beira Alta, forneceu-lhes o necessário e o supérfluo. O Vareiro, que então apareceu, tomou a seu cargo o abastecimento de dois produtos do mar: o sal e sardinha.
O Marquês de Pombal, decretando a Companhia, reconstruiu a Régua. Mas, quem a povoou foi o Vareiro. O Vareiro e Galego...O Vareiro dedicou-se ao comércio. Do monte de sal, pinchou para o negócio de toda a casta de víveres. O Galego, que fora cavador, fez-se taberneiro e, mais tarde, vinicultor de vinhos finos. Um e outro foram progenitores da Régua de hoje. Mas, do Galego, já me ocupei, num livrinho que anda esquecido e se chama Sem Método. Do Vareiro, ocupo-me hoje pela primeira vez, cumprindo uma ideia que me vem de longe.
Tento esboçar, nesta palestra, a colonização da terra onde trabalho, nascida ou renascida por decreto do Marquês de Pombal, isto é, a Régua ribeirinha, que é a parte baixa da vila. À parte alta chama-se Peso. Mas, o Peso, embora ligado à Régua pela íngreme Rua de Medreiros, é povoação distinta. Não consta que tenha sofrido as vicissitudes da Régua, quanto a povoamento e despovoamento. Manteve-se, rural e fidalgo, como sempre foi. É uma espécie de aldeia grande, no topo da colina. A seus pés, fica a Régua, que sempre olhou com desdém. Lavrador, aristocrata, aborígene, considera a Régua uma intrusa alapardada atrás de um balcão.
Mas, ao passo que a Régua, pesando e medindo, enriqueceu, o Peso nunca passou da triste mediania. Peso da Régua, nome oficial de toda a vila, é burgo de dois burgo, duas étnicas, dois caracteres."
João de Araújo Correia in "Palavras Fora da Boca"
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