quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Um Senhor Cronista


Camilo de Araújo Correia

"A crónica de jornal é uma modalidade para-literária hoje muito em voga na imprensa regional, à semelhança aliás do que sucede na imprensa dita nacional de uma região maiorzinha...Mas isso levava-nos longe e exigia análises para as quais não estou agora virado - dando de barato que tivesse arcaboiço para as fazer.
Nenhum semanário dito da província dispensa pelo menos um cronista regular, ou colunista, como às vezes também se diz. Muitos têm dois, três e mais cronistas. Os cronistas falam disto e daquilo, comentam, criticam, exaltam, louvaminham. São aguerridos, gente de convicções fortes e palavra tonitruante ou simplesmente discretos como uma violeta. Às vezes inflamam-se e são agressivos; outras vezes comovem-se e salpicam  as colunas com lágrimas da sua comoção. Há os que comentam de papo a actualidade política, social, pedagógica, económica, o diabo a quatro. Há os que nos querem à fina força impingir o que leram nas suas sebentas.Há os que têm ideias fixas e voltam a elas, uma e outra vez,  semana após semana, mês após mês, ano após anos. Há os que manejam menos mal a língua portuguesa e os que lhe dão cada coice que é milagre que a pobrezinha ainda se tenha de pé. Há os rabugentos que resmungam por tudo e por nada e há os louvaminheiros para quem tudo são superlativos. Há os que caminham pelo seu próprio pé e os que não conseguem dar dois passos sem ser amparados à muleta das citações. Há os discretos e há os repolhudos. Há os de esquerda e os de direita e os do centro e os de parte nenhuma.
(...)
Contra mim falo, que ando nisto vai para vinte anos e reúno, ai de mim, tudo quanto de negativo acima disse, e muito pouco de positivo. Mas de quando em quando aparece um de nós cujas crónicas valem mesmo a pena e que salva, com elas, toda uma classe.
Um bom exemplo disse: Camilo de Araújo Correia, um senhor cronista da Régua, de quem lemos semanalmente uma belíssima (sem excepção) coluna no "Arrais". Camilo de Araújo Correia é escritor fino, feito no convívio com seu Pai, o saudoso  João de Araújo Correia, de quem herdou a veia. Mas nada de mais redutor do que aplicar aqui aquele detestável anexim "Filho de peixe sabe nadar". Camilo de Araújo Correia é escritor autónomo, com o seu estilo próprio, onde poderá acaso ecoar longinquamente o de seu Pai, mas sem que esse eco lhe perturbe a originalidade e a vis criadora.
Simplesmente não basta ser um fino escritor para ser bom cronista. Isso ajuda apenas no manusear das palavras. Para pôr substância dentro das palavras, é necessário muito mais: uma cultura geral vasta, um vasto comércio com o mundo, uma memória de elefante, uma elegância impecável, uma bonomia constante, disponibilidade para olhar à sua volta, argúcia na leitura dos tempos, capacidade de síntese mais do que de análise, bom senso e bom gosto,uma pitada de humor.Camilo de Araújo Correia tem de tudo às rebatinhas. Por isso se lêem sempre as suas crónicas como quem deixa derreter lentamente na boca um rebuçado da Régua.
Verdadeiramente o que se chama - um senhor cronista.

A. M.Pires Cabral 

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