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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
Esta tarde
O meu Moledo-21
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Onde eu nasci passa um rio
Que passa no igual sem fim
Igual, sem fim, minha terra
Passava dentro de mim
Passava como se o tempo
Nada pudesse mudar
Passava como se o rio
Não desaguasse no mar
O rio desagua no mar
Já tanta coisa aprendi
Mas o que é mais meu cantar
É isso que eu canto aqui
Hoje eu sei que o mundo é grande
E o mar de ondas se faz
Mas nasceu junto com o rio
O canto que eu canto mais
O rio só chega no mar
Depois de andar pelo chão
O rio da minha terra
Desagua em meu coração
Caetano Veloso
Videiras despenteadas
D.Branca
Os
reguenses chamaram-lhe a Protectora dos Pobres.
O Governo concedeu-lhe a Ordem
da Benemerência.
A Igreja, pelas mãos do Papa Pio XII, atribuiu-lhe a medalha Pro
Ecclesia et Pontifice.
Numa homenagem realizados nos anos 70, o escritor João de Araújo Correia, num discurso proferido no Salão Nobre da Casa do Douro (que está incluído no livro Palavras Fora da Boca), enalteceu-a com estas palavras:
"D. Branca Martinho, embora cultivasse, como Eva, as graças que lhe tocaram no sorteio de encantos, não passou a vida diante do espelho, não adoptou o calão nem sequer sacrificou à moda as suas tranças loiras - de tom acobreado.
D. Branca Martinho não cultivou, como flor de estufa, o receio de se divorciar do estilo comum. Foi sempre igual a si própria. Fez das suas ideias e das suas crenças opinião tão firme, que nunca lhe voltou a face. Foi mulher de carácter.
Último símbolo do catolicismo burguês, tentou resolver no seu meio, e a seu modo, o problema social. Se fosse apenas senhora, ignoraria este problema. Foi-lhe preciso ser mulher para o sentir e abraçar na ânsia de o resolver.
D. Branca Martinho foi protectora dos
pobres desta vila. Protegeu-os de maneira que a sua mão esquerda ignorasse o
que fazia a sua mão direita? Não foi esse o sistema da sua caridade. Foi
caritativa, mobilizando auxiliares contra a indigência, batendo ao ferrolho dos
cofres ricos e importunando, se assim se pode dizer, os ouvidos da governação. Horrorizada
com os tugúrios onde agonizavam os pobrezinhos da nossa terra, nunca perdeu o
azo de pedir, a qualquer espécie de mando, a construção de bairros asseados
para gente humilde. Nunca foi ouvida. Mas, é tempo de o governo local honrar a sua memória, substituindo as pocilgas da nossa terra por casario digno de gente.
Dotada de múltiplos talentos, embora não
os granjeasse como se vivesse para os servir, obrigou-os a servir a sua causa,
que foi a do bem-fazer organizado para o tornar profíquo. Escreveu artigos sobre artigos e promoveu, durante os seus anos válidos, frequentes espectáculos de beneficência. Celebrizou-se o das Andorinhas - graciosa opereta de Camilo Guedes musicada por Almeida Saldanha.
(...)
Fui amigo íntimo de D. Branca Martinho - sem embargo das suas nem das minhas ideias. Demos, durante muitos anos, inefável exemplo de tolerância mútua.”
(...)
Fui amigo íntimo de D. Branca Martinho - sem embargo das suas nem das minhas ideias. Demos, durante muitos anos, inefável exemplo de tolerância mútua.”
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Uma entrega que se veste por dentro
Ana Margarida Quintela
Há, por detrás daquela farda de calças azuis escuras e casaco vermelho, um altruísmo invejável. É esse espírito feito de dedicação e missão que, aos meus olhos, engrandece cada bombeiro. Dar o melhor de si em prol de quem precisa é uma lição difícil de ensinar ao comum dos cidadãos, porém, o mais surpreendente é quando alguém está disposto a aprender desde tenra idade.
