sábado, 19 de abril de 2014

João de Araújo Correia e os seus comparsas


Foto: Tertúlia João de Araújo Correia 


Concebe-se […] que o escritor ou o artista meu amigo seja credor da minha admiração e até do meu elogio. Mas, haja pudor na amizade. Que o elogio não saia dos lindes da decência, seja digno de mim e do amigo.

João de Araújo Correia, Manta de farrapos



A biblioteca de um escritor constitui um manancial de informações de variado tipo. Desde os títulos que a compõem à sua organização, muito ela nos pode dizer sobre o seu proprietário e a sua época.
No caso da biblioteca de João de Araújo Correia, privilegiámos as diversas manifestações de apreço que ele, apesar de “avesso ao aniquilamento de todas as distâncias” (Pó levantado, 1974: 233), foi recebendo no seu “eremitério”. Muitos dos seus leitores mais dedicados fizeram questão de testemunhar o seu apreço através de ofertas de livros com as respectivas dedicatórias. Textos estereotipados e de sociabilidade literária, as dedicatórias encerram, no entanto, importantes dados quanto às relações literárias de um escritor, mantendo portanto afinidades com a correspondência trocada com pares seus ao longo da vida. Neste caso concreto, elas dão conta de um amplo círculo de convívio literário, no qual têm lugar autores de vários pontos do país, sem deixar de fora pontos tão distantes como os Açores ou a entretanto emancipada Angola[1]. Entre os admiradores de João de Araújo Correia, sejam eles mais fugazes ou mais assíduos, encontram-se personagens de relevo na vida cultural do país entre os anos 40 e 80 daquele que já é o século passado. Numa altura em que não havia “internet”, nem “blogs” nem “facebook”, tal é bem elucidativo da posição de relevo por ele conquistada. A desejada “discrição e obscuridade” (apud Chorão, 1986: 83) da abelhinha no seu casulo, que o ex-libris do autor consagra, parece, pois, escapar-lhe.
Por outro lado, os textos inscritos nos livros de ou sobre literatura oferecidos ao autor de Caminho de consortes dão acesso à imagem do escritor segundo os seus congéneres. Pelas suas origens e pela sua escrita, associam-no ao Douro. Também o identificam sobretudo com o conto, em que é considerado mestre. Tal não impediu, no entanto, que fosse saudado por poetas e dramaturgos, embora seja a prosa que predomina na sua biblioteca. A sua defesa da língua pátria suscita igualmente a admiração de alguns dos seus dedicadores. A profissão que João de Araújo Correia exercia, de que a sua escrita é em parte devedora, e a sua natureza de homem íntegro e independente são outros aspectos salientados nestas pequenas homenagens que a escrita perpetua, nas quais o escritor não fez esquecer o homem e onde a literatura foi outra fonte de afectos.

Ana Ribeiro, excerto do texto "Para além dos clássicos: Os escritores contemporâneos de João de Araújo Correia na biblioteca de autor"




[1] Era angolano Carlos Ervedosa, que em 1972 ofereceu ao nosso médico-escritor um exemplar do seu Itinerário da literatura angolana com a seguinte dedicatória: “Para o Ilustre escritor João de Araújo Correia, com os cumprimentos da maior estima e consideração of. o Autor Carlos Ervedosa”.

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