quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Escritor do Douro em pessoa





"Quando, nos meus tempos de exílio, me davam saudades do longínquo Douro - o Doiro, como se dizia no Vilarouco -, punha-me a reler, para as matar, um naco de prosa de um dos escritores que a ele se mantiveram mais apegados, mergulhando as raízes no terrunho e no rio de nascença, como as cepas a crescer para o fundo e para o alto, de socalco em socalco, desde o rés das margens até ao céu e deste até ao âmago do coração dos homens: falo de João de Araújo Correia, que se quis fiel até a morte a casa matriz telúrica que é a de todos nós, durienses e transmontanos.
Nunca o conheci senão através da escrita - a escrita tersa e enxuta dos seus contos como das suas crónicas, que desde a juventude me habituei a saborear, e mais tarde a das cartas ou postais, por vezes de sóbria delicadeza íntima, como que me brindou, no meu regresso à pátria.
(...)
Os seus curtos textos me bastavam, porém, para ir compondo, a pouco e pouco, uma figuração da persona desse autor de obras breves - pois não fez ele o "elogio do livro pequeno", mesmo se o tratava por "sua excelência o livro"? - que conseguia condensar nas suas frases de húmus macerado todo o perfume de um bom vinho fino, dado a beber ao leitor em lentos goles. Raros como ele sabiam com uma tal arte da concisão arrotear, num "trabalho de cava", as palavras da língua portugues, a cuja defesa e ilustração consageou muito do seu labor amoroso. "Sei que nasci escritor em casa de lavoura, situada à beira de uma fonte, na antiga vila de Canelas" - eis como João de Araújo Correia se apresenta, numa quase lacónica  nota autobiográfica que nos deixou. Quem assim seria capaz de literariamente se micro-retratar?

Desde os títulos de cada volume modesto, que lá ia dando a lume, aos de cada uma das peças buriladas, pode ler-se a identificação como a "patria pequena" do Douro, que era tudo o seu universo, em sentido próprio. "Parece-me que foi sofre folhas de xisto, lâminas de alvenaria da minha região, que escrevi estes contos"- diz ele ao falar de uma das suas colectâneas.
A metáfora mineral ajusta-se perfeitamente à matéria e à forma de que é tecida a ficcção de João de Araújo Correia, assim como os seus artigos jornalísticos e as suas conferências, de tom menor mas sempre de talhe primoroso.

A consciência da escrita como fazer poético é uma obsessão do autor de Contos Bárbaros. Veja-se o conto "O escritor", em que a condição dura deste é concebida como um "fado" - um fatum trágico, à letra - a que não pode eximir-se. Mas ela é para ele outrosssim o exercício permanente de uma liberdade criadora, que faz apelo a um sacrifício, superior ao de qualquer trabalho penoso. "Dizem alguns que britar pedra muma estrada, à torreira do sol, é uma brincadeira comparada com o esforço de escrever com arte" - congemina o protagonista do conto "Só".
(...)

José Augusto Seabra in jornal "Primeiro de Janeiro" de 1 de Dezembro de 2000

2 comentários:

  1. ...INESQUECÌVEL......ESCRITOR ..DO DOURO...que nos HONRARÀ ..SEMPRE!!!!
    A "genuinade Duriense "...que nos surpreende ..
    a qualquer momento....
    !!

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  2. João de Araújo Correia,homem que amou de alma e coração,
    a terra onde nasceu.

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