No último ano e por questões profissionais, acabei por conhecer de perto algumas associações humanitárias do distrito de Vila Real, mas os Bombeiros de Peso da Régua ficaram-me nos trilhos da memória
O dinamismo inscrito nas páginas da história da corporação impressionou-me. Foi curioso saber que à data da sua fundação, corria o ano de 1880, dona Antónia Adelaide Ferreira (a Ferreirinha) se revelou, uma vez mais, uma visionária. Acreditou que a Associação podia ser a força motriz daquela terra e, hoje, volvidos tantos anos, os membros orgulham-se de ter essa grande mulher do Douro como sócia nº 1.
Enquanto recolhia retratos a sépia que pudessem ser interessantes para a reportagem, desfilavam, incontroláveis, imagens no meu pensamento. Imaginava, então, o renovado quartel Delfim Ferreira como palco do Baile das Vindimas, de sessões de teatro e de cinema e, ainda mais inusitado, como espaço eleito para dar o nó na década de 60. Imaginava os salvamentos épicos que serviriam de manchete ao jornal Vida por vida, editado mensalmente de 1956 a 1974, ou os olhares de deslumbramento perante as estantes de livros da Biblioteca Maximiano de Lemos, que ainda hoje resiste.
Ao escutar os relatos das ocorrências, percebia a grandiosidade daqueles homens que, mal apetrechados, enfrentavam o rebuliço das águas para acudir à população desesperada. As cheias do rio Douro deixaram marcas que ainda hoje são visíveis nas fachadas de muitas casas, inundaram ruas à sua passagem, levaram bens e talvez vidas. Mas os bombeiros estiveram lá, estendendo a mão, com segurança, controlando o seu próprio medo. Imagino o estoicismo, o heroísmo silencioso daqueles homens.
Depois, foi bom perceber que os dirigentes da casa continuam a querer honrar o passado, lutando com determinação pelos objectivos delineados para o presente e para o futuro.
A corporação reguense é das mais antigas do país, mas não se furta à perda de vitalidade do voluntariado. Contudo, nesta Associação, a esperança estende-se, com toda a legitimidade, para as gerações mais novas. É Ana Margarida, na altura com os seus 7 anos, que guardo com mais carinho. As feições da sua meninice explicavam-me que, quando crescesse, queria ser médica, mas “não uma médica qualquer”. “Tem de ser do INEM para curar os avós e outras pessoas”, esclarecia. Filiou-se em 2009 na camada dos infantes e, entre a timidez e um sorriso fácil, contava-me que tinha sido divertido porque tinha aprendido a marchar. Agora, que releio estas declarações, olho também com esperança para a pequena Ana Margarida.
Num mundo cada vez mais individualista e indiferente às dificuldades alheias, é reconfortante perceber que há excepções que podem fazer a diferença.
E, nisso, a Ana pode ser inspiradora. Ela é, seguramente, uma criança privilegiada por crescer nesse ambiente de entrega incondicional a uma causa, de atitudes responsáveis, de diálogo franco. Coleccionará muitas vivências nesse corpo de bombeiros onde a união se conjuga no plural e saberá reconhecer, um dia, que essa experiência só é permitida a corações nobres.
Patrícia Posse
Amália na Régua
No dia 26 de Setembro de 1966, a fadista Amália Rodrigues, no auge da sua carreira, esteve na Régua, para no palco do Cine-Teatro Avenida, dar um inédito espectáculo de beneficência a favor dos Bombeiros Voluntários da Régua e da Santa Casa da Misericórdia, cuja receita reverteu para estas duas instituições.
E a rainha do fado veio expressamente à Régua - onde foi recebida na Câmara Municipal - mostrar a sua gratidão e generosidade aos Bombeiros da Régua que, tempos antes, tinham prestado ao seu marido o socorro e a assistência, ferido com alguma gravidade num acidente de viação, ocorrido na estrada EN 222, em direcção ao Pinhão.
Amália ficava, assim, ligada para sempe à história dos bombeiros da Régua, com um exemplo de singlar de cidadania e de respeito e de recomhecimento pela missão dos soldados da paz.
