Foto dos BV da Régua de 1880 |
No mês de Novembro, quando as procelas rugem, como disse o Poeta, é natural que nos refugiemos em casa e recordemos, com a devida melancolia, os tempos idos. Acende-se a lareira e invocam-se os mortos. Chamam-se, comparecem todos...Confundem-se com a palidez e os livores do lume. Confundem-se, as suas vozes, com o crepitar da fogueira. Bela ressurreição! Haverá cenário mais belo do que o lume?
Fim de Novembro, fazem anos os Bombeiros da Régua. Contam oitenta e cinco, mas, parece que nasceram ontem. Nem uma ruga, nem um cabelo branco, nem um desalento… Garbosos até o capacete, fazem do garbo agilidade, frescura e força. Que milagre!
Fim de Novembro, fazem anos os Bombeiros da Régua. Contam oitenta e cinco, mas, parece que nasceram ontem. Nem uma ruga, nem um cabelo branco, nem um desalento… Garbosos até o capacete, fazem do garbo agilidade, frescura e força. Que milagre!
Confraternizam, em cada aniversário, os Bombeiros da Régua. Depois das cerimónias piedosas e do desfile nas ruas, sentam-se à mesa e comem. Comem bem e gracejam… Mas, talvez que nenhum se lembre, nem bombeiro nem contribuinte, de sócios e bombeiros antigos, que também se sentaram, em ágape semelhante, para comer e gracejar.
Quem vai contando anos, dos que fazem mossa, lembra-se da velha Bomba e de quem a movia e sustentava. Lembra-se de Afonso Soares, com a sua barba branca; do poeta Camilo Guedes, de gravata Lavallière; do José Avelino, que comia um boi por uma perna; do José Ruço, que pertencia ao corpo auxiliar; do Joaquim Maria Leite, o Riço, que pertencia ao corpo activo com alma de criança e alma de bombeiro. Mas, de quantos se não lembra ainda? Justino Lopes Nogueira, o Justino, daria um livro de inocentes recordações alegres.
O quartel dos Bombeiros, situado ali em baixo, na Chafarica, no Largo dos Aviadores, como hoje se diz, era o clube da terra. Havia outro, mas, aristocrático, presidido pelo monóculo do Dr. Costa Pinto. Clube, ponto de reunião sem preconceito, era o quartel dos Bombeiros. Ali se jogava e conversava à vontade. Ali se davam gargalhadas que faziam estremecer o quartel. Guarda-lhes o eco algum ouvido então adolescente…
Fazia rir as pedras do dominó o Dr. Bernardino Zagalo. Era menino que se não ensaiava para contar uma anedota pícara. Mas, também era menino para encantar gente rude, metendo-lhe no caco entusiasmos febris sobre literatura e outras sabedorias.
Tempos simples aqueles! Falta escrever-lhes a história. Mas, quem na escreverá? Alguma cronista ignorante de factos vividos. Pelo que nos toca, ou toca aos nossos Bombeiros, recordemos os da velha guarda, tão garbosos como os de agora, mas muito mais alegres, mais divertidos, mais despreocupados. A vida, que foi sempre séria, tinha quem a fizesse rir. Hoje, não tem… A vida, mais do que séria, tornou-se carrancuda e até feroz. Tanto, que até se inventou o artifício da descontracção para substituir a espontânea distracção.
Novembro de 1965
João de Araújo Correia in "Pátria Pequena"
Sem comentários:
Enviar um comentário