"Meu pai foi um leitor incansável. Todas as imagens que dele guardo me perpassam na memória de livro na mão.Quando estava muito frio, lia na cama até tarde e às horas mortas da madrugada. Ficava apenas fora da roupa a cabeça até aos olhos e dois dedos de cada mão para segurar o livro. Como se protegia com uma grande boina galega, pouco de meu pai ficava à vista. A linha do lençol sublinhava-lhe os olhos claros perdidos no livro.
Nas pausas de escrever, também lia muito no escritório, afogado numa poltrona ou, no verão, a baloiçar-se numa cadeira de palhinha. Esta cadeira de baloiço era muito disputada pelos meus irmãos, na idade de peguilhar por tudo e por nada.
Quando a primavera corria amena e o verão tardava em dardejar a Régua, meu pai gostava muito de ler no terraço das trazeiras, diante da sua montanha, protegido por um dossel de glicínias. A sua montanha é a que sobe do vale de Jugueiros à cumeada de Loureiro.Vezes sem conta o vi levantar os olhos do livro ou do jornal para os perder naqueles vinhedos pontilhados de quintas e povoados.
Nas tardes de verão, em que na Régua não há para onde se posa fugir ao calor, meu pai lia num cadeirão do consultório, na pausa e no fim dos doentes. Chamava àquela cadeira a minha praia e às tardes mais escaldantes tardes do Bornéu .
- Está uma tarde do Bornéu...Vou até à minha praia."
Camilo de Araújo Correia
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