Alves Redol e o Douro
Alves Redol e o Douro - Correspondência para Francisco Tavares Teles
Autor: Gaspar Martins Pereira
Editora: Edições Afrontamento
"Ao longo de um quarto de século, entre 1945 e 1969, Alves Redol
trocou correspondência com Francisco Tavares Teles, comerciante do
Pinhão, que acompanhou o escritor neo-realista na preparação dos seus
romances e que se tornou um dos seus grandes amigos. Tavares Teles era,
de resto, um oásis de cultura no microcosmos duriense dos anos quarenta a
sessenta. Colaborador da imprensa local, era um leitor e divulgador
compulsivo da literatura portuguesa, associando-se aos círculos
intelectuais durienses e de Oposição à ditadura salazarista.A
organização deste livro, da responsabilidade de Gaspar Martins Pereira,
contou com a preciosa colaboração de António Mota Redol, filho de Alves
Redol, e de António Tavares Teles, filho mais velho de Francisco Tavares
Teles, que não só autorizaram a publicação do acervo epistolar como
escreveram textos introdutórios e forneceram muitas informações
essenciais para a anotação das cartas. Este livro beneficiou beneficiou ainda de outros contributos, que enriqueceram a
sua versão final, a começar pelo de Manuel Tavares Teles, filho mais
novo de Francisco Tavares Teles, e alargando-se a amigos de Redol, como
Marta Cristina de Araújo, e a amigos ou familiares de algumas das
pessoas mais referidas na sua correspondência para Tavares Teles, como
Maria da Luz Magalhães, sobrinha de José Arnaldo Monteiro, o outro
grande amigo duriense de Redol."
Gaspar Matins Pereira
Gaspar Matins Pereira
O meu Moledo-20
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Foto: josé alfredo almeida |
Não. Não tenho limites.
Quero de tudo
Tudo.
O ramo que sacudo
Fica varejado.
Já nascido em pecado,
Todos são naturais
À minha condição,
Que quando, por excepção,
Os não pratico
É que me mortifico.
Alma perdida
Antes de se perder,
Sou uma fonte incontida
De viver.
E o que redime a vida
É ela não caber
Em nenhuma medida.
Miguel Torga
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Mãe
Caldas do Moledo, 2-8-1963
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura
que olhava nos olhos de minha Mãe.
Sebastião da Gama
Sebastião da Gama
Vale Abraão
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Foto: josé alfredo almeida |
Vale Abraão é também um grande filme de Manoel de Oliveira.
Nele se conta a história de Ema, uma mulher de uma beleza ameaçadora. Para Carlos, o marido com quem casou sem amor, "um rosto como o seu pode justificar a vida de um homem".O seu gosto pelo luxo, as ilusões que tem na vida, o desejo que inspira aos homens, fazem-lhe valer o epíteto de "A Bovarinha".Conhecerá três amantes, mas esses amores sucessivos não conseguem suster um sentimento crescente de desilusão que a leva a definir-se como nada mais que "um estado de alma em balouço".
Manoel de Oliveira inspira-se na história famosa de uma heroína que já entrou no imaginário romântico, mas utiliza-a como um verdadeiro conhecedor, de tal forma que se torna possível improvisar e assim criar o novo a partir do conhecido. Como essa musiquinha que todos temos na cabeça, A Sonata ao Luar de Beethoven, que literalmente acompanha Ema e à qual respondem outros "luares" para outras personagens. Se este filme com acentos musicais e de formas profundamente femininas contém em si todas as gradações de um sentimento erótico, isso deve-se, acima de tudo, ao facto de Oliveira permanecer obstinadamente um cineasta lírico.(...)
A grandeza do lírico está em que na base da imagem precisa sempre do texto escrito com o qual pode em seguida compor à sua vontade, è um filme concebido como uma música de partitura, mas a partir do libreto.(...)
