sábado, 26 de abril de 2014

O que não nos dão

Foto: josé alfredo almeida


"A nossa história começou antes de nós e persistirá depois.Somos o resultado de uma cadeia inumerável de encontros, de gestos, boas vontades, sementeiras, afagos, afectos.Colhemos inspiração e sentido de vidas que não são nossas, mas que se inclinam pacientemente para nós, iluminando.nos, fundados na nossa confiança. Esse movimento, sabemo-lo bem, não tem preço, nem se compra em parte alguma: só se efetiva através do dom.

(...)

Hoje, porém, dei comigo a pensar também na importância do que não nos foi dado.E a provocação chegou-me por uma amiga que confidenciou: "Gosto de agradecer a Deus tudo o que Ele me dá, e é sempre tanto que não tenho palavras para descrever. Sinto, contudo, que lhe tenho de agradecer igualmente o que Ele não me dá, as coisas que seriam boas e que eu não tive, o que até pedi e desejei muito, mas não encontrei. O facto de não me ter sido dado obrigou-me a descobrir forças que não sabia que tinha e, de certa maneira, permitiu-me ser eu.". Isto é tão verdadeiro. Mas exige uma transformação radical na nossa atitude interior. Tornar-se adulto por dentro não é propriamente um parto imediato ou indolor. No entanto, enquanto não agradecermos a Deus, à vida ou aos outros o que não nos deram, parece que nossa prece  permanece incompleta. Podemos facilmente continuar pela vida dentro a nutrir o ressentimento pelo que não nos foi dado, a comparar-nos e considerarmo-nos injustiçados, a prantear a dureza daquilo que em cada estação não corresponde ao que idealizamos. Ou podemos olhar o que não nos foi dado como a oportunidade, ainda que misteriosa, ainda que ao inverso, para entabular um caminho de aprofundamento...e de ressurreição.

(...)

A grandeza do homem não lhe advém do lugar que ocupa na sociedade, nem do papel que nela desempenha, nem do êxito social. Tudo isso pode ser-lhe tirado de um dia para o outro. Tudo pode desaparecer num nada de tempo.A grandeza do homem está naquilo que lhe resta precisamente quando tudo o que lhe dava algum brilho exterior, se apaga. E o que lhe resta? Os seus recursos interiores e nada mais."

Tolentino de Mendonça

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