Foto: josé alfredo almeida |
"Abençoado torrão, onde medram árvores deste porte! E novas! São como
belas mulheres sadias, bem especadas nas suas colunas. Altas e fortes,
não vibram a qualquer pé-de-vento. (...) São árvores honestas. Cheias de
riso franco, lembram plácidas virgens saciadas de sol. Oh! Quem me dera
a saúde destas árvores!
Namoro-as da janela. Penso que a Régua seria feliz se possuísse e
amasse mil árvores assim. À sua sombra viriam acolher-se as almas
doloridas. Seria, na escaldada terra duriense, oásis procurado por
caravanas sequiosas.
Sem árvores, qualquer povoado é repulsivo. A Régua é linda. Em dias
soalheios, vista de longe, do alto desses montes que a circundam, à
beira da água, faiscante de jóias, é princesa. Mas... princesa calva!
Princesa sem bosques onde corram gamos, sem espessuras onde gemam rolas,
sem alfombras que sepultem o ruído dos passos, não é princesa real. É
princesa do sabão e do petróleo.
A Régua precisa duma grande mata. A presença de enormes manchas
verdes dulcificar-lhe-ia a rudeza nativa, atrairia hóspedes espirituais.
Sem árvores, é inóspita como um deserto. Os próprios naturais
enriquecidos a abandonam...
A Régua, por honra sua, deve perder o ar de coisa provisória. Deve
enraizar-se como povoação definitiva. Plante árvores. A árvore é o
símbolo do apego à terra.
Debruçado no peitoril da janelinha, os olhos embebidos na beleza de meia dúzia de álamos e cedros, cismo...
Retirando-me, gabo à dona da casa a regalia daquele postigo, onde, senhora viúva, a qualquer hora pode espairecer.
- As árvores? Nem me fale nisso. Roubaram-me as vistas. Quando o
Camilo Guedes foi administrador do concelho, ainda lhe pedi que as
mandasse cortar. Nem sei que resposta ele me deu... Paciência."
João de Araújo Correia, in "Sem método"
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