segunda-feira, 18 de junho de 2018

Diz




Se eu desaparecer hoje 
E falo mesmo do meu corpo aqui tão sentado
a escrever desde a ponta da língua à légua mais distante
da minha vida, 
diz que compreendi.
Diz que sei que nada está onde é certo estar 
Que o amor súbito é a escada para o entendimento
e come os espelhos
Diz que fui ar azul sobre campos de secura 
Estrada recta ao infinito, entre oliveiras, 
um acidente ao longe 
Que provei toda a sede quando engoli os homens 
Que queimei alegremente no ácido das palavras
Que tombei em ricochete para que me vissem 
E que quando me viram me ergui animal
Diz que me viste nua, sempre 
Que corri por hospícios de olhos fechados 
e a boca às avessas 
Que vivi mais ao alto do que em mundo plano
e fui honesta na minha rente loucura
Diz que nunca esqueci a subida a um plátano 
Que ninguém viveu no meu lugar, nem eu no de ninguém 
Que fui sim, o halo frio que enchi com esta pena pela
minha ausência 
E que tudo o que disse foi com silêncio
Diz que sei, sobretudo, que ardemos juntos como ventosas,
embora não queiras
Que o teu corpo me serviu de andar nas pernas asmáticas 
Que te agradeço ter-te oferecido lírios
Que me reduziste o nojo da espécie 
Diz que eu, fui eu
Guarda-me este segredo que tenho largo por baixo dos cabelos:
- quanto em mim fui que não vivi 
quanto em ti é que fui eu?


Mas não te preocupes, não desapareço hoje 
Quando me conheceste já eu não existia, 
e tu sabes 
que essas saudades que vais tendo,
são as minhas.

Cláudia R. Sampaio

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