terça-feira, 18 de março de 2014

Socorro!




É indispensável e até urgente que os nossos Bombeiros adquiram uma ambulância nova! A que aí têm é ainda um bom carro, foge que voa pela estrada fora e trepa ao cimo dos nossos montes como um gato, mas é inóspita para doentes e pessoas que os acompanhem. Não tem defesa contra o frio e o calor externos. Em viagens longas, consoante a estação, é frigorífico ou crematório. Pode matar o doente primeiro que lhe acuda a solicitude hospitalar. É carro útil para viagens curtas e utilíssimo para vencer árduas subidas à maior parte dos povos do concelho e dos concelhos vizinhos. Para estiradas viagens, para ir ao Porto, Coimbra ou Lisboa, não serve. Tanto mais, que é um lobo a devorar gasolina. Pode-se dizer que não há carburante capaz de o saciar. Para essas viagens, fora de vila e termo, é um vampiro. Suga, até o último tostão, o cofre dos Bombeiros. É um perdulário…Não pode competir, em despesa, com ambulâncias de menor sustento. Vila Real e Lamego, nesse capítulo, batem o nosso velho e ainda bonito e ligeiro carro.
Tornou-se angustiosa a necessidade de se adquirir nova auto-maca. A velha ficará para serviço rápido, subir a Poiares ou a Sedielos num rufo, suprir ou auxiliar o veículo novo em caso de necessidade. Para levar um doente à Misericórdia do Porto, aos hospitais de Coimbra ou Lisboa, pôr-se-á a caminho ordinariamente uma ambulância capaz de o agasalhar e proteger com a maior carinho e o menor dispêndio. 
De todos os fogos, o que lavra no corpo ferido ou doente é o mais credor de imediato socorro. Não há casa que valha uma vida humana. Levar a uma enfermaria o semelhante é acudir-lhe com o coração. Levá-lo de modo que não faleça à míngua de cuidados é acudir-lhe com o coração guiado pelo espírito. É acto que transcende da simples caridade. É uma obrigação própria da nossa inteligência esclarecida. Deixar morrer é matarmo-nos. O bem comum mais precioso é o homem. Como quem diz: somos nós todos. No caso de auxiliarmos os Bombeiros, na compra da auto-maca, o que lhe dermos será economia nossa que vamos pôr a juros. Imaginemos, à nossa vontade, que somos beneméritos. O que seremos, em boa análise, é egoístas. O óbolo que sair do nosso bolso é um seguro de vida. Reverterá, quando mal nos precatarmos, a nosso próprio favor. Ninguém dirá, vendo passar a auto-maca: de ti, estou eu livre.

Fevereiro de 1958 

João de Araújo Coreia in Pátria Pequena, editado pela Imprensa do Douro (1977)

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