sábado, 27 de maio de 2017

Traquinice






Nada foi premeditado.
Naquela manhã primaveril, ao contrário dos outros dias, embora ainda fosse cedo, não encontrei nenhuma menina da minha escola pelo caminho, como era costume.

Antes de virar a esquina para o Largo dos Aviadores, entrei na padaria e comprei um pão de leite com açucar.
Quando entrei na Alameda e passei pelo parque infantil,
reparei que estava vazio,
sentei-me num banco, o coração a bater as mãos suadas.
Uma ideia surgiu-me, um sonho uma fantasia talvez.
De faltar à escola e ter inteiro só para mim, o parque infantil.
Por momentos a Alameda pareceu-me adormecida, um sol morno tocou-me doce no rosto, não havia por perto ninguém que pudesse testemunhar a minha falta.

Poisei com muito cuidado a minha mala escolar, cor de rosa com dois cisnes brancos a nadarem num lago maravilhosamente azul, escolhida por mim, numa das livrarias da rua dos Camilos.

No início, nem sabia por onde havia de começar.
Pelos cavalinhos, pensei, dando balanço com um pé, depois as balanças, o escorrega e por fim, nem queria acreditar, os baloiços.
Dois baloiços só para mim.

E foi aí que fiquei.
A andar de baloiço toda a manhã. Voei como um pássaro,
respirei todos os odores florais, senti-me no céu.

Só quando ouvi ao longe barulho, rumores de riso de crianças, é que me apercebi que era a hora do almoço.

Apressei-me a ir para casa, um frio na barriga e uma sensação de mal-estar.
Um segredo que guardei durante algum tempo.

Não foi premeditado.
No entanto, sei que me doeu mentir.

Também sei, que me ficou daí esta estranha mania de querer tocar com a ponta dos pés em tudo que é mágico e me faz sonhar.


Ana de Melo

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