sábado, 6 de maio de 2017

Memórias soltas





Abro a janela.
Não a de ontem, de portadas encarnadas, onde os meus dias fluíam ao compasso do rio,
dias dourados e inocentes.
Janelas que me perseguem nos meus sonhos, estranhamente fechadas. Onde alguma tristeza e distância marcam o ritmo da minha respiração.

Abro a janela às primeiras horas do dia.
Entrego-me à redescoberta dos cheiros, do verde da paisagem, à enormidade majestosa dos montes que me rodeiam.
Aqui, mais do que em outro lugar, sinto exactamente a minha pequena dimensão, perante a grandeza do trabalho do homem, e a maravilha da natureza.

O rio que chamo de meu.
Belo e altivo, apesar das mudanças. De um porto de embarque, com navios e barcos e sons estrangeiros.
Um rio do mundo.
Na essência o mesmo. Na memória, nos segredos, nas tragédias que guarda consigo.

Nesta janela que abro todas as manhãs destes dias, de encontro com o passado e comigo, há um diálogo entre o rio e eu.
Sei que ele me guarda e me habita,
num abraço, com o mar.

As nuvens descansam no rio, e um vento frio ainda se faz sentir, nesta manhã.
Os meus olhos líquidos a olhá-lo, a adivinhar a sua cor, todo o seu brilho.
Um olhar de ternura de paixão e de amor.
De tudo e de todos que fizeram parte desse correr.
Espelho de água onde me revejo, proximidade de quem me foi essencial.
Imagens e sons, e o milagre de ser feliz, só por ser.
Numa outra vida.

Que me desenhou, amarga e doce.


Ana de Melo

2 comentários:

  1. ..Um "inundar " de palavras ..ternas ..doces ....
    ..que eu tanto "gosto "...
    !!!

    Parabéns Ana de Melo...
    é maravilhoso !!!!

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  2. Sempre uma janela aberta para a beleza das
    palavras...

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