sábado, 17 de fevereiro de 2018

A beleza da ternura




Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças.

Fernando Pessoa in "Liberdade"


Já andava na escola quando foi mana. O pimpolho que leva, protectoramente, a passear, foi, nesse ano, o seu presente de Natal. Como conhecia as previsões sobre a sua chegada, mais dia, menos dia (falo do tempo em que os bebés não tinham dia, hora, minuto e segundo pré-marcados para abandonarem a quentura do ventre materno), ela nem se deu ao trabalho de escrever a habitual carta ao Menino Jesus.
Que haveria de desejar, farta que estava de ser filha única, apaparicada até à exaustão, tratada como bibelot de cristal? A sua debilidade física suscitava pavores paternais que lhe impingiam cálcio, vitaminas, xaropes para as bichas e para a tosse, fortificantes e, isso era o pior, óleo de fígado de bacalhau.
Tudo engolia, de olhos fechados, sem birras, na expectativa de ganhar corpo firme para encolar irmão ou irmã (na altura também não havia ecografias).
Saiu rapaz, reivindicando roupinhas azuis, berço forrado de azul, tudo azul.
Foi ela que lhe escolheu o nome. Andava, há que tempos, a matutar. Percorria, mentalmente, o chamadouro de primas e primos, amigas e amigos, colegas. Por fim a decisão, afastadas várias hipóteses pirosas, surgiu como clarão de relâmpago: Filipe ou Mafalda, talvez por andar sempre agarrada aos álbuns das peripécias de personagens com estes nomes, criadas pelo cartunista Quino para crianças de todas as idades. Aquela Mafaldinha era levada dos diabos...
O tempo não andou, voou, e os manos aqui estão. Ela quase mulher, muito feminina, e ele muito rapaz. Ele, penteado por ela para o passeio, à força de brilhantina para domesticar a trunfa. Ela, carinhosa, vigilante, irmã-quase-mãe. 
Bonita de se ver esta aliança de sangue: uma mão zeladora e compenetrada abraça o seu "menino de ouro" de sorriso gaiato.
                                                         


M. Hercília Agarez
Vila Real,17 de Fevereiro 

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