Contra todas as ideias feitas, em vez de nos convidar para uma educação sentimental, Manoel de Oliveira apela a um cinema de sensações, mais que à sedução de um cinema de sentimentos. Em Vale Abraão, não há senão cores (todas as da natureza), sons (todos os do mundo), cheiros (como os cigarros que Ema aspira), música, gestos, formas, deslocamentos. Como o quarto arranjado por Maria do Loreto, mulher letrada, para que o marido possa receber as amantes com todo o conforto, também o filme acolhe o reino dos sentidos. Para que a sensualidade do espaço se anime num movimento erótico, Oliveira filma, ultrapassando claramente o mero dispositivo teatral, "as entradas e as saídas"... O movimento secreto e perpétuo, a relação sexual que passa da vida à morte, do momento em que se entra ao momento em que se sai. Vale Abraão poder-se-ia resumir a uma sucessão de entradas em cena, onde se fazem apresentações, como acontece com as três criadas na cozinha, e de saídas de cena e como o último e grave olhar que nos dirige a velha tia ao fazer o sinal da cruz, e de chegadas e de partidas (vejam-se as viagens repetidas de Ema ao Vesúvio ou o extraordinário plano da partida da muda Fitinha com a trouxa na cabeça), de idas e regressos amorosos, de idas e vindas em casas burguesas. Em Oliveira, qualquer "entrada no plano" ultrapassa a alusão técnica e torna-se actividade física: veja-se o momento da chegada ao baile de Ema, que marca a sua entrada no mundo, soberbamente sublinhada pela forma como ela "faz a sua entrada", primeiro em plano de fundo que segue o instante de hesitação antes de entrar no salão...
As múltiplas personagens de Vale Abraão estão sempre entre duas portas, ou na ombreira da porta, diante de uma janela aberta, no meio de uma refeição, no centro de uma discussão, em frente do espelho, etc. Ema é o corpo feminino do entre-dois, entre dois amantes, entre dois locais, entre a vida sonhada e a realidade da sua existência. É isso que lhe dá aquele ar inatingível, entre a vida e a morte. Este movimento inscreve-se por inteiro e com muito humor desde o início, quando ela caminha desde a casa paterna até ao fim do jardim que dá para uma curva da estrada em baixo e de onde ela pode enfim deslumbrar com a sua beleza os automobilistas que passam, de tal forma que há acidentes graves e "mesmo mortes"... Mas a sociedade dos homens velará para que tudo entre na ordem. E é a esta ordem, a própria negação da vida (e da morte) que Ema quer escapar, sem de todo o conseguir. (...)
Sem a mínima perversidade mas com a máxima perturbação, o filme de Manoel de Oliveira é colocado, do princípio ao fim, sob o signo do feminino, de um olhar feminino pousado sobre o mundo, o olhar de um cineasta que abarca literalmente o movimento erótico infinito do tempo no espaço. E não se julgue que esta é uma história de um tempo antigo que veio visitar o espaço do presente, que este é um cinema que dá vida e realidade a fantasmas.
Vale Abraão, de Manoel de Oliveira, é um dos mais belos filmes do mundo.
Bucólica
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Azul Profundo
Infinito Azul
Parada Agrícola
"Foi sol de pouca dura a parada agrícola como elemento nobre das festas do Socorro. Não chegou a ser, como devia ser, tradição. Fez-se enquanto viveu o Dr. Bernardino Zagalo, que foi o seu criador. Caiu com ele como se quisesse justificar o dito: morreu a macaca, acabaram-se as pantominas. Se mais algumas vezes se realizou, foi graças ao impulso adquirido, resto de seiva de árvore condenada.
É triste condão de terras escarnecer de ideia exposta ou sonho acalentado por quem se distinga do barro comum. A parada agrícola, entre nós, foi uma espécie de maluqueira do Dr. Zagalo. Quanto brilhe ou aqueça, é repudiado pela má vontade ordinária à luz e ao calor.
Quis o Dr. Zagalo que a nossa Régua, a sua pátria adoptiva, mostrasse em cada ano, a quem a visitasse, tudo quanto vale como centro produtor de maravilhas agrícolas. Elogiava-as como tecesse a cada espécie uma ode multicor.
Não há maior óbice ao progresso da província do que a oposição geral a um alvitre, um plano, uma devoção de vizinho dotado de sabedoria. A parada agrícola não chegou a ser tradição, porque foi uma tineta do dr. Zagalo.
Pois, é necessário que volte. É necessário que ressucite a parada agrícola. É necessário que todos os anos se realize, dentro ou fora do programa das festas do Socorro. Setembro, a segunda quizena de Setembro, seria uma bela quadra para se realizar. Entre os Remédios e as Vindimas, com os frutos bem sazonados, o que não sucede em Agosto, pelo Socorro... Antes de começar a Vindima, que, começando, absorve no Douro todas as mãos e cabeças."
