quinta-feira, 10 de abril de 2014

Rosa


Desenho de Ana Margarida Almeida

"Rosa, é a menina desta história.
Ela tem os olhos verdes e os cabelos anelados cor de cobre, e uma pele branca, tão branca, que não pode apanhar muito sol, pois corre o risco das queimaduras, e como as flores, tem de ser protegidas do sol e do frio.Rosa tem nove anos, e ainda não tem memórias para contar. As memórias vêm com o tempo - são as lembranças que nos ficam das pessoas, dos encontros, dos sítios onde vivemos, de tudo aquilo que sentimentos e por que passámos. Rosa, com nove anos, não tem memórias, porque não tem um passado. Tudo se mantém como no dia em que nasceu, sem nada ter perdido. A casa dos avós, com cortinados de crochet; os avós, que cultivam os campos, e criavam perus e galinhas; a casa dos pais, numa pequena vila junto ao rio Douro; o pai, que tem uma loja onde vende tudo - sementes, alfaias agrícolas, tachos e panelas, ceras, cordas, chaves, espanadores, pregos, vassouras...enfim, um mundo de coisas aquela loja do Sr. Joaquim! A mãe de Rosa é costureira, e trabalha em casa. Uma salinha no sótão é onde ela passa as tardes, entre uma confusão de panos, linhas, moldes de papel vegetal, revistas, e o rádio sempre a tocar..
Rosa anda na escola, e a sua vida decorre pacata e feliz. Um dia, esses dias irão ser parte das sua memórias. E então vai recordar com nostalgia as coisas mais pequeninas e insignificantes, a que agora não dá importância: o canto do galo logo pela manhã; o gosto do leite com cevada; os passos da mãe a descer as escadas a correr; o sorriso da avó quando a Rosa lhe entrava na cozinha e pedia pão com doce de cereja; o céu todo à sua frente, quando abria a pequena janela do seu quarto.
Mas por enquanto era bom viver sem memórias. É como viver aconchegada dentro delas, no colo da vida..
Rosa tem um sonho: ela quer um dia, ser enfermeira.Só  que isso parece-lhe tão distante, é um longo caminho a percorrer! a mãe dizia-lhe: "um dia de cada vez. E vais ver que quando olhares para trás, e os juntares todos, o tempo que passou, e as coisas que fizeste!"  
E era certo o que a mãe dizia. Porque a mãe de  Rosa já tinha memórias, e sabia procurar nelas as razões de tudo, como que advinhava o que viria a acontecer.
"Em cada dia se prepara o futuro."- dizia a mãe. "Todos os dias são importantes, mesmo que nos pareça que não fizemos nada, que nada aconteceu, que nada evoluiu. Mas se olharmos bem, e refletirmos, um dia pode ser uma eternidade em que se aprendem mil coisas importantes, mas invisíveis".
Rosa era uma menina cheia de sorte, porque aprendeu a viver ouvindo o coração bater a compasso do coração dos outros, das pessoas mais próximas de si, e ao compasso do coração da terra.
Para isso, é preciso que sejamos donos do nosso tempo e das nossas memórias."

Mónica Baldaque

1 comentário:

  1. Uma história para todas as idades.
    Mas tão "perfumada" , e grandiosa!
    O desenho da Ana Margarida, condiz na perfeição.
    Gostei muito ...

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