Solicitou-me o dr. José Alfredo Almeida, presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua (AHBVPR), que, na minha qualidade de jornalista e investigador da temática dos bombeiros portugueses, contribuísse com alguns apontamentos, para o jornal O Arrais, acerca da instituição.
Confesso não se tratar de tarefa fácil, por duas ordens de razão: o longo período temporal a que se reporta a existência da Associação e a multiplicidade de factos e figuras que engrandecem os anais da sua história.
Porém, escrevendo eu estas linhas a partir de Lisboa, permitam-me que me ocupe de abordar os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua (BVPR) no contexto nacional dos vulgarmente designados “soldados da paz”.
Fundada a 28 de Novembro de 1880, 12 anos após a constituição da primeira associação de bombeiros voluntários em Portugal (Associação dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, por iniciativa do lendário maestro Guilherme Cossoul), a AHBVPR corresponde à trigésima mais antiga estrutura nacional do serviço de incêndios.
A sua primitiva denominação, Real Associação Humanitária, objecto de distinção concedida pelo rei D. Luiz I, em 13 de Julho de 1882, o mesmo monarca que atribuiu a Guilherme Cossoul o título de capitão-chefe dos bombeiros da freguesia dos Mártires, é um dos factos relevantes da história e que atesta a importância, reconhecida ao mais alto nível, dos BVPR. Mas também, já no regime republicano, a concessão, pela Chancelaria das Ordens Honoríficas Portuguesas, da Ordem de Benemerência (1930), da Ordem Militar de Cristo (1931) e da Ordem do Infante D. Henrique (1984), são igualmente três distinções de elevado significado.
Na verdade, ao identificarmo-nos com a marcha dos tempos distantes e a brilhante folha de serviço dos BVPR, reflexo da dedicação e competência de várias gerações de bombeiros e dirigentes, ressalta uma saudável curiosidade: o socorro prestado em pontos afastados da área específica de intervenção do corpo de bombeiros, de que é exemplo, entre outras, a cidade de Lamego, já no distrito de Viseu. Este é outro aspecto que, a nosso ver, atesta, por um lado, o espírito de missão e a solidariedade funcional dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua e, por outro, quanto o país, à época, no final do séc. XIX e princípio do séc. XX, se encontrava desprovido de recursos destinados à defesa de pessoas e bens.
É, portanto, a AHBVPR, desde 1880, considerada como sendo uma indispensável força de auxílio, por mérito da sua capacidade de resposta, traduzida em meios humanos e materiais, capazes de fazer frente à adversidade de quantos lhe batem à porta a solicitar a sua abnegada ajuda e a prestação do socorro.
“Saber para Servir”, qualidade inata
Tendo sempre, nos diferentes períodos da história, timoneiros culturalmente mais aptos a perspectivar o futuro e a promover a evolução dos meios operacionais, parece-nos que tal particularidade concorreu positivamente para a afirmação do corpo de bombeiros, assim como de outras vertentes complementares na esfera do associativismo cujas incidências lançaram com sucesso a instituição no tecido sociocultural da cidade do Peso da Régua.
Entre os vários registos fotográficos que me foram disponibilizados, seleccionei os magníficos testemunhos que se publicam, reportados aos anos 50, porquanto os três momentos de instrução ilustram a vontade de “Saber para Servir”, expressão mais ou menos recente adoptada como lema da Escola Nacional de Bombeiros.
Contrariamente ao que alguns locais possam supor, e a avaliar por aquelas mesmas fotos, os BVPR apresentavam-se muito actualizados para a época, não ficando atrás de qualquer um dos corpos de bombeiros, ditos mais evoluídos, de Lisboa e arredores, e que, então, começavam a viver o fenómeno da expansão urbana, não dispondo, na sua maioria, de meios compatíveis com a nova e crescente realidade.
