quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A (re)Volta do Barco Rabelo




Famosos e históricos, os Barcos Rabelos navegavam as águas agitadas do rio Douro, outrora isento de barragens. Hoje, embora espelho de uma etnografia, transformam-se em pequenos monumentos de museu, memória e lazer.

Ganharam identidade em 1792, definidos por embarcações de fundo chato, próprias para navegar as revoltas águas que rompiam velozmente as montanhas no vale do Douro.
A Régua, ou melhor, toda a região vinhateira, com o Douro aos pés, apresentava-se com um certa deficiência no que diz respeito à comunicação. Os Barcos Rabelos ficavam responsáveis pelo transporte de pessoas e mercadorias possibilitando, em simultâneo, o início do desenvolvimento local numa geografia protegida, hoje, no Património Mundial da Humanidade.
Durante vários anos, o famoso Vinho Generoso da região vinhateira era transportado por estes pequenos/grandes monumentos na história Vinho do Porto.
As viagens transformavam-se num palco de odisseias ilustradas, tendo como cenário um rio que se enroscava nas margens com o seu serpenteado de dança de amor, que inspirou grandes vultos da literatura portuguesa.
O percurso nas águas d(o)urienses era difícil, moroso e arriscado. No entanto, a única via de comunicação faz do Douro uma grande estrada, exigindo aos marinheiros a perícia e o saber comunicar com as correntes para dar resposta com eficácia.
Seguiam em direcção à Foz, apoiados pela ajuda de instrumentos marinhos que as embarcações ofereciam ao seu percurso. Durante vários dias, da Régua ao Porto, a viagem era suportada pela força de vários homens que arriscavam as suas vidas pela sobrevivência de suas famílias. No início, servidos de tanta precariedade, rumavam apoiados na ajuda de homens ou juntas de bois que, movidos pela exaustão, puxavam os barcos através dos caminhos de sirga em direcção ao Porto. Ao longo do rio, alguns locais exigiam superlativos cuidados. A zona do Piar era conhecida pela violência das águas revoltas. Caracterizava-se como lugar de perigo ou tragédia eminente e de difícil manuseamento da espadela. Escalando as escarpas, homens de fé e esperança reservaram, até hoje, um nicho em prole da N. Sª. da Boa Viagem.

No desaguar da árdua tarefa, avizinha-se a lavoura do descarregamento de mercadorias. Que o diga (ou melhor, dissesse) Manoel de Oliveira…, com gosto especial pelo cinema realista soube, embora de técnica muda, entender a “…, Faina Fluvial” de 1931, e imprimir, nos rostos daquelas gentes, o peso do suor daqueles ao carregar nos ombros longas histórias de trabalho, transformando toda a zona ribeirinha numa verdadeira agitação de cascata.
Às jóias do vale do Douro, que no passado criavam pontes entre margens, a evolução vem alterar o seu destino. A industrialização foi o juiz que leu a sentença destas embarcações que quase adormeceram no auge da juventude. Com a inauguração dos Caminhos de Ferro da Linha do Douro, em 1887, ficam assegurados, com maior rapidez, os transportes de pessoas e mercadorias.
Os Barcos Rabelos, outrora indispensáveis, caiem em desuso. Mas depois de uma história tempestuosa, a labuta da força braçal desagua em momentos de valioso prazer acompanhado de grandes memórias. Fica, assim, o turismo como novo responsável em oferecer uma nova vida àqueles que, no passado, asseguraram a glória na Faina Fluvial.

Maria de Lurdes Pereira Gomes
7-9-2016

Sem comentários:

Enviar um comentário