terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O Inverno da vinha

Foto:josé alfredo almeida


Cepas em quase cruz. Tiritantes, mas firmes. Negras como os esteios, amparos dos seus anos, da sua velhice. Em compasso de espera. Pela frialdade que lhes chega às entranhas, adivinham a chegada dos trabalhadores, das suas mãos sábias, credenciadas por longa experiência nas delicadas tarefas da poda e da empa.

A tesoura não repousa. É sua eterna companheira, tão indispensável como em missa sacristão. Dela cairão em chãos invernosos varas inúteis, desordenadas. Inúteis nas videiras, úteis quando, em molhos feitas, substituem as acendalhas em lareiras rurais.

A empa (ou erguida) leva-me a Miguel Torga e a um dos poemas "Bucólica" em que enumera, entre nadas de que é feita a vida, um gesto do seu velho: "Meu pai a erguer uma videira / Como quem faz a trança à filha".

E eu, reduzida à minha insignificância perante o mestre, digo:
                                                               


Dedos encarquilhados
                                      erguem videiras:
                                      lavores no masculino.

                                               in As Asas da Libelinha



M. Hercília Agarez
Vila Real, 16 de Janeiro de 2018

1 comentário:

  1. ...simplicidade requintada ..nas palavras ....
    tão ...especial....!!

    a foto ...condiz ....ião bem...

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