segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Inesquecível viagem na Linha do Corgo





"…Quem desembarca na Regoa e entra no comboio para as Pedras Salgadas, ao começar a subir as alterosas ravinas que o Corgo sulcou experimenta uma sensação de bem-estar, de admiração e alegria que lhe suggestiona qualquer coisa nova e inesperada
O comboio, n'um balouçar que tem o seu quê de berço, embala a gente sem o sentir e lá vae perfurando panoramas cada vez mais diversos e mais bellos. Aqui apparece-nos a graça gentil d'uma horta viridente, acolá a severidade de lombas elevadas, pináculos agudíssimos; aquilo que a phylloxera não devastou e queimou como raio e a coragem e o aprumo do proprietário ressuscitou, apresenta-se-nos em amphitheatros, que outr'ora tanta riqueza demonstrava; a imponência dos castanheiros, o avelludado dos pinheiros, o rendilhado dos sabugueiros e o assetinado do amaldiçoado tabaco vêem substituir na rapidez do caminhar aquela magica cultura, para nos surgir ao collear um meandro do rio.
Os casaes alvejam ao sol, e os campanários das freguezias, uns no alto dos outeiros e outros no fundo dos valles, parecem ao longe bandos de pombas espavoridas pelo silvo da machina.
Chega-se a Carrazedo e alli a visualidade é de mágica thetral: não nos parece real o que vêmos, mas sim um sonho! Parado na gare, o comboio espera pelo descendente; ei-lo que foge por sobre a nossa cabeça e precipita-se, desgrenhando a pluma de fumo sobre aquelle que o espera; de repente esconde-se, reapparece, descendo sempre até que se approximam.
Prosegue-se em direcção a Villa Real… faltam minutos para a vermos.
Ninguém, por mais força imaginativa de que disponha, é capaz de affirmar que não excedeu toda a sua expectativa o maravilhoso sonho que vê realizado.
É impossível descrever-se.
Gaba-se o céu de Itália, especialmente o de Capri, porque imprime à paisagem um tom de lilaz em todo o ambiente; pois ao vislumbrar a casaria, amparada pela magestade do Marão, se o Sol bate em cheio no kaleidoscópio da vila, parece-nos tudo banhado em cor de rosa a evaporar-se deante de nós.
É ampla a entrada para a villa pela Avenida do Caminho de Ferro.
Lá em baixo o Corgo ferve por entre as penedias e lá vae até ao Douro… …”.

 Domingos Ramos in “Ilustração Transmontana”, 1909

1 comentário:

  1. excelente texto ! Eu sou um dos muitos que conheceu esta belissima linha ferroviaria TrasMontana, desde os tempos das locomotivas a vapor até ás locomotivas a diesel ja nos anos 70-80. E tambem sou um dos muitos que perecebem a necessidade enorme que o distrito de Vila Real volte a "re-colocar nos eixos" a sua ferrovia desde a Regua até Chaves. A estrada e a autoestrada provaram - sem qualquer duvida - que nao substituiram a ferrovia, e até deixaram muitas localidades e povoados mais e mais isolados. Alem disso a Linha do Corgo, desde que em moldes actualizados (composições, infra-estruturas, etc) e com traçado corrigido, pode e deve ter um papel fulcral nao somente no transporte de passageiros (a ferrovia a cumprir o seu papel social que é fundamental para as localidades e populações) mas também para o transporte de mercadorias por via do seu papel ecológico e da alta eficiência de transporte (com reflexos positivos nos custos globais). A exploração de comboios turisticos no Corgo é uma terceira via... mais do que óbvia face ao enorme potencial paisagistico de toda esta vasta região que se estende desde a Regua duriense até Chaves no Alto-Tamega.
    Que se lute para um dia voltar a repor-se esta grande ferrovia ao longo de toda esta vasta região !

    ResponderEliminar