terça-feira, 6 de setembro de 2016

Nem tudo o que parece é




O que os olhos vêem é preferível à divagação dos desejos.  


O Eclesiastes



    A realidade maquilhada. Um arremedo rigoroso de uma das actrizes da peça em três actos que é a vindima. O trabalho das mulheres nas vindimas é cortar as uvas, com mãos-parteiras, inclinadas sobre os bardos, com um calor duriense feito de fama e proveito a empapar-lhes de suor as blúsias de chita. Carregadas as cestas, despejam-nas, para enchê-las tantas vezes quantas o sol exigir. Esperavam-nas, junto aos cestos vindimos da era pré-plástico, homens musculados, afeitos a todos os excessos. No caminho, tinham lá elas tempo para posar para a fotografia de algum turista de passagem! Very Typical!
    A estrear, o recipiente de verga tão branca como quando saiu das mãos do cesteiro. Parece mais um arranjo artístico do que um amontoado casual de frutos sorridentes e úberes.
    A mulher do povo não tem donaire para pegar num cacho com aquela sugestão concupiscente. Usa assim o lenço, é verdade. Com as pontas para trás. Para deixar ver as arrecadas de ouro, luxo rural no feminino que só a morte lhes arrancará  das orelhas.
    Até onde terá chegado esta imagem apelativa onde as uvas parecem tão doces como o sorriso feminino? Imagem retrato. Imagem publicidade. Imagem convite. Desafio. Não era verdadeira a frase que corria na década de quarenta como incentivo à cultura da vinha? - "Beber vinho é dar o pão a um milhão de portugueses".



Vila Real, 5 de Setembro de 2016

M. Hercília Agarez

1 comentário:

  1. ..De uma riqueza ..tão "terna" ..
    por entre simplicidades .."tão " BELAS!!
    Gostei muito ..Ema Sra DRa Hercilia Agarez....
    e meu amigo José Alfredo...

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