O próprio serviço de saúde, que somente no limiar dos anos 50 começou a ter maior incremento, a nível nacional, na actividade dos corpos de bombeiros, já era motivo de preocupação do ponto de vista formativo. Veja-se a imagem em que os dois bombeiros colocam o sinistrado no interior da ambulância.
Foi inclusive naquele tempo que nos parece terem os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua assumido uma projecção diferente no todo nacional dos bombeiros, nomeadamente a partir do momento em que assume a liderança do corpo de bombeiros o prestigiado e saudoso reguense Carlos Cardoso, porventura o mais jovem comandante de bombeiros do país, através do qual, também, se passaram a estabelecer mais frequentes e melhores relações com a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP).
Recorde-se, a esse respeito, a data de 14 de Dezembro de 1958, com a presença de António de Moura e Silva, presidente da LBP, nas comemorações do 78.º aniversário da fundação da Associação, assinalando a inauguração de uma ambulância e do pavimento do edifício do quartel-sede. A título de curiosidade, citamos parte da notícia então publicada no boletim da confederação:
“De tarde, algumas dezenas de delegações de outros corpos de Voluntários, que foram associar-se ao júbilo da sua congénere, concentraram-se com esta, na Avenida da Estação, onde o Presidente do Conselho Técnico e Administrativo da Liga dos Bombeiros Portugueses e nosso director, Sr. António de Moura e Silva, lhes passou revista.”. A 14 de Dezembro de 1958 era ainda comandante Lourenço de Almeida P. Medeiros.
Mas voltando ao comandante Carlos Cardoso, o seu nome veio a ser indicado para os elencos directivos da LBP, pelo menos, ao que julgamos saber, a partir do XVIII Congresso, reunido em Lisboa no ano de 1968, sendo eleito na qualidade de membro suplente do Conselho Administrativo e Técnico. O mesmo aconteceu, dois anos mais tarde, aquando do célebre Congresso de Aveiro – 70, reunião magna inspiradora da criação do Serviço Nacional de Bombeiros (SNB), constituindo a reeleição do comandante um renovado sinal da consideração tida pelos BVPR e da sua representatividade.
Peso da Régua – 80, marco histórico
Porém, foi em 1980 que Peso da Régua passou a ficar duplamente inscrita na história dos bombeiros portugueses, enquanto cidade anfitriã do XXIV Congresso, também comemorativo do 50.º aniversário da fundação da Liga dos Bombeiros Portugueses, cuja organização mereceu os mais rasgados elogios.
A nível geral da estrutura dos bombeiros, vivia-se então um clima de fundada esperança na modernização do sector. Era aguardada, a todo o instante, a publicação da Lei Orgânica do SNB, organismo entretanto criado.
“Porque desejamos fazer mais e melhor e porque apenas pedimos condições para fazer ‘melhor’ pois que do ‘mais’ nos encarregamos nós, julgamos que os gonzos deste Congresso, de portas abertas ao futuro, devem girar sobretudo em torno da preocupação de consolidar e pôr em funcionamento efectivo a organização já conseguida e, burilando o que ainda falta burilar, abrir pistas para que a riqueza humana de que dispomos encontre condições para realizar um futuro de corresponsabilidade e solidariedade social aceite e participadamente construído por todos.”
Assim incentivou o Conselho Administrativo e Técnico da LBP os congressistas, em Peso da Régua, quiçá inspirado na tradição reguense e dos seus bombeiros, habituados a encarar o futuro como a renovação natural de algo que tem o seu tempo útil, um pouco à semelhança do que acontece com o ciclo sucessivo da produção vinícola: cultiva-se, colhe-se e transforma-se.
Recorde-se, pois, os BVPR e o seu inestimável contributo histórico para uma nova era dos bombeiros de Portugal, tomando-os como exemplo de quem desbravou e aponta caminhos num permanente incentivo no que toca a fazer melhor… e mais!
Jornalista, ex-director adjunto do jornal “Bombeiros de Portugal”, da Liga dos Bombeiros Portugueses.
Responsável pelo espaço “Fogo & História”, http://fogo-historia.blogspot.com
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