João de Araújo Correia
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Detalhes do tempo
DONA ANTÓNIA - A Sócia Contribuinte nº1 dos Bombeiros da Régua
Francisco
Correia – A
senhora dona Antónia dá licença?
Dona
Antónia –
Senhor Correia, ainda bem que chegou! Quero ir às Caldas do Moledo ver como vai
o movimento dos banhos!
Francisco
Correia – Mas está fresco!
Dona
Antónia –
Ora, ora… Nada disso…É verdade, ontem esqueci-me de lhe falar das obras da
Capela do Cruzeiro!... Tenho muito gosto em contribuir com uma quantia
significativa… desde que não alterem nada do que mostraram no desenho! É muito
dinheiro! Aquela capela merece ser bem recuperada! Ali estão os símbolos do
Peso e da Régua!
Francisco
Correia – Como a Senhora desejar…Quando achar conveniente, indica-me a quantia.
Dona
Antónia –
Também hei-de ajudar a igreja de Godim na recuperação do altar do Senhor da
Misericórdia (pensativa)…e
misericórdia tenha de nós!
Francisco
Correia – Na verdade, a vida não está fácil!
Dona
Antónia – Não se esqueça dos Bombeiros! Eles dão a vida pela vida dos outros...
merecem!
Francisco
Correia –
Merecem sim! O senhor Manuel Maria Magalhães ficou de passar por cá, para
cumprimentar a senhora dona Antónia e convidá-la para sócia contribuinte.
Dona
Antónia – Esse senhor Magalhães é um homem muito dinâmico, não é? Ele também não
pertence à mesa do Hospital?
Francisco
Correia – É um homem de direito, muito empenhado na evolução da Régua! O Hospital
já está a funcionar…graças aos donativos da Senhora.
Dona
Antónia – Meus, da minha família e principalmente do meu falecido marido,
Francisco Torres! Aliás, se todos pensassem como eu… Cada um, na sua terra, deveria
fazer tudo o que fosse para bem da humanidade! (mudando de tom) Está bem!...Mudemos de assunto…
(chega
uma criada)
Maria
– A senhora
dá licença? Acabou de chegar um senhor que diz ser dos Bombeiros.
Dona
Antónia – Não me diga que é ele? Só pode ser boa pessoa! Manda-o entrar, Maria.
Francisco
Correia – O
senhor Manuel Maria Magalhães!...vai ser o
comandante!
(a
empregada fá-lo entrar)
Sr.
Magalhães – Dão
licença?
Dona
Antónia –
Entre! Entre, sr. Magalhães.
(O sr.
Magalhães cumprimenta com uma curta vénia dona Antónia e F. Correia)
Dona
Antónia –
Então como vão as diligências para o arranque dessa associação de Bombeiros?!
Sr.
Magalhães –
Senhora dona Antónia, venho informá-la que os estatutos estão prontos, foram redigidos
pelo Dr. Claudino, o nosso Presidente da Câmara. E seremos, se tudo correr como
todos desejamos, dos primeiros a ter uma instituição de intervenção social, tão
necessária.
Dona
Antónia –
Fico contente…já que me visita só para me comunicar que vamos ter uma
Associação de Bombeiros! Estamos todos mais descansados!
Francisco
Correia – Senhora dona Antónia, repare no livro que o sr. Manuel Maria de
Magalhães traz!...
(Riem
um pouco…)
Sr.
Magalhães –
Senhora dona Antónia, tenho a honra de a convidar a assinar o Livro dos
Estatutos da Associação e Inscrição dos Sócios Contribuintes! A senhora será a sócia
contribuinte nº1. (passa-lhe o livro)
Dona
Antónia – Ora
muito bem, muito bem!…Sócia Contribuinte?!... não é verdade? E então vou
contribuir?...
Sr.
Magalhães – A jóia
será de 500,000 mil réis e a quota mensal 200,000 mil réis. Acha bem?
Dona
Antónia – (tosse um pouco) Ora bem! E já falaram a
outras famílias cá da Régua? Os Barretos, os Vasques?
Sr.
Magalhães – Já
foram contactados e ninguém recusou!
