sábado, 26 de abril de 2014

Jorge Almeida

Carlos  Zorrinho, Artur Vaz e Jorge Almeida  ( ao lado esquerdo)




Para um amigo tenho sempre um relógio 
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa


O  nosso amigo  Jorge Almeida  deixou-nos hoje, dia 26 de Abril. Depois de uma dura luta de vários anos, a doença acabou por derrubá-lo. E ficámos todos mais pobres com a sua ausência. A cidade, o concelho da Régua e a região duriense perdem um homem culto, inteligente e sensível ao bem comum e à causa pública. Ele que  foi  médico, autarca e deputado, dedicou-se com grande paixão à agricultura,  foi  um lavrador do Douro que produziu vinhos bons do Douro e Porto. Por isso, também  uma grande parte da sua vida foi dedicada a estudar e pensar  em boas soluções para  as  questões do Douro,  preocupando-se com os problemas da Região Demarcada do Douro, dos produtores mais desprotegidos -os pequenos vitinicultores -  que tiram o seu sustento familiar do trabalho da vinha e da venda dos vinhos mas que, ano após ano, perdem  muito do rendimento para as grandes firmas exportadores e, na ausência de uma Casa Douro forte que os defenda, estão à beira da ruína e da miséria. Ele  foi um político que se  preocupou com o nosso futuro de um povo, de homens simples, com a  sua qualidade de vida, com a genuinidade e qualidade dos vinhos e com a defesa e valorização da nossa grandiosa paisagem vinhateira humanizada, hoje classificada como Património da Humanidade, como uma garantia para um desenvolvimento mais sustentável e harmonioso de toda a nossa  região duriense. 
Era uma pessoa marcante, tanto pela sua figura como pelas suas convicções, muitas delas expressas  em  em texto em crónicas,   jornais e revistas.Publicou livros sobre as  boas leis que  o Douro contemporâneo devia ter. Nós, que o conhecíamos, sabíamos que tinha uma vasta cultura  e era  um apreciador da história e da memória colectiva, pelo que qualquer conversa com ele se tornava uma animada tertúlia, onde  os temas  fluíam com naturalidade.
O Jorge Almeida é  um reguense de gema: nasceu, viveu, trabalhou e aqui morreu, pelo que dificilmente será esquecido por todos os que com ele privaram e o admiraram pelos seus dons e qualidades humanas, morais e cívicas.
Como amigo, companheiro de lutas e ideais, o Jorge Almeida  ficará para sempre na nossa memória como alguém que viveu intensamente cada dia da sua vida. Assim, hoje não faz sentido lembrar a sua perda. Devemos é lembrar a sua obra e, sobretudo, o seu exemplo de cidadania activa, que lega a todos os verdadeiros reguenses, como  foi o Jorge Almeida .


                                                                                                                               Até sempre, Jorge



A meu pedido, o Jorge Almeida escreveu para o nosso livro Memórias Vivas  um  interessante  texto  em volta  das suas  memórias sobre os Bombeiros da Régua e, em especial, sobre  a sua  Biblioteca Maximiano Lemos, que ele ajudou a enriquecer com a entrega de um importante e raro espólio de cerca de 800 livros pertencentes ao seu tio José Arnaldo Monteiro:  
                                                                                             
“Há fogo! Há fogo!”, gritava a garotada da minha rua. A sirene era inconfundível, a frequência de sons agudos e graves não enganava. Em correria deixávamos o jogo da bola ou da carica para acorrer ao quartel.
Já lá estavam os mais afoitos e os mais próximos. “É no Corgo, é no Corgo”, dizia uma voz esganiçada. E os bombeiros não faltavam à chamada. Conforme estavam em casa, no trabalho ou no lazer, assim vinham aqueles nossos heróis. De automóvel, de bicicleta, de motorizada, a pé. O Manuel, o Silva, o Figueiredo, o João e tantos, tantos outros. E o Chefe Claudino, e mais tarde o Comandante Cardoso… que organização, que autoridade!
Era um gosto ver sair o carro de nevoeiro a toda a velocidade a caminho do salvamento de pessoas e bens. Havia algo de forte, de solidário, de altruísta, de comunitário que a pequenada absorvia.
Os Bombeiros Voluntários do Peso da Régua representaram sempre, ao mais alto nível, os mais nobres valores da ajuda ao próximo, interpretando individual e colectivamente o lema de “dar de si antes de pensar em si“.
Mas tem sido também uma associação virada para a formação humana em todas as suas vertentes e para a cultura.
Quando muito jovem, fui um dos utilizadores assíduos da biblioteca. As obras de aventuras de Enid Blyton ou de Emílio Salgari, mas também os clássicos da literatura portuguesa como Eça de Queirós e Camilo de Castelo Branco, abriram muitos caminhos para o conhecimento aos jovens da minha geração, numa altura em que a informação disponível rareava, as bibliotecas públicas no interior eram uma miragem, e em que o poder político tinha outras preocupações, bem longe da cultura do povo.




Recordo com muita saudade o testemunho que me foi transmitido por meu tio José Arnaldo Monteiro, o seu referencial à literatura e à cultura em geral, e o carinho que sempre manifestou pela associação. José Arnaldo Monteiro foi um grande resistente à ditadura. Foi dos primeiros reguenses a envolver-se no movimento democrático e a perfilar-se na defesa de causas sociais. Em sua memória, e concretizando um desejo de família, será em breve entregue aos nossos bombeiros o fundamental da sua biblioteca particular.   
Saúdo por isso a orientação da direcção presidida pelo dr. José Alfredo Almeida, que tem feito da vertente cultural uma das suas grandes preocupações.
A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da Régua, para além de ser a menina dos olhos da comunidade reguense, atingiu grande prestígio a nível regional e nacional. Honra a memória de todos os que a serviram, desenvolve uma profícua atividade no presente, e prepara-se para um grandioso futuro. Instalações, equipamentos e pessoas, sobretudo pessoas, a têm feito crescer, modernizar e consolidar. Mas será sempre com a memória e a cultura que este ideário reguense se perpetuará.
Vivam os nossos Bombeiros!"

Jorge Almeida

Sem comentários:

Enviar um comentário