sexta-feira, 11 de abril de 2014

José Braz Fernandes

Primeiro Estandarte da AHBV do Peso da Régua, desenhado por Afonso Soares


Na primeira vez que entrei na casa da família Magalhães, na Quinta D. Leonor, na encosta de Remostias, encontrei uma fotografia antiga, pendurada numa parede de uma confortável sala, que despertou a minha atenção. De repente, quando olhei o rosto daquele homem sério, de barbas, de olhar algo melancólico e distante no tempo, pressagiei ser José Braz Fernandes, o primeiro Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua.
Há muito que esperava ver o rosto do homem que considerava uma figura destacada na história da Associação dos Bombeiros da Régua. Aquele retrato de José Braz Fernandes, procurado insistentemente até àquele verão de 2011, surgia-me agora inesperadamente. Eu tinha ido àquela casa para conversar um pouco sobre António Rafael de Magalhães e a sua opereta O Milagre do Cruzeiro, que fora representada, pela primeira vez, nos anos 50, com enorme sucesso, no Quartel dos Bombeiros da Régua, que serviu como se fosse um Teatro.
Se era uma boa razão para estar muito satisfeito, confesso que ter perto de mim o retrato do meu primeiro antecessor me fez sentir um tanto deslumbrado e bastante honrado com a sua companhia, pois um pedaço de fio da história nos aproximava e nos unia.À minha frente, sabia que estava o retrato do bisavô do meu amigo, uma preciosidade de antepassado da família, da vida do qual pouco sabiam. No meu indisfarçado encanto, estava diante do meu olhar o retrato do Primeiro Presidente da Direcção.
Nessa tarde de Julho, entre José Braz Fernandes e eu, havia mais de um século de distância, precisamente cento e trinta e um anos. Naquele momento, nada sabia da sua vida. Ignorava tudo da sua biografia, apesar de ter procurado alguns rastos do seu percurso pessoal, familiar e profissional. No cemitério municipal, onde sabia que jazem as cinzas do seu corpo, procurei no jazigo da família uma lápide com o seu nome e a data do seu falecimento, mas dali só veio um silêncio profundo. Quando menos esperava, o Arquivo Distrital de Vila Real dava-me conhecimento que tinha o assento do seu óbito. Quis ter uma fotocópia desse documento que foi preenchido pela mão do Abade Miguel António da Fonseca e Sousa, que, assistindo espiritualmente à sua morte, nele registou estes dados: “Aos 30 dias do mês de Septembro do ano de mil oitocentos e noventa e quatro, à uma hora da manhã, nas casas da morada no lugar de Remostias, desta freguesia de São Faustino do Peso da Regoa, concelho do Peso da Regoa, diocese de Lamego, falleceu, tendo recebido o Sacramento da Extrema Unção, um individuo do sexo masculino, por nome de Jose Braz Fernandes, de idade de cinquenta e oito anos, viúvo de Dona Maria da Natividade Candida (…)”.
Para a sua família, José Braz Fernandes era um antepassado longínquo, com quem não tinha havido nenhumas relações de intimidade. Lembravam-no apenas pelo que tinham ouvido contar aos seus descendentes mais próximos. Tinham conhecimento que fora proprietário de uma área extensa de vinhas, algumas das quais fazem parte da Quinta D. Leonor. E que sempre aí viveu e educou oito filhos que teve do seu casamento: a Leonor, a Felicidade, a Elisa, a Cândida – também ela uma ilustre benemérita dos Bombeiros da Régua -, o Augusto, o Joaquim, o Romão e o José. 
Na única história da Régua, da autoria Afonso Soares, o seu nome está recordado como um cidadão empenhado activamente nas causas sociais, aparecendo ligado à primeira administração do Hospital da Régua e aos órgãos sociais da prestigiada Associação Comercial. 
Mas, como o primeiro Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua, ninguém o tinha evocado, para o distinguir num cargo de relevo social. Uma falha que, até hoje, me parecia ser injusta para um cidadão que tinha dedicado uma pequena parte da sua vida a servir uma causa cívica e humanitária que, apesar de muitas vicissitudes, se afirmara no seu tempo. 
Ao lado do primeiro Comandante Manuel Maria de Magalhães, seu amigo pessoal, José Braz Fernandes teve como espinhosa missão a organização de um corpo de bombeiros voluntários com formação e material adequados. Sem querer fazer conjecturas sobre o seu trabalho nos quatro anos em que esteve à frente da Direcção, sabemos que concretizou muitos projectos, aqueles que na época eram o objectivo essencial, e recebeu das mãos do Rei D. Luís I uma honrosa distinção para a Associação. 
Nas entrelinhas das actas da sua Direcção, que chegaram intactas até nós, não ficaram assinalados os resultados do seu trabalho. Mas, para quem prestar atenção, ficaram bem explícitos traços do seu carácter como a verticalidade e a determinação. Deixou-nos ainda o exemplo cívico de um homem que viveu uma espantosa experiência humana, a genuína causa do voluntariado. 
Desde a fundação, os Bombeiros da Régua mudaram muito. Apoiados numa Associação modelar, que evoluiu e se transformou num sector em mudança permanente, é actualmente uma organização social e de socorro moderna. Para aqui chegar e ser uma instituição sólida e grande, precisou que ele erguesse os primeiros pilares. Quando tudo começou, no dia em que tomou posse, o património da Associação era pouco mais que as duas bombas de incêndios doadas pela autarquia. Os sócios contribuintes e os beneméritos, como a famosa viticultora Ferreirinha, contribuíram para comprar as fardas e pagar as rendas da casa que, no Lago da Chafarica, serviu para instalar a sede, a biblioteca e, como se chamava ao quartel, a Estação das Bombas. 
Como actual Presidente da Direcção dos Bombeiros da Régua, com cinco mandatos feitos, tenho o dever, mesmo a obrigação, de preservar a memória colectiva da Associação e de todos os cidadãos, bombeiros, directores, associados e beneméritos que a ela e à sociedade reguense deram muito das suas vidas. 
Conhecer o que foi o passado de José Braz Fernandes estimula-me a persistir no engrandecimento da Associação e do Corpo de Bombeiros. Orgulho-me do que foi legado, um empreendimento social, benemérito, generoso e abnegado que continua a existir para proteger pessoas e bens, assente no associativismo, cidadania e voluntariado. 
Em 28 de Novembro de 1880, os Bombeiros da Régua foram pioneiros no distrito de Vila Real. A sua Associação foi a primeira a ser fundada. E a única a quem foi atribuído o título honorífico de Real Associação. 
Por isso, fiquei contente quando o olhar mesmo distante de José Braz Fernandes, naquele retrato, se cruzou com o meu, quase de um presidente para outro presidente – eu penso que com admiração e orgulho pelo presente da nossa Associação e do Corpo de Bombeiros que, há mais de um século, persistem em ser uma referência ética, cívica e cultural da sociedade reguense.

José Alfredo Almeida

Sem comentários:

Enviar um comentário