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| O carreiro Peche |
Depois disso, o velho carreiro, de mãos nos bolsos, caminhar de títere e
olhar distante, arrastava-se, sumido, pela aldeia. Falava sozinho, como
se o seu boi ainda o levasse na chiadeira da sonolência, mal respondia a
um cumprimento e só comia o que lhe davam. Nunca pedia, embrulhado na
resignação, mas muitos não lhe negavam uma ajuda. Andava dias e dias
fora de Lobrigos, de feira em feira, à procura de um boi igual ao seu,
que nunca encontrava e, que encontrasse, nunca poderia comprar,
regressando sempre de olhos alagados. Diziam que enlouquecera, deixara
de fazer a barba nas manhãs de Domingo, os joelhos ao léu nas calças de
cotim, camisolão desgolado, a boina num benairo de sebo, os polegares
saídos das botas. Um dia, alguém o chamou e o vestiu com umas roupas
dispensáveis. Houve quem se risse, chamaram-lhe doutor e faia. Por pouco
prazo. Retiraram-no da palha e enterraram-no, por misericórdia, no
cemitério do Espírito Santo, numa tarde de Janeiro, quando a luz do dia
se escapava por entre os socalcos. Quando lá vou falar com os meus, bem
queria saber da sua campa. Já procurei e perguntei por ela, mas ninguém
me sabe dizer. Nem uma palavra, nem uma letra. Sei-o ali, abandonado num
canto qualquer, a dizer-me que a grande riqueza das pessoas é a boa
recordação que deixam.

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