sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A hora da esmola



Já não estão cheias de uvas as cestas das mulheres. Servem, apenas, de meio de transporte aos fataixos de trabalho, saias e blusas. 


Acabada a faina vindimeira, as rogas, perfiladas no chão ou empoleiradas em muros inseguros, estão prontas para o regresso aos casinhotos das suas aldeias não vinhateiras onde substituem a tesoura de poda pela enxada, e demais alfaias agrícolas. Todos têm a sua quota parte no amanho da pobre terra que lhes garante uma humilde subsistência.

Aí estão eles: rapazes de boné, homens de chapéu amolgado, mulheres de lenço a tapar a cabeça de jeito ao seu jeito ou segundo a tradição familiar.

Regiamente sentado no trono da tirania, o patrão e os seus adjuvantes têm em cima da mesa do mando papéis onde constam os dias de trabalho de cada escravo. De acordo com esses dados, sem erro, entregam, sovinamente, a jorna mirrada, paga sem direito a objecções. Paga de dias e dias de trabalho suado, de corpos máquinas, alimentados como quem dá esmola a um pobre, momentos de pausa que não dão para endireitar as costas.


Esta fotografia pode ser vista como um painel de etnografia duriense: o fim de uma epopeia cujos protagonistas, vindimadores e fazedores de vinho, não têm um Camões que diga: "Aqueles que por obras valorosas / Se vão da lei da Morte libertando". Mas o vinho, esse, sobretudo o fino, viaja por todo esse mundo há muito navegado.

Vila Real, 3 de Novembro
M. Hercília Agarez

2 comentários:

  1. Maravilhoso espaço, Senhor José!
    Há que homenageá-lo com poesia,
    Com afeto, com amor, com alegria,
    Por ver como a vindima era e é

    Produzir vinho, colhendo do pé
    A uva sacrossanta desde a via
    Da colheita ao fim da tal porfia
    Feita com amor e com o fervor da fé.

    Brindamos pois amigo, com uma taça
    Do vinho português e demos graça
    Por esse brinde terno à saúde

    De toda a vida breve que se passa
    E mais um trago antes da mordaça
    Que o vinho nos alegra e nos ilude.

    Grande abraço. Laerte.

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  2. Uma fotografia interpretada, não só no que
    visualmente representa, mas faz ainda um
    relato das vidas, que fizeram do Douro uma
    riqueza nacional. Excelente!

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