Foto : josé alfredo almeida |
O que é útil é belo
Platão
Ao iniciar uma viagem de barco que o
levaria de Lisboa a Santarém, escreveu Almeida Garrett (1799-1854) em Viagens na Minha Terra: "[...] E
protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer
crónica".
Pois eu, na minha pequenez de escrita, não
protesto coisíssima nenhuma. De jornada a esta "aldeia da roupa
branca" a que a fotografia, mentalmente, me conduziu, apenas prometo
aproveitar a oportunidade que ela me oferece para honrar um elemento menorizado da paisagem do
Douro vinhateiro.
Bem visíveis no Inverno, que atravessam
desagasalhados, os arames, bisonhos, discretos pela cor, pela magreza e pela
inactividade, não atraem os olhares displicentes de quem passa. No entanto,
reconheçamos, eles são o complemento directo de esteios em xisto, sólido amparo
a que se agarram como crianças às saias de suas mães.
Mãos de sabedoria ancestral esticam-nos,
sobrepõem-nos paralelamente, para que, por sua vez, sejam eles a protagonizar a
segurança de renovos trepadores, primeiro, de cachos de uva embrulhados em
folhas camaleónicas, depois. No auge da produção, aceitam, humildemente, a sua
invisibilidade.
Tiram a desforra quando lhes atribuem outra
utilidade, quando lhes chega ao nariz o cheiro purificador a roupa lavada,
antes no rio, com sabão e cora, agora saída de máquinas com que o progresso
acudiu às donas de casa. Sentem-se afagados pela maciez de lãs e algodões. O
vento agita cada peça desfraldada. A paisagem agradece esse contributo rural de
cor e de vida. Os arames, bem, nesses nem é bom falar...De contentes se lhes
riem os dentes...
M.
Hercília Agarez
Vila Real, 01 de Março de 2018
Sem comentários:
Enviar um comentário