quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Posto de vigia

Foto: josé alfredo almeida
                 
É o coração que sente Deus, e não a razão.

Pascal



Saberia quem te plantou ai, assim despojada, assim modesta, assim isolada, quantos visitantes contabilizas, ano após ano?Mas não te envaideças. Sem mérito arquitectónico, fechada a mais de sete chaves, as tuas frinchas deixam entrar tiras de luz, convidam a espreitadelas curiosas. Inútil, a varanda, que o Santo não tem intenção de frequentar. Prefere o posto que lhe foi, estrategicamente, destinado. 
Salva-te do abandono, do esquecimento, nesse ermo-mirante, a surpresa que oferece a tua parede mais ditosa. O teu padroeiro, São Leonardo, anfitrião atento e vigia eficiente, inspirou a Miguel Torga um dos seus mais belos poemas, gravado num painel de azulejos. Ninguém resiste a lê-lo, com recolhimento de oração. Diz o autor, no Diário IX, que lhe custou "trinta anos, bem medidos, de tenacidade".
Tem boas vistas, o bom do santo. E todo o tempo do mundo para se embasbacar com esse naco do "Doiro sublimado", desse "excesso da natureza", desse "poema geológico".
No Diário III escreve o "Orfeu Rebelde":
"[... ] Que força me atrai [...] a estas capelinhas onde mora um Deus em que não acredito?" Perdeu-O na adolescência, passou a vida a negar a sua existência, mas nunca teve "a força de O esquecer". Vejamos:

                     S. Martinho de Anta, 15 de Abril de 1979 - Ser incréu custa muito! É dia de Páscoa. O gosto que eu teria de beijar também o Senhor, se acreditasse! Assim, olho a fé de todos em aleluia, e fico nesta tristeza agnóstica que faz da vida um agónica aventura sem esperança de ressurreição.
Diário XIII


M. Hercília Agarez
Vila Real, 24 de Janeiro

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