Dona
Antónia – Todos
temos a obrigação de contribuir! É urgente existir na Régua uma associação
desta natureza devidamente equipada! Já viu, se acontece algum incêndio na
altura em que há pipas e pipas de aguardente nos nossos e em outros
armazéns!...
Francisco
Correia – Lá isso é verdade, seria uma tragédia!
Sr.
Magalhães – A
sra dona Antónia disse bem, “devidamente
equipada” ! Mas esse é o maior problema! A estação de material, no Largo da
Chafarica, é um sítio já muito acanhado. A Câmara não tem grandes meios e nós
precisamos de bombas mais modernas, mangueiras, um carro de escadas, fardas…
Dona
Antónia – (olhando-o de alto a baixo) Ó sr.
Magalhães, olhe que essa sua farda fica-lhe mesmo a matar!!! (tosse)
Francisco
Correia – (comenta) Comandante é comandante!
Sr.
Magalhães – (sorri) Nós também temos um grupo
dramático, uma banda de música…preocupamo-nos em valorizar a cultura e o
divertimento!
Dona
Antónia – É
bom que as pessoas…dêem valor à cultura!
Sr.
Magalhães – A
leitura de bons livros, julgo ser da máxima importância…só que a nossa
biblioteca está reduzida a uma estante de livros…
Dona
Antónia – (tosse) Já entendi, sr. Magalhães, já entendi! Precisa de
livros…ou melhor…uma quantia para aumentar essa estante! Não é verdade? (uma criada entra a correr)
Josefina
– Minha
senhora! Há fogo…há fogo! O sino do Cruzeiro não pára de tocar…
Sr.
Magalhães – (preocupado) Quantos toques? Quantos
toques ouviu?
Josefina
– São
sete! Sete badaladas! (à
parte) ou foram oito?
Sr.
Magalhães – Ora
sete…Ameixieira…senhor dos Aflitos…peço desculpa, senhora dona Antónia, mas tenho de me apressar…não posso ser o último a chegar!
Francisco
Correia – Eu acompanho-o… (saem os dois apressadamente)
Dona
Antónia –
Acho bem… Espero que não seja em nenhuma das minhas casas…Eu tenho lá várias… (esquece)
Aqui ficou o Livro….vou assinar sem testemunhas! O que eles querem é uma
quantia sempre certinha…e mais alguma para mais umas extravagâncias… (assina e fecha o livro em seguida) Ele
cá há-de vir buscá-lo! É simpático, bem apessoado! Sim senhor!
(mudando
de tom) Ora
bem, amanhã é domingo? Pois é…amanhã é domingo…temos bodo aos pobres!
(toca
a campainha e aparece uma criada)
Chica
– A senhora
chamou?
Dona
Antónia –
Sim, Chica! Na cozinha, lembra à Maria que tenha fartura de alimentos. Quero
dar um bodo a essa gente que costuma vir assistir à missa.
Chica – Sim, minha
Senhora! O tempo tem ido tão ruim! Há muita fome por aí!
Dona
Antónia –
Então eu não sei?...Vai…vai…despacha-te! Diz ao Damásio que quero ir ao Moledo
e, na passagem, quero ir ver como vão os preparativos para a vindima na Quinta
do Santinho… (ri-se) Fica em caminho,
Chica!
Chica
– (como se já contasse) O Damásio tem a
caleche pronta, como sempre e como a senhora gosta. Mas está fresco…não vai
adoecer?
D.
Antónia –
Ora, ora…tens cada uma! Estes meus empregados! Sou alguma velha?
(saem
e a criada tem de lhe levar o agasalho de que ela faz questão de se esquecer)
Josefina
– (entra um pouco esbaforida…) Minha Senhora,
minha Senhora! (repara que já não há
ninguém na sala) Ainda bem que já não está cá! Então não é que eles já estão de volta!? Estou a ver que foi só
fumaça…. ou será que me enganei nos toques…mas eu contei…sete! Será que não
foram? Enganei-me! Ahahah… foram dar uma voltinha à Régua…ver se estava mais
direita!
Excerto da peça de teatro “A Ferreirinha - uma mulher fora do seu tempo”
Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua
Grupo de Teatro da Universidade Sénior do Peso da Régua
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