Vivemos, no nosso
interior, banhados por mares de pedra em que a água se fez montes. Áridos. De
fragas desirmanadas. Penedos que rivalizam em tamanho e forma, gigantescos,
uns, associados a lendas de mouras encantadas, lisos e arredondados como ventres
de mulher, outros. Amigos de poucos amigos, esconderijos de raposas e de lobos,
pousos de aves de pios aterradores. De dia, convidam à escalada. De amantes
humanos da natureza. De cabras montesas, ágeis e atrevidas trepadoras de
alturas impetuosas.
Adoçam-se e amaciam-se os penhascos,
tomando forma de leito, ao verem aproximar-se quem busca o isolamento, a
solidão, quem quer provar a natureza em estado puro, selvagem.
Esta esbelta menina-mulher, numa
descontracção descalça, estende-se displicentemente nesta cama granítica em desafio
irreverente à comodidade caseira de colchões de penas. Deita-se para ver mais
céu? Para ser benzida pelo sol? Para conhecer o sabor do silêncio? Ou será
porque só conhece a palavra paz no seu sentido de antítese de guerra?
Será esta sua postura habitual ou posará
para algum passarinho que anda por perto? Aquela pose...
Não vale a pena aventar mais hipóteses.
Vamos ao encontro de Miguel Torga e de um dos seus poemas intitulados "Regresso",
escrito na sua terra trasmontana no Natal de 1951. Pode bem ser idêntica a
intenção desta presença inesperada e, decerto, saudada pela palidez baça da
pedra reconhecida:
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Depois o sol abriu-se num sorriso,
E eu deitei-me no colo dos penedos
A contar aventuras e segredos
Aos deuses do meu velho paraíso.
Diário VI
M. Hercília Agarez
Vila Real, 24 de Fevereiro
O mistério de uma pose.
ResponderEliminarO texto ombreia com a beleza do poema de Torga.