segunda-feira, 6 de abril de 2015

Saudades do Douro


Fotos: josé alfredo almeida


Teresa Pizarro Beleza

Saudades da Régua. Saudades do Douro. Da luz inigualável do meu Douro. Do Pinhão, de Casal de Loivos, de Galafura, de Provezende, de Sabrosa, de Alijó, de tantos sítios que já lhes perdi a conta e os nomes, das estradas à beira dos precipícios onde perdi um Amigo que iria distraído a segurar o fato de banho na janela do carro, como sempre fazia e se esqueceu de uma curva... 
Saudades dos telhados pintados de misteriosas riscas brancas, das 'coisas' belas em madeira e metal (não me consigo lembrar do nome) que não trouxe da loja do Museu do Douro porque vinha de viagem, mas voltarei para as ir buscar, um dia destes; dos nomes das quintas que se avistam ao longe ou surgem inesperadas a uma súbita esquina da estrada; das cores jubilantes da Primavera ou dos mil tons dourados e escarlates do Outono, o calor sufocante de Julho e Agosto - ou Junho a Setembro - as tardes lânguidas de Verão onde tudo parece suspenso, o amanhecer nítido ou nevoento e o entardecer suave sobre o Rio, sempre o Rio que tudo marca e demarca, as queixas dos produtores que não aguentam o oligopólio que lhes torna o preço da pipa de vinho fino inviável, as histórias de vida comoventes, a teimosia dos que persistem em ficar ou a mistura dos sentimentos dos que regressam, os belos cestos vindimos onde iam as cerejas brancas, as uvas e as nêsperas dulcíssimas da minha infância, em lentíssimos comboios do Pinhão até Lisboa.
Saudades da linha do Porto a Barca d'Alva e até Salamanca - esta só de imaginar, que apenas vi ainda o túnel cheio de morcegos; a outra, do Pinhão a Barca d'Alva, ainda a conheci, fi-la a 10 - 30 kms / hora junto ao Maquinista e ao Revisor, há tantos anos, tantos anos, que às vezes julgo que sonhei  (Setembro de 1988). 
Saudades da luz, da água, das sombras, da inquietude e da serenidade do Rio, da noite, da Lua subindo devagar, das pontes sobrepostas olhadas de jusante - de montante não recordo, não sei porquê - como num óleo de habilíssima mão (Vieira da Silva? Um Futurista, talvez? Mas esse haveria era de gostar de pintar os comboios em movimento... Marques de Oliveira? Mais para mar que para rio... Tenho de investigar; quem pintou as Pontes da Régua, que me não lembro, José Alfredo Almeida​?) e dos cais de onde se avistam sempre outros cais. Tentação inevitável e irresistível para a objectiva de uma fotógrafa, Adriana Andrade​. Curiosamente, creio que não tirei uma única fotografia na Régua, nem em Lamego, acho que estive a olhar para as coisas, em vez de as fotografar, que ideia mais estranha...



[No Museu de Amarante (Amadeo de Souza Cardoso), onde há dias passei a tarde, na viagem da Régua até aqui a Refoios do Lima, está uma belíssima exposição de fotografia de imagens / cenas lá da Terra que mostra a água e a luz como poucas vezes as vi. Rio Tâmega, neste caso, claro.]
Saudades da vinha, tão esplendorosamente diferente da daqui, em Terras do Lima. Estou noutra secção do Paraíso, verde, tudo verde nos «passos em volta», algumas manchas amarelas na encosta da montanha, cavalos selvagens de que ouvi ontem o trotar inquieto, no meio do silêncio; à minha beira, como por aqui se diz, japoneiras e azáleas em flor, aloendros e rododendros quase a rebentar, trepadeiras misteriosas de flores amarelas amarinhando pelas paredes incautas, hidranjas a preparar Setembro, limoeiros perfumados e glicínias exuberantes, a Natureza generosa e magnífica mas quase sempre suavemente doce do Minho.
Também aqui tenho a contemplação da luz e das sombras, da água serena e às vezes precipitada, do Rio espelhado, da Lua e até da linha do horizonte sobre o Mar, subida a estrada que leva aos rochedos gigantes da «Vacariça»; belíssimo. O timbre do sino da igreja de Refoios é lindíssimo e a Padroeira chama-se Nossa Senhora dos Anjos. Não poderia ter melhor nome, para mim.
Apetece-me ficar aqui para sempre, apesar de esta ser a expressão que mais me assusta na língua portuguesa. Olhando a imensidão que se avista desta Casa, que parece feita a pensar em mim, em cada pormenor, na forma como as janelas e a varanda se viram a Leste, na arrumação da magnífica Biblioteca, na absoluta correcção do cálculo dos degraus e no lançamento perfeito das escadas, nas cores do chão, das paredes, das madeiras, há mesmo qualquer coisa de misterioso, de 'slightly spooky' nisto tudo... :) 

Mas em qualquer secção do Paraíso, sempre me faltam a anterior e... a seguinte. Vá-se lá entender.

Tenho saudades da doçura agreste do Douro. 

Saudades